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4.1. Deslocamentos e trajetórias: histórias de vida de trabalhadoras fabris

4.1.4. Relatos etnográficos de encontros e reencontros: os relatos de experiência de

Ao longo do período que realizei levantamentos retornando à comunidade Capela para realizar a pesquisa etnográfica, tive vários encontros em reencontros. Nestes, as com mulheres que relatavam os processos de trabalhos. Esses diálogos não foram marcados ou mesmo seguiram modelo de entrevista semiestruturadas, a exemplo das anteriores, porém faço necessário descreve partes dessa entrevistas para aproximar o leitor a respeito de recorrências na vida das capelenses e trajetórias ligadas a deslocamentos, mulheres chefes de família e, principalmente, a quais essas mulheres insere-se no mercado de trabalho.

O primeiro encontro ocorreu na Monsenhor Celso Cicco, em Ceará-Mirim, no ponto de espera dos carros de lotação para Capela. Era o retorno, após longo período morando na cidade de Natal/RN, todavia esse retorno dava-se como pesquisadora e não meramente como nativa da Comunidade. Neste sentido, todos os olhares e conversa aparentemente voltava-se para o objeto investigado e analisado ao longo dessa etnografia.

Neste momento de retorno, houve o reencontro com Clara, conhecida de longas tempos, colegas de Ensino Fundamental, ou seja, dividimos momentos ao longo nosso desenvolvimento educacional. Ao longo da conversa nos cumprimentamos, Clara que começou questionar sobre minha vida, nesse momento também tive a oportunidade de realiza perguntas a respeito de aspectos da sua vida.

Assim ela descrevia que hoje tinha faltado ao trabalho para resolve questões de saúde da sua filha.

estou resolvendo uns problemas de saúde da minha filha, que possivelmente vai ter que realizar uma cirurgia. Por causa disso tive que faltar o trabalho hoje, não sei como os meus patrões vão achar disso, mas também estou pouco me importando, quero mais sair desse lugar e ir para um melhor. (CLARA, 2018)

Indagada com relação à profissão que exerce, a resposta foi a seguinte:

Mulher, trabalho cuidado de uma criança aqui em Ceará-Mirim, eu estou doida para arrumar algo melhor, até gosto muito da criança já até levei para brincar lá em Capela com minha filha, mas o problema é que eles pagam muito ruim: cinquenta reais por semana, aqueles advogados são muito muquiranas, eles afirmam que não tem condição de pagar mais que esse valor. Nem o dinheiro da passagem querem me dar, minha sorte é que meu pai trabalha de mototáxi aqui e venho de Capela para cá com ele todo dia. (CLARA, extraído do diário de campo, 2018).

O relato de Cláudia descreve um sistema perpassado de desigualdades presente na interseção de classe, raça e gênero, dado que ela é uma mulher negra, 26 anos mesmo com o Ensino Médio Completo ocupa profissões e espaços que parecem ser natural às mulheres interseccionadas por relações desiguais de gênero, classe, raça e no universo pesquisado o marcador territorial da ruralidade, que parece é fundamental para entender o mosaico social que estrutura e constrói as trajetórias de vida de mulheres pertencentes à Comunidade de Capela.

Retomando o fator parece recorrente nos relatos da trajetória de vida de mulheres dessa Comunidade, é o primeiro emprego que está ligado a alguma experiência como a profissão de babá, tanto Nísia e Alzira, antes de trabalhar no grupo Riachuelo, trabalharam nessa profissão. No caso de Clara, que ainda trabalha nesse ofício, mesmo em meio a relatos da ausência de direitos trabalhistas. Ela não esboçou interesse em procurar outro trabalho que não fosse de babá, todavia gostaria de trabalhar com contrato que garantisse o salário mínimo.

Outro momento de encontro ocorreu na eleição suplementares para prefeito na cidade de Ceará-Mirim/RN. O evento é propício para encontros e reencontros, nesse sentido, na Escola Municipal Alcides Câmara de Souza teve a oportunidade de conversar com Auta e Maria, costureiras do grupo Riachuelo. Em nosso diálogo, conversamos a respeito de seus trabalhos e das eleições.

Essas costureiras dialogavam a respeito do fim de ano na Guararapes, período de grande demanda para atender as datas festivas de fim de ano e Natal. Nesse contexto elas descrevem que todas/os trabalhadoras/es estão fazendo hora extra. Dessa forma, o início do trabalho dar- se as de 7h30 da manhã e finaliza às 18h30 da noite, chegando na comunidade de Capela por volta das 19h30, pois acrescenta-se a esse, o período de deslocamento entre a fábrica e a comunidade.

Com a saída de Maria, Auta passou a relatar fatores pessoais, principalmente no quanto as eleições poderia mudar a situação de sua família, tendo em vista que seu esposo trabalha como contratado da prefeitura e a saída do atual prefeito poderia significa a demissão do marido, o que representaria o salário de costureira passar a ser a única fonte de renda da família.

Ela diz “mulher, estou querendo comprar uma casa, mas queria aqui em Capela mesmo, se meu marido não estiver trabalho será impossível conseguir qualquer

financiamento”. A necessidade dessa compra representou parte significativa da nossa conversa. Auta, de 31 anos, relatou que a casa que mora atualmente é pequena e não tem espaço para construir um quarto para a filha adolescente, ou seja, a casa não é boa para morar.

Caso não consigam financiar uma casa dentro da própria Comunidade terão que tentar o financiamento da casa própria na cidade de Ceará-Mirim, essa não é alternativa do marido, que prefere morar na Comunidade por ser lugar calmo para se morar, de acordo com a análise da interlocutora e o esposo.

Auta trabalha há dez anos no grupo Riachuelo, lá entrou como auxiliar de costura, e posteriormente, tornou-se costureira, pois desenvolveu as habilidades de costureira dentro da fábrica. De acordo com ela, o salário de costureira é melhor se comparando ao de auxiliar. De 08 irmãs que Auta tem, apenas duas não trabalham no grupo Guararapes, sendo que destas foi uma das primeiras da Comunidade de Capela a ingressar no grupo, sendo demitida recentemente.

O pai desta é funcionário da prefeitura de Natal/RN e a mãe dona de casa. Atualmente, essa cuida dos netos no período de trabalho das filhas, sendo aproximadamente três netos. Como a filha de Auta é adolescente, fica nesse período em casa sozinha sobre a supervisão da tia paterna que cuida dessa desde os primeiros meses de vida.

Mediante os relatos de experiência e trajetórias e de cada interlocutora a respeito da realidade social de cada, bem como as condições objetivas e subjetivas relatadas pelas nossas interlocutoras que justifica escolhas, omissões e posições ocupadas pelas agentes ao longo da trajetória da vida, principalmente no que refere ao campo profissional.

Retomando Bourdieu (2011) trajetória de vida é compreender que essa é composta por série de acontecimentos sucessivos vinculados a um sujeito. São esses acontecimentos que definem as colocações e deslocamentos dentro da estrutura de diferentes capitais dentro do campo, no qual o sujeito encontra-se. Portanto, tornasse impossível compreender uma trajetória sem delimitar os sucessivos campos no qual desenrolam as ações, sendo relações objetivas do agente considerando os demais agentes no mesmo campo e espaços possíveis.

Já a partir da perspectiva fenomenologia de Schutz (2012), pode-se concluir que “o ser humano consciente que vive e age em um “mundo” que ele percebe e “interpreta” e faz sentido para ele.” (SCHUTZ, 2012, p.15-16), essa consciência está ligada ao estoque de experiências que o homem tem acesso ao longo das suas trajetórias.

Nessa perspectiva, inquietações como em que proporção às questões objetivas e subjetivas influencia na agência das nossas trabalhadoras podem ser respondidos a partir da concepção de Schutz (2012) de que cada indivíduo constrói seu mundo, pois a realidade está incorporada às experiências humanas subjetivas. Assim, os indivíduos não vivenciam as mesmas experiências, pois essas são singulares. A partir dessa constatação, afirma-se que as experiências vivenciadas e ressignificadas por Zila e Nísia as conduziram à construção social de suas realidades. Nesse sentido, a construção da realidade é um processo dialético e contínuo.