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Fazendo uma reflexão sobre a pré-sacralização existente no imaginário das pessoas da Igreja Assembléia de Deus, concluímos que o exercício de nominar coisas e lugares conforme seus desejos e anseios não é novo, para isto nos remetemos aos colonizadores espanhóis e portugueses. Cada espaço conquistado da América ganhava imediatamente um nome, no qual representasse não só o direito da conquista, mas também a esperança que se depositava no local (Padovan, 2004, p. 45). Como diz Sérgio Buarque de Holanda: “Portos, cabos, enseadas, vilas, logo se batizam segundo calendário da igreja, e é um primeiro passo para batizar e domar toda terra. São designações comemorativas, como significar que a lembrança e o costume hão de prevalecer aqui sobre a esperança e a surpresa” (1996, p. 146).

A crença de uma realidade física do Édem se faz sentir nas viagens, nos depoimentos, nos registros e nos nomes. O caminho percorrido pelos portugueses ao chegarem no litoral paulista rumo ao interior exemplifica com clareza como o exercício de dar nomes era de fundamental importância para a fundação de cidades. Santos, São Vicente, São Bernardo, Santo André, São Caetano, São Paulo são nomes de cidades que surgiram de um processo de conquistas e sacralizações das terras. Poderíamos dizer que foi feito, nesse caso, um caminho

de canonização da terra, todas as cidades receberam nomes de santos. Por isso, após essa reflexão, arriscaríamos afirmar que da mesma maneira que as pessoas que fundaram a Igreja Assembléia de Deus, utilizaram-se de sua religiosidade como impulsionadora para as conquistas, também trouxeram em seu imaginário a necessidade de nominar o novo, e quando se nomina se batiza, se tem o domínio da terra (Padovan, 2004, p. 46).

Antes da manifestação da pré-sacralização, existe um outro fator que possibilita essa manifestação, a religiosidade. Mas o que definimos por religiosidade? É um termo amplo, portanto, é importante objetivá-lo para a análise a qual pretendemos desenvolver. Acreditamos que a religiosidade está presente no cotidiano das pessoas, independentemente da instituição em que está vinculado. Portanto, a religiosidade é algo que transcende as instituições religiosas, ela se manifesta o tempo todo no dia a dia das pessoas (Ibid, p. 46). E é com o apoio da obra de Immanuel Kant, filósofo alemão, nascido em 1724 na cidade de Konigsberg, na Alemanha, que vamos tentar aprofundar o conceito de religiosidade. A religião dentro dos limites da simples razão será a obra Kantiana que fornecerá subsídios para a análise. É através do conceito de categorias a priori, fundamentado por Kant, que chegaremos a uma religiosidade universal, que sempre se manifesta ao contato com a realidade. Após esse primeiro contato as categorias a priori passam, inclusive, a antecipar a experiência, fato este que podemos reivindicar como a ato da pré-sacralização. Vamos começar definindo razão, categorias a priori, juízo sintético, para em seguida navegarmos no que conceitualizaremos de religiosidade (Kant, 1974, p. 23-24).

Para Kant a razão é uma estrutura, uma forma pura sem conteúdos. Essa estrutura é universal, e inata, é a mesma para todos os seres humanos. Por ser inata não depende da experiência e nem da idéia para existir. A razão é anterior à experiência e à idéia, portanto, a estrutura da razão está a priori. Essa estrutura da razão é formada por categorias a priori como: Deus, Mundo, Juízo (tempo, espaço), Ciência (lógica, matemática, física, geometria,

metafísica), Liberdade. E essas categorias só se manifestam quando em contato com a experiência.

Após esse primeiro contato as categorias a priori passam, inclusive, a antecipar a experiência, como já citado anteriormente. Fica claro que os conhecimentos surgem do contato das experiências com as categorias a priori, e desses conhecimentos teremos o que Kant classifica de juízos analíticos e juízos sintéticos. O primeiro é aquele em que o predicado não é senão a explicação do sujeito. Por exemplo: O quadrado é uma figura de quatro lados. Enquanto o segundo é aquele no qual o predicado acrescenta novos dados sobre o sujeito. Por exemplo: João Ubaldo é escritor. Um juízo, para ter valor científico e filosófico, deve preencher duas condições:

• Ser universal e necessário.

• Ser verdadeiro, isto é, corresponder à realidade que enuncia.

Nesse caso, o juízo analítico preenche essas duas condições, portanto, se torna um juízo a priori (Ibid., p.27). Já o juízo sintético, em um primeiro momento não, justamente porque se baseia em dados de experiências psicológicas e individuais, portanto, não é universal, necessário, nem corresponde à realidade. Ora, dessa análise nasce uma problemática. Um juízo analítico não nos traz conhecimento, pois simplesmente repete no predicado, o conteúdo do sujeito. Somente o juízo sintético é fonte de reconhecimento. Portanto, se quisermos realizar metafísica e ciência, temos que antes provar a possibilidade da existência de um juízo sintético universal, necessário e verdadeiro (Padovan, 2004, p. 47).

A busca dessa prova é fazer do juízo sintético uma categoria a priori, isto é, ele tem que estar antes da experiência, a manifestação do juízo sintético não pode depender da experiência. Mas quando o juízo sintético é a priori? Quando deriva de duas categorias a priori, a sensibilidade (mundo) e o entendimento (ciência). Mas como fica a realização da metafísica? Já que esta não deriva sua existência da sensibilidade (mundo) e do entendimento

(ciência), e é justamente nela que se encontra a questão da religiosidade (Kant, 1974, p. 29). Pra avançarmos, distinguiremos duas modalidades de realidade: a realidade que nos oferece a experiência e a realidade que não nos oferece a experiência. A primeira é a realidade que surge da relação das categorias a priori com a experiência, enquanto a segunda é aquela que não tem relação com a sensibilidade e com o entendimento, mas é afirmada pela razão, é a coisa em si ou o objeto da metafísica, que é dado para um pensamento puro, sem relação com a experiência, e nessa que encontramos a gênese da religiosidade.

A metafísica estuda as condições universais criadas pelos sujeitos transcendentais, como liberdade, moral e ética (Padovan, op.cit., p. 48). A metafísica é o conhecimento do conhecimento humano e da experiência humana, ela não deve se preocupar com o ser enquanto ser, nem com Deus, e alma, nem com o infinito, mas com o sujeito do conhecimento (sujeito transcendental) estabelece suas relações morais, éticas e de liberdade possibilitando sua existência num mundo objetivo. Conforme citado, a liberdade é uma categoria a priori, e é a partir dela que a moral e a ética se tornam objetos de estudos da metafísica (Kant, op.cit., p. 30).

O ser humano não nasce nem bom nem mau, pois é livre a priori, porém, a liberdade ao se manifestar através da experiência não tem limites, e muitas das vezes que essa liberdade busca sua manifestação plena, os contatos com experiências da natureza e da moral colocarão limites. A liberdade a priori do ser humano é autônoma, mas essa autonomia é ultrapassada quando se tem o contato com a experiência. Desses limites nascerá a tendência para o mal, a tendência de burlar os limites naturais e a moral estabelecida. Por exemplo: Uma criança ao ser colocada para o mundo não tem limites e os limites necessariamente serão colocados pela moral social. A tentativa dessa criança de desobedecer essa moral ou em qualquer outro momento da vida em que ela tentar romper com amoral estabelecida, será para Kant a manifestação do mal radical (Ibid, p. 48) .

O mal radical é empírico, está em todas as pessoas e nas suas relações sociais, portanto, o mal radical é universal. A moral vive em uma tensão permanente com a tendência do mal. Dessa tensão surge um desafio para a moral: criar máximas (princípios, leis) para possibilitar a convivência entre os seres humanos. É o indivíduo abdicar de sua liberdade plena (autônoma) em prol de uma liberdade vigiada. Em um dos pilares da construção dessa moral é a religiosidade (Padovan, 2004, p. 49).

Transportando esse conceito de religiosidade para o nosso objeto de pesquisa, analisamos que com o crescimento da região de São Mateus, mesmo com a chegada das instituições religiosas, neste caso, Assembléia de Deus que vão abarcando as pessoas debaixo de sua doutrina, os indivíduos quando chegam à igreja, geralmente já trazem consigo uma esperança de vida nova. Verificamos então, a presença do sujeito transcendental nos entrevistados que nos deixam transparecer a necessidade de se estabelecer de maneira objetiva nesse mundo, mas isso só foi e é possível devido à fé, a religiosidade que sempre esteve presente, mesmo quando, em determinados momentos de transição, de mudanças se viram órfãos de instituições religiosas. Todas as pessoas atribuem a Deus o fato de chegar a esta igreja, pois, expressões como graças a Deus, nunca aparecem vinculadas a nenhuma instituição religiosa a que dizem pertencer, antes de chegarem a Assembléia de Deus.

CAPÍTULO II