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4 O COTEJO DO MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO DE FREUD E SUA APLICABILIDADE NO CONTEXTO DE TRABALHO DO MOTORISTA DE ÔNIBUS

5.1 A P SICOSSOMÁTICA E O T RABALHO

A gênese dos estudos sobre a Psicossomática foi resultante do pensamento médico na relação mente-corpo, dicotomia subjetiva no campo da Filosofia, por René Descartes. Em 1918, Heinroth instaurou o termo na Medicina; porém, Pierre Marty, psicanalista, fundador da escola de Paris nos anos 50, a definiu no campo da Psicanálise, por volta de 1970.

Os saberes psicossomáticos abarcam as enfermidades de forma integral no ser humano, ou seja, a doença existe no físico, existe no órgão, existe na fala, existe no pensamento do sujeito e existe no imaginário. Neste sentido, ao contextualizar com a saúde do trabalhador, reflete-se, por exemplo, um trabalhador que apresenta um quadro de hipertensão – ele, um paciente sem histórico genético da doença ou nenhum comprometimento cardíaco – porém, sua pressão arterial sobe drasticamente ao entrar em seu ambiente trabalho. Sinal claro da tensão vivida ao estar no ambiente de trabalho, mesmo sendo uma doença com inúmeras causas, o estresse é um forte candidato a vilão, assim como o sal. (MELLO FILHO, 2010).

A Psicossomática, enquanto ciência interdisciplinar, que abrange saberes da Medicina, Psicologia e outras ciências pode ser considerada “integral”, uma vez que lida com as dimensões matéria/corpo e forma/alma. A Psicossomática moderna estuda a pessoa como um ser histórico, que é um sistema único constituído por três subsistemas: corpo, mente e social.

Do mesmo modo, o ser humano é concebido tanto na saúde como na doença: um ser biopsicossocial. (MELLO FILHO, 2010, p. 115).

Além da explicação orgânica da hipertensão, que é totalmente coerente ao estar em perigo, o corpo responde com um aumento de fluxo de sangue, a fim de tentar dar conta da situação. A explicação psíquica é de grande valia, afinal, remédio algum fará o devido efeito no corpo se a boca não expressar a intensidade da afetação, pois a energia psíquica bruta está circulando e se fixando no corpo ferozmente, resultando em uma lesão física com o fundo psicológico. O modo de este sujeito dar conta de suas questões complexas, de suas insatisfações no seu cargo, ou atividade, faz com que o seu corpo fale o que ele não tem coragem de dizer ou fazer.

Não há vida sem dor. Desde o nascimento somos invadidos por este sentimento indescritível: o desafio para o sujeito é dar sentido à invasão dolorosa. As ostras, por exemplo, reagem à entrada de um corpo estranho em seu organismo produzindo pérolas que envolvem o invasor; uma bela defesa que serve às joalheiras e fazem a alegria das mulheres, afinal, é uma joia especial advinda de um processo doloroso à ostra.

Já o sujeito não produz pérolas na experiência de dor, de invasão psíquica, mas ele é capaz de crescer, amadurecer. Além disso, a ostra não é capaz de expulsar o corpo estranho para fora; ela precisa envolver com suas próprias armas o invasor, que seja um grão de areia, por exemplo.

O sujeito, ao sentir dor, responde de acordo com sua estrutura psíquica e sua maneira de compreender este sentimento. Podemos afirmar, então, que a dor é individual e intransferível. Mesmo que a dor não seja uma experiência agradável, ela é essencial para a sobrevivência. Ela se faz necessária, a fim de expor que algo não está funcionando adequadamente, seja no físico ou no psiquismo. Ela alerta os sujeitos de que são mortais, e é esta consciência que tenta instaurar os limites do que fazer para manter-se vivo.

A voz do sujeito expressa sua doença, sua dor. A afetação interna torna-se massacrante quando as substâncias químicas já não anestesiam esse corpo. Esta dor tem sempre a ver com a perda subjetiva, uma falta que nem o próprio sofredor sabe precisar. Escapa via linguagem; as palavras não dão conta.

Uma aspiração se realiza no psiquismo e produz um efeito de sucção sobre as quantidades de excitação vizinhas. Os neurônios associados devem abandonar a sua excitação, o que provoca uma dor. Uma dissolução das associações é sempre uma coisa penosa. Um empobrecimento em excitação... Se produz de um modo que se assemelha a alguma hemorragia interna. Esse processo de aspiração provoca uma inibição e tem os efeitos de um ferimento, análogo à dor... Há também

empobrecimento, pelo fato de que a excitação se escoa como que [bombeada] por um buraco [...]. É no psiquismo que se situa o buraco. (NASIO, 2006, p. 45)

Já dizia Charles Chaplin: “Sorri, vai mentindo a sua dor e, ao notar que tu sorris, todo mundo irá supor que és feliz.” Quantas vezes, ao longo da vida, procuramos esconder nossa dor dos outros e, muitas vezes, de nós mesmos, a fim de evitarmos o sofrimento, mas não nos atemos de que a dor fala sobre nós, porém não é nossa, mas tem algo de nós? Podemos ignorar uma lesão, podemos negar uma doença orgânica. O que não conseguimos é fugir da dor psíquica. Somos incapazes de fugirmos de nós mesmos.

A alegria é o antônimo da tristeza. A dor não é o sinônimo nem de alegria e nem de tristeza. Se perder em meio ao sentimento de dor é um caminho perigoso. Lutar contra ela, às vezes, é ineficaz. Então, o que fazer quando ela nos invade? Essa resposta depende de inúmeros fatores e dar esta solução não é a intenção deste trabalho, mas sim tentar compreender o que a dor representa para o corpo físico e para o subjetivo, a fim de tornar os possíveis danos em novos caminhos.

A psicossomática corresponde à passagem da energia psíquica não recalcada diretamente para o corpo biológico, lesionando – o como resposta à impossibilidade de metaforização, de fantasia. Agora situado no físico e com alterações orgânicas o sujeito preocupa-se em se ver livre deste mal, porém o caminho é longo já que a energia pulsional do psicossomático não escoa na mente e sim transborda para o corpo. (ALCANTARA; SILVA, 2014, p. 57)

Enquanto profissionais da saúde estão preocupados com o sintoma, a Psicanálise, por exemplo, está interessada se este sintoma é a resposta à afetação psíquica. Além da dor causada pelo sintoma, é necessário investigar se o sintoma teve sua gênese no fisiológico. Neste sentido, o trabalho da Psicologia é o manejo das questões psicossomáticas que, porventura, aparecerem, e alterarão a vida deste sujeito.

A analogia saúde – trabalho – doença é compreendida pela forma das ações do homem mediante a natureza, através do seu trabalho e grau de desenvolvimento das relações sociais de produção, fazendo com que suas ações ao meio ambiente sejam determinantes na vida do ser humano e dos animais. Por isso, a necessidade de lutar pelas causas justas, como a valorização do trabalho e respeito à natureza, pois, no processo saúde-doença, é essencial o bem-estar biopsicossocial do motorista.

A influência que os ambientes de trabalho têm sobre os funcionários, no caso, os motoristas e funcionários de uma empresa de ônibus, é um fator relevante. Se métodos de qualificação destes ambientes não forem internalizados, induzirão cada vez mais um

profissional ao adoecimento a tal ponto que não será apenas o único a ser prejudicado, mas também os serviços prestados, bem como a imagem e a rentabilidade da empresa.

O ambiente de trabalho determina, expressivamente, a qualidade de vida e o bem-estar dos trabalhadores que nele atuam. Por isso, cabe à comunidade científica propor métodos para humanizar estes espaços e transformá-lo em promotor de saúde, ao abranger um trabalhador biopsicossocial e espiritualmente. Importante considerar que saúde no trabalho diz respeito a atitudes em via de mão dupla, tanto à organização quanto ao sujeito. Sendo o trabalho um dos motivos para potencial sofrimento, dar voz ao sujeito faz o sofrimento tomar outra via... Do discurso à cura.

6 METODOLOGIA FENOMENOLÓGICA

A principal fonte de dados foi a entrevista fenomenológica, na qual pesquisadores e participantes são coparticipantes. Buscou-se acessar o mundo dos participantes e como essas experiências foram vividas. Os discursos dos participantes foram enriquecidos pelas reflexões e interpretação fenomenológica dos pesquisadores. No uso dessa metodologia, surgiram as suas duas principais escolas de pensamento: a Descritiva e a Interpretativa (hermenêutica). Esta possui caráter descritivo.