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A elaboração da representação social é claramente assinalada pela linguagem, pois ao categorizar e nomear o mundo se organiza, os objetos se materializam. Os grupos sociais constroem noções de saúde e doença, formam categorias de sintomas e nomeiam-na, baseados em princípios próprios de suas compreensões que orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Formam um corpo de conhecimento composto por significados provenientes da realidade social dos sujeitos e que se expressam em códigos ou conceitos que aglutinam o entendimento social sobre aquela situação, contendo atribuição de

causas, noções de práticas terapêuticas e sinais de identificação próprios da sua cultura (Oliveira e Roazzi, 2007).

A história das representações sociais da doença foi sempre pautada pela inter-relação entre os corpos dos seres humanos, as coisas e os demais indivíduos que os cercam (Sevalho, 1993). Elementos naturais e sobrenaturais habitam estas representações desde os mais remotos tempos, provocando os sentidos e impregnando a cultura, os valores e as crenças dos povos.

Sontag (2007, p.53) descreve que, qualquer doença importante cuja origem seja tenebrosa, e cujo tratamento seja ineficaz, tende a ser saturada de significação; primeiro os objetos de pavor profundo (decomposição, decadência, contaminação, fraqueza), identificam-se com a doença. A doença em si torna-se uma metáfora. Em seguida, em nome da doença (ou seja, usando-a como metáfora), esse horror é imposto às outras coisas. A doença torna-se adjetiva. Diz-se algo que parece a doença, indicando que é feio ou repugnante.

De acordo com Herlich e Pierret (1984), as representações que rodeiam as doenças não são fixas, são configurações que se constituem e modificam segundo os momentos históricos e sociais e, junto com elas, modificam também o tipo de doente. Assim, as representações sobre a doença são produzidas e reelaboradas constantemente. Os significados a respeito da doença são construídos na convivência rotineira, nos ambientes das instituições de saúde e as representações são determinadas pelas condições sociais de inserção dos sujeitos (Borges, 1995).

Conforme assinalam Alves e Rabelo (1999, p.171), a experiência da enfermidade é entendida como a: “Forma pela qual os indivíduos situam-se perante ou assumem a situação de doença, conferindo-lhe significados e desenvolvendo modos rotineiros de lidar com a situação.”

E acrescentam que: “As respostas aos problemas criados pela doença constituem-se socialmente e remetem diretamente a um mundo compartilhado de práticas, crenças e valores.”

Em seu percurso histórico, a tuberculose influenciou pensamentos emblemáticos sobre aqueles a quem vitimou. Produziu um sem-números de metáforas, sacras e profanas, e dessa maneira, essas concepções, estabeleceram o eixo da representação idealizada da tuberculose.

De acordo com Sontag (2007, p.19) metaforizações ou silêncio em torno da tuberculose justificam-se não só pelo pavor da morte por ela projetada, mas, muito especialmente, por se tratar de algo tido como obsceno, isto é, "de mau presságio, abominável, repugnante aos sentidos”. A tuberculose é desintegração, enfebrecimento, desmaterialização; é uma enfermidade de líquidos - o corpo se transforma em fleuma, muco e escarro e por fim em sangue, a pessoa é “consumida”, exaurida.

Segundo contribuição de Porto (2007), desde os tempos mais antigos que os indivíduos com tuberculose encaravam a rejeição e a discriminação social. A morte física prometida pela doença tinha como etapa anterior o afastamento do seu meio social, que nas confidências pessoais era declarado como muito mais sombrios e doloridos que os padecimentos físicos produzidos pela infecção. O estigma e o preconceito associado à tuberculose levavam os portadores, a ocultarem da sociedade a sua doença, com medo de serem marginalizados e segregados socialmente. Ainda segundo a autora, os tuberculosos experimentavam não apenas a sensação de apartamento da vida social, mas, talvez muito mais tragicamente, a de cisão entre seus corpos e seus espíritos.

Ser tuberculoso era uma pecha. Quando aparecia um caso de tuberculose na família era escondido, então, „Fulano tem uma mancha no pulmão, uma coisa qualquer... Ninguém falava em tuberculose, não se mencionava. Quando um indivíduo era noivo e descobria que a noiva ficara tuberculosa, ele desmanchava o casamento (Porto e Nascimento, 2005, p.131).

E assim, ancorada em pressupostos culturais, a tuberculose é uma doença repleta de significados, que ao longo da história constituiu no imaginário social representações variadas, tais como: a hereditariedade, o romantismo, a paixão, o mal social e a responsabilidade exclusiva do indivíduo. Sontag (2007, p.39) reforça que, a especulação, fazia da doença desde um instrumento da ira divina a julgamentos morais e psicológicos, a respeito do doente. O julgamento a respeito das doenças no mundo antigo era imposto ou a uma comunidade ou a um indivíduo específico.

De acordo Takahashi e Shima (2004, p. 132):

O imaginário coletivo sobre a tuberculose e o tuberculoso é recheado de imagens que foram sucessivamente construídas, em cada momento histórico da humanidade e modificadas por influência das transformações sociais ocorridas.

Conforme a contribuição de Antunes e colaboradores (2000), a tuberculose, se analisada quanto ao seu comportamento na comunidade, é hoje, uma doença diferente daquela conhecida há mais de cinquenta anos. Seu diagnóstico ganhou recursos tecnológicos; seu tratamento passou a implicar prescrições diferentes; modificou o perfil da população afetada. O risco de contágio também se alterou, a possibilidade de cura tornou-se efetiva, mas, por outro lado às metáforas associadas à doença também se renovaram, bem como as formas sociais de representação da doença.

Entendendo que existe uma relação direta entre as representações sociais e as práticas nos serviços, consideramos que o conhecimento das representações sociais a cerca da doença, contribui para uma assistência diferente, uma maneira de atuar em que sejam respeitadas as crenças e os valores do sujeito portador. E que este seja visto com um sujeito social que tem sua visão de mundo.

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