• Nenhum resultado encontrado

RELATO ACERCA DA EXPERIÊNCIA DE PSICÓLOGA NO TRANSPORTE E PESQUISADORA: ENTRE AS EMOÇÕES, A PERCEPÇÃO E O TRABALHO

Somos convocados, diariamente, a darmos conta de vários papeis sociais. O que são, então, esses papeis sociais? Essa expressão se refere ao conjunto de normas, direitos, deveres e explicativas que dirigem o comportamento humano juntamente ao grupo, família, empresa, e é original das ciências sociais, que discutem o ser em seu meio.

Se pararmos para refletir sobre o nosso dia a dia, temos uma infinidade de atividades que nos demandam tempo, humor, habilidade, um tom de voz adequado, energia física e psíquica como, por exemplo, falar com nosso animal de estimação, convencer um filho a terminar sua tarefa escolar, analisar o orçamento familiar, trabalhar, pagar uma conta... A todo momento, somos convocados a exercer um papel social em múltiplos contextos de vida.

A maneira como falamos com nosso bichinho de estimação se difere da maneira como falamos com nosso chefe, por exemplo. Isso demonstra que, como seres humanos, temos uma capacidade maravilhosa de nos ajustarmos ao ambiente (ao contexto) em que estamos. Contudo, nem sempre sabemos detectar o que sentimos e, principalmente, explicar nossas reações.

Já diziam os avisos na linha férrea: “pare de andar”, “olhe ao redor”, “escute se há barulho, só assim atravesse”. Na nossa vida, são requeridas, em alguns momentos, a mesma cautela. Mas, por quê? Porque desde a terna infância somos tomados por produções químicas que inundam nosso cérebro, resultando nas nossas emoções, sensações e sentimentos de acordo com o que vivemos.

Ao longo das nossas vidas, vamos aprendendo a limitar nosso choro e nossas expressões. Quando nascemos, saímos da estabilidade do útero materno. Desde então, precisamos da mãe para estabilizar nossas emoções: se temos fome, choramos; se vem a cócega, sorrimos. Com o passar do tempo, nossas emoções são transmitidas pela linguagem e, assim, adquirimos um maior controle do que sentimos.

Quantos de nós já nos deparamos com situações de escolha? Todo ser humano aprende a escolher. Desde a infância, escolhemos o que queremos comer, vestir, brincar e os amigos. Conforme o grau de amadurecimento da nossa personalidade, opta-se pela profissão, parceiro (a), cidade, lazer, religião, gosto musical, cor da roupa, estilo do cabelo etc. As escolhas fazem parte da nossa vida e, constantemente, somos convocados a escolher, escolher, escolher... Todavia, as escolhas podem acarretar em sofrimentos, arrependimentos e culpa. Então, resta- nos procurar resolver essas questões para não sofrermos danos de ordem psicológica, por

exemplo. Nossas escolhas são mediadas e influenciadas por nossas emoções. Conhecer é um processo libertador. Com o conhecimento, somos capazes de detectar como estamos vivendo, agindo e, assim, podemos transformar a nossa conduta, refazer escolhas e gerenciar nossas emoções. Abaixo estão algumas particularidades sobre a multiplicidade de emoções:

Figura 14 - Emoções primárias e involuntárias.

Fonte: Elaborado pela Autora, 2019 com dados extraídos de Goleman, 1995.

Figura 15 - Emoções secundárias ou sociais que dependem da cultura.

Fonte: Elaborado pela Autora, 2019 com dados extraídos de Goleman, 1995. alegria

tristeza

medo

nojo

raiva surpresa culpa compaixão gratidão vergonha simpatia

inveja

espanto

orgulho

Figura 16 - Emoções de Fundo que dependem da condição interna, do bem-estar ou mal-estar psíquico.

Fonte: Elaborado pela Autora, 2019 com dados extraídos de Goleman, 1995.

As emoções são influenciadas por alguns aspectos, tais como os apresentados na figura a seguir.

Figura 17 - Aspectos que influenciam as emoções.

Fonte: Elaborado pela Autora, 2019 com dados extraídos de Goleman, 1995.

Não podemos dissociar o trabalho da Psicologia em todas as suas potencialidades e práticas do constructo das emoções. Com anos de profissão que possuo, aprendi que desenvolver a inteligência emocional é um grande passo para a satisfação pessoal e profissional. Com a autonomia das emoções podemos melhorar nossa assertividade, autocontrole, autoconhecimento e empatia.

Lidar com o que se sente é imprescindível para manter a saúde, o equilíbrio psíquico e o bem-estar social. As emoções são puras, influenciadas pela cultura, pelo meio e personalidade. É importante destacar que o trabalho do psicólogo, muitas vezes, é de levar o sujeito a compreensão de suas emoções e, assim, de suas reações, com a finalidade de promover saúde psíquica.

processos mentais ou fisicos

estimulos

internos relaxamento ou fadiga

personalidade

gênero

Sempre compreendi que a Psicologia tem um papel social. As teorias e práticas são direcionadas ao reestabelecimento do ser humano quanto à sua autonomia, bem-estar, desenvolvimento pessoal e interpessoal e autoconhecimento. O trabalho clínico individual já impacta no social, já que o sujeito retorna aos seus ambientes e relacionamentos com uma melhor percepção de si e do meio.

Em todas as áreas do saber em Psicologia os esforços e os estudos se voltam para o outro. O investimento do psicólogo é na compreensão do outro e dos aspectos de interferência na saúde do outro. Temos um código de conduta que preza pela garantia dos direitos humanos e, neste código, devemos pautar todas as nossas ações, compromissados com a liberdade de ser do outro. Na realidade, a Psicologia não é única, e sim Psicologias, desde as multiteorias da personalidade, com práticas clínicas que consideram diferentes modos de ser e de objeto de estudo, por exemplo.

Especificamente, a lógica organizacional que foi o campo de atuação que me permitiu trabalhar e, ao mesmo tempo, pesquisar, não costuma ser espaço para pesquisas acadêmicas, pois a lógica do trabalho é bastante desgastante e mecanicista, não só pelos processos de trabalho como, também, pela questão da produtividade.

Sendo as pesquisas na organização voltadas para o clima organizacional e melhoria contínua nos processos da qualidade, se a empresa for certificada com selos internacionais, de nada adiantará se o olhar não estiver voltado aos trabalhadores.

Algumas atribuições e responsabilidades dos psicólogos do Trabalho e Organizacionais são: recrutamento e seleção de pessoas para todos os cargos disponíveis na empresa; entrevistas aos candidatos e colaboradores para promoção; mudança de função e, também, desligamentos; desenvolvimento de planos de carreiras para os colaboradores; treinamento para desenvolver pessoas, equipes, lideranças; promoção de avaliação de desempenho e eficácia das equipes; aplicação de pesquisas de clima para análise do ambiente interpessoal nos setores da empresa; participação nas medidas de saúde no trabalho; aplicação de avaliações psicológicas; correção de testagens psicológicas e elaboração de laudo de cada uma delas.

Essas atividades faziam parte do meu mapa de competências enquanto psicóloga, ao mesmo tempo em que as particularidades do contexto de trabalho me capturavam. Colocar a pessoa certa para o cargo certo era uma responsabilidade indissociável do bem-estar no trabalho. Sempre entendia que a assertividade do recrutamento e da seleção dos funcionários

estava além das testagens, entrevistas, métodos dinâmicos, da própria liderança, e dependia do controle emocional e da inteligência emocional dos funcionários.

Em pouco tempo de psicóloga organizacional, passei a controlar o setor de treinamento e desenvolvimento, experiência essa que me permitiu estar mais próxima dos profissionais que recrutavam e selecionavam, e posso afirmar que essa experiência de treinar para desenvolver aguçou, cada vez mais, meu feeling de pesquisadora.

No andamento do meu mestrado acadêmico por este mesmo programa, inseri na empresa onde trabalhava na época treinamentos para motoristas e para manobreiros sobre inteligência emocional e gestão de conflitos, o que me permitiu compreender os déficits de relacionamentos e lhes apresentar um conhecimento para pôr em prática no dia a dia de trabalho. Inúmeros foram os relatos da eficácia dos conteúdos, como psicóloga, percebia que meu papel enquanto profissional estava sendo cumprido. Entendia e entendo que não basta domínio técnico das ferramentas de trabalho e conhecimento teórico; são necessários o domínio e a compreensão das emoções. A percepção de si é um constructo permanente e está relacionada aos aspectos de autogerenciamento das emoções. Inúmeras vezes, ouvi que o funcionário é admitido/promovido pela sua competência e é desligado pelo seu comportamento.

Na vivência do transporte, as relações interpessoais são uma baliza para manter um motorista trabalhando ou em vias de ser demitido. Essa situação é tão complexa que, geralmente, o Desenvolvimento Humano Organizacional, que é a Gestão de Pessoas, media essas relações e buscava uma resolução assertiva.

Penso que a pesquisa no contexto do trabalho e da Psicologia agrega sentido à prática. Ao longo desses anos, percebi que a pesquisa não é um plus e sim uma condição de reposicionar o motorista de ônibus ao seu lugar de trabalhador. A voz significada será uma voz consciente de seus atos e emoções.

Quando realizei as entrevistas para compor os dados desta tese, pude perceber algumas diferenças do cenário, afinal, eu fiz a pesquisa de mestrado em uma empresa, e a de doutorado em outra, num espaço de tempo de 3 anos. O que pude sentir e perceber é que o setor de transporte continua experienciando as mesmas limitações. Houve um aumento assustador da violência urbana no Rio de Janeiro, e isso também altera comportamentos e emoções.

As diferenças as quais me refiro são positivas da empresa cenário. Observei um maior acesso dos motoristas de ônibus às suas lideranças imediatas e a melhores condições de manutenção dos coletivos e incentivos em formato de benefícios aos trabalhadores. Essas

questões impactam diretamente na motivação dos motoristas, e também os planos de reconhecimento.

Passei dois anos afastada do cenário garagem de ônibus, dedicando-me ao projeto e andamento da tese, estudando, apresentando trabalhos no Brasil e fora dele. No ano de 2017, quando retornei ao campo para fazer as entrevistas fenomenológicas, minha ansiedade era diferente e minha percepção também. A cada sorriso e sinal de “sim, vou participar da sua entrevista”, sentia um misto de contentamento, gratidão e responsabilidade.

Ouvir as percepções do outro e acessar a íntima opinião, no contexto da sua vivência tão particular, foram imprescindíveis para que eu pudesse atribuir sentidos fenomenológicos, traduzindo esses dados e lançando luz sobre o não dito, reafirmando o meu papel social de psicóloga e pesquisadora, permitindo-me compreender que a percepção é uma caneta que escreve sentidos. Aqui, então, reside minha escolha profissional e minha responsabilidade enquanto psicóloga.

15 EXPECTATIVA DE RETORNO PARA O SOCIAL: EXEMPLO DE EMENTA