• Nenhum resultado encontrado

Reserva legal

No documento Marcelo Buzaglo Dantas.pdf (páginas 64-70)

CAPÍTULO I – O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

3.2 Reserva legal

Desde o seu surgimento no ordenamento jurídico brasileiro, a reserva legal foi objeto de sucessivas alterações em seu regime jurídico e em sua conformação, até chegar ao formato que o instituto possui hoje, regulado que é pelo novo Código Florestal – Lei n. 12.651/12, que assim o conceitua:

Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa (art. 3o, III). De modo bastante semelhante ao que estabelecia o código anterior, o novo estatuto previu, no referido art. 12, caput, que os imóveis rurais devem manter uma cobertura de vegetação nativa sem prejuízo da aplicação das normas sobre APPs, nos seguintes percentuais mínimos: na Amazônia Legal (inciso I), 80% em imóveis situados nas florestas (alínea “a”), 35% naqueles situados em áreas de cerrado (“b)” e 20% nos imóveis situados em campos gerais (“c”) e, nas demais regiões do país (inciso II), 20%.

Em relação aos imóveis situados na Amazônia, o § 2o desse artigo

estabelece que o percentual deverá ser definido considerando separadamente cada um dos índices.

O § 4o prevê a possibilidade de o Poder Público reduzir a reserva legal

dos imóveis situados na Amazônia legal para até 50% da área ocupada por unidades de conservação e terras indígenas homologadas.

O mesmo se diga em relação aos Estados-membros que possuam zoneamento ecológico-econômico aprovado e mais de 65% do seu território ocupado por unidades de conservação e terras indígenas homologadas (§ 5o).

Além disso, segundo o art. 13, o Poder Público Federal poderá, quando assim indicado pelo ZEE estadual: a) reduzir em até 50% os percentuais da reserva legal, apenas para fins de regularização, mediante recomposição, regeneração ou compensação da mesma, de imóveis situados em área rural consolidada, em florestas na Amazônia Legal, excluídas as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade e recursos hídricos (I), admitindo-se, neste caso, aos proprietários que tiverem área conservada em montante superior, a instituir servidão ambiental sobre o excedente (§ 1o); b) ampliar as áreas de reserva legal em até 50%, com vistas a cumprir metas nacionais de proteção à biodiversidade ou redução da emissão de gases do efeito estufa (II). Os Estados que não tiverem ZEEs deverão elaborá-lo e aprová-lo em até cinco anos da data da publicação da lei.

Preocupado com a possível tentativa de alguns proprietários rurais de tentar evitar a incidência da norma, o novo Código Florestal estabeleceu que, em caso de fracionamento do imóvel rural, seja qual for o título (inclusive assentamentos para fins de reforma agrária), a reserva legal deve ser computada de acordo com a área do imóvel antes do fracionamento (§ 1o do art. 12).

Não estão sujeitos à constituição da reserva legal: a) os empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto (art. 12, § 6o); b) as áreas

adquiridas ou desapropriadas para exploração de potencial de energia hidráulica, onde funcionem empreendimentos de energia elétrica, subestações ou em que sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica (art. 12, § 7o); c) as áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantar ou ampliar a capacidade de rodovias e ferrovias (art. 12, § 8o).

No art. 14, o novo Código, a exemplo do anterior (art. 16, § 4o), fornece parâmetros para a localização da reserva legal no imóvel rural, quais sejam: a) o plano da bacia hidrográfica (inciso I); b) o ZEE (II); c) a formação de corredores ecológicos com outra reserva legal, APP, unidade de conservação ou outro espaço territorial ambientalmente protegido (III); d) áreas de maior fragilidade ambiental (IV).

Após a inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, a que se referem os arts. 29 e 30 da lei, o órgão estadual ambiental ou outro por ele habilitado deverá aprovar a localização da reserva legal (§ 1o). Uma vez protocolada a documentação exigida, não poderá o proprietário ou possuidor sofrer qualquer sanção administrativa (§ 2o, na redação dada pela MP n. 571/12).

No novo regime, a exemplo do que já ocorria no anterior, é admitido, em casos excepcionais, o cômputo das APPs no cálculo do percentual da reserva legal (art. 15, caput), sendo que, exatamente como já ocorria anteriormente (Lei n. 4.771/65, art. 16, § 7o), o regime das APPs não se altera na hipótese (§ 1o do art. 15). A diferença é que agora esta circunstância não decorre do percentual a que se chega pela existência das duas espécies de espaços protegidos, como ocorria no Código anterior (art. 16, § 8o, da Lei n. 4.771/65), sujeitando-se, apenas, às seguintes condições (art. 15): a) o benefício não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo (inciso I); b) a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, devidamente comprovado pelo proprietário junto ao órgão ambiental estadual competente (inciso II); c) tenha havido requerimento de inclusão do imóvel no CAR (inciso III).

Além disso, o cômputo aplica-se a todas as modalidades de cumprimento da reserva legal (regeneração, recomposição e compensação), nos termos do que dispõe o art. 15, § 3o, com a redação dada pela MP n. 571/12. Caso o percentual da

reserva legal conservada e inscrita no CAR ultrapasse o mínimo exigível, o excedente pode ser utilizado para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental (a que alude o art. 44 do Código) e outros instrumentos análogos (§ 2o).

Já o art. 16, reproduzindo a norma do antigo art. 16, § 11, da Lei n. 4.771/65, prevê a possibilidade de instituição da reserva legal em regime de condomínio ou coletivamente entre propriedades rurais, sempre respeitados os percentuais a que alude o art. 12 em relação a cada imóvel, exigindo-se a aprovação do órgão competente do SISNAMA, permitido, ainda, o agrupamento em regime de condomínio entre os adquirentes (parágrafo único).

De maneira mais clara do que o que constava do regime anterior, o novo Código estabelece que a reserva legal deve ser conservada com cobertura vegetal nativa (art. 17, caput). Contudo, a exemplo do que se dava antes (art. 16, § 2o), é permitida a exploração econômica mediante manejo sustentável, devidamente aprovado pelo órgão ambiental competente (§ 1o), este que deverá estabelecer procedimentos simplificados de elaboração, análise e aprovação de tais planos de manejo (§ 2o). Em tais casos, deverão ser adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentável para exploração florestal com propósito comercial

(art. 20), sendo que este último depende de autorização do órgão competente, ante a observância das diretrizes constantes do art. 22, e aquele não, embora seja necessário declarar previamente ao referido órgão a motivação da exploração e o volume a ser explorado, que não pode ser superior a 20 m³ anuais (art. 23).

Essas regras são também aplicáveis ao manejo florestal realizado fora das áreas de reserva legal (art. 24).

Ainda, é livre a coleta de produtos florestais não madeireiros, como frutos, cipós, folhas e sementes (20), observando-se os períodos de coleta e volumes fixados em regulamentos específicos (inciso I) a época de maturação dos frutos e sementes (II), e as técnicas que não coloquem em risco a sobrevivência de indivíduos e da própria espécie coletada (III).

O § 3o do art. 17 torna obrigatória a imediata suspensão das atividades realizadas em áreas de reserva legal desmatada irregularmente após 22/7/08, e o § 4o, por sua vez, determina o início do processo de recomposição da reserva legal em até dois anos a partir da publicação da lei, concluindo-se nos prazos impostos pelo Programa de Regularização Ambiental de que trata o art. 59.

Ao contrário do que ocorria no regime anterior, não mais subsiste a exigência de averbação da reserva legal junto à matrícula do imóvel (art. 16, § 8o, da

Lei n. 4.771/65). Aliás, ela passou a ser expressamente dispensada pelo art. 18 (§ 4o)56. Agora, o registro da reserva legal se dará no órgão ambiental competente,

mediante inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR de que trata o art. 29 da lei, permanecendo válidas as vedações de alteração da destinação nas hipóteses de transmissão ou desmembramento, excetuadas as hipóteses expressamente previstas, tudo conforme dita o art. 18, caput, do novo Código Florestal.

A inscrição no CAR será feita através da apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas (§ 1o).

Para imóveis em que o título seja de posse, o art. 18, § 2o, manteve a imposição de que seja celebrado termo de compromisso com eficácia de título executivo extrajudicial (antes, § 9o do art. 16 falava em TAC) com o órgão ambiental

56 Deste modo, perdem relevância, no atual sistema, as decisões judiciais que impunham se

realizasse a averbação da reserva legal como condicionante a qualquer outro registro, nas hipóteses de transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel rural. Neste sentido: REsp n. 831.212, Rel. Min. Nancy Andrighi, in DJe de 22/9/09. REsp. n. 1.221.867/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/5/12; acórdão pendente de publicação.

competente, o qual deve conter, no mínimo, a indicação da localização da reserva legal e as obrigações assumidas pelo possuidor de acordo com o previsto na lei.

A exemplo do que fez em relação às APPs, o novo Código previu uma seção para tratar das chamadas “áreas consolidadas em áreas de reserva legal”. Consoante já referido, as áreas rurais consolidadas são conceituadas pelo art. 3o, IV, da Lei n. 12.651 como aquelas em que os imóveis rurais sofreram ocupações antrópicas anteriores a 22/7/08, por meio de edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris. Segundo dita o art. 66, o proprietário ou possuidor de um imóvel rural que na referida data detivesse área de reserva legal inferior ao que estabelece o art. 12 poderá regularizar sua situação, independentemente de aderir ao Programa de Regularização Ambiental, por meio das seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente adotadas: a) recomposição (inciso I); b) permitir a regeneração natural (II); c) compensação (IV).

No que se refere à recomposição, esta deverá atender os critérios estabelecidos pelo órgão ambiental competente e ser concluída em até 20 anos, abrangendo no mínimo 1/10 a cada dois anos da área total necessária à complementação (§ 2o), podendo ser realizada mediante o plantio intercalado de

espécies nativas e exóticas, de acordo com os parâmetros estabelecidos no § 3o, I e

II. A recomposição dá direito à exploração econômica da reserva legal, nos termos da lei (§ 4o).

A compensação, por sua vez, deverá ser precedida de inscrição no CAR e poderá ser feita mediante: a) aquisição de CRA (inciso I); b) arrendamento de área sob regime de servidão ambiental ou reserva legal (II); c) doação ao poder público de área situada no interior de unidade de conservação de domínio público (III); d) cadastramento de outra área equivalente e excedente à reserva legal, com vegetação nativa em regeneração ou recomposição, desde que situada no mesmo bioma.

As áreas a serem utilizadas para compensação, diz o § 6o, devem ser equivalentes em extensão à área da reserva legal a ser compensada (inciso I), estar localizadas no mesmo bioma (II) e, se fora do Estado, estar localizadas em áreas consideradas prioritárias pela União ou pelos Estados (III), cuja definição deverá buscar favorecer, entre outras, a recuperação de bacias hidrográficas excessivamente desmatadas, a criação de corredores ecológicos, a conservação de

grandes áreas protegidas e a conservação ou recuperação de ecossistemas ou espécies ameaçados (§ 7o).

São nítidas as diferenças em relação ao regime anterior, em que a hipótese análoga era admitida mediante a compensação por área que fosse equivalente, além da extensão, em importância ecológica, pertencente ao mesmo ecossistema e localizada na mesma microbacia (art. 44, III, da Lei n. 4.771/65). Dispensou-se, portanto, a similitude de importância ecológica, a identidade de ecossistema e a proximidade.

Quando se tratar de imóveis públicos, a compensação poderá ser feita mediante concessão de direito real de uso ou pela doação ao órgão público responsável por unidade de conservação a ser criada ou pendente de regularização fundiária, de imóvel localizado no interior desta (§ 8o). As medidas de compensação não implicam a possibilidade de viabilizar a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo, consoante dita o § 9o do art. 66.

Por fim, adotando expressamente o entendimento consagrado na jurisprudência, o novo Código estabelece que as obrigações relativas à reserva legal (recomposição, regeneração natural ou compensação) transmitem-se com a transferência da posse e da propriedade (art. 66, § 1o).

O art. 67 estabelece que, nos imóveis rurais com área de até 4 módulos fiscais em 22/7/08 e que possuam remanescente de vegetação em percentuais inferiores àqueles exigidos pelo art. 12, a reserva legal será constituída com a área ocupada pela vegetação nativa existente naquela data, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.

Já o art. 68 prevê que os proprietários ou possuidores de imóveis rurais em que houve supressão de vegetação nativa em conformidade com a legislação vigente à época em que isto ocorreu ficam dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais hoje vigentes (caput), podendo provar essas situações consolidadas por quaisquer meios (§ 1o). Já aqueles que possuem índice de reserva legal maior do que 50% de cobertura florestal e que não realizaram a supressão da vegetação nos percentuais previstos pela legislação em vigor à época podem utilizar a área excedente para fins de constituição de servidão ambiental, CRA e outros instrumentos análogos (§ 2o).

No documento Marcelo Buzaglo Dantas.pdf (páginas 64-70)