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Unidades de conservação da natureza

No documento Marcelo Buzaglo Dantas.pdf (páginas 78-89)

CAPÍTULO I – O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

3.4 Unidades de conservação da natureza

Outra espécie do gênero espaços ambientalmente protegidos a que alude a Carta Constitucional (art. 225, § 1º, III) é a chamada unidade de conservação da natureza, que, nos termos do art. 2o, I, da Lei n. 9.985/00, é o

espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

A referida lei instituiu o que denominou de Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, integrado pelo conjunto de UCs municipais, estaduais e federais (art. 3º). Os objetivos do SNUC encontram-se nos incisos que integram o art. 4º da Lei n. 9.985/00, ao passo que as diretrizes norteadoras do sistema encontram-se apontadas no art. 5º, I a XIII.

A gestão das UCs será feita pelos seguintes órgãos (art. 6º): a) CONAMA, órgão consultivo e deliberativo que deve acompanhar a implementação do sistema (I); b) Ministério do Meio Ambiente, órgão central que tem a missão de coordenar o sistema (II); c) IBAMA60 e órgãos estaduais e municipais integrantes do SISNAMA, que têm a finalidade de implementar o SNUC e subsidiar as propostas de criação e administração das UCs (III). É importante ressaltar que, excepcionalmente,

60 A partir da edição da Lei n. 11.516/07, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade – ICMBio, este passou a ser o órgão público competente para a gestão das UCs federais, consoante o disposto no art. 1o, I a V, da referida lei. O IBAMA passou a ter competência meramente supletiva, consoante o parágrafo único do mesmo art. 1o. Em julgamento recente, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da lei de criação da autarquia, tendo, contudo, modulados seus efeitos, com vistas a evitar o surgimento de discussões acerca dos atos praticados pela entidade desde sua criação (ADI n. 4.029/DF, Rel. Min. Luiz Fux, in DJe de 27/6/12).

unidades de conservação federais, estaduais e municipais podem integrar o SNUC quando seus objetivos não se enquadrem em qualquer das categorias instituídas pela lei (parágrafo único).

As unidades de conservação se dividem em dois grupos, a saber: a) unidadesde proteção integral, cujo objetivo básico é a preservação da natureza, admitindo-se somente o uso indireto dos recursos naturais, excepcionados os casos previstos na lei (art. 7º, I, § 1º); b) unidades de uso sustentável, cujo objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos (art. 7º, II, § 2º)61.

As UCs de proteção integral são compostas pelas seguintes categorias (art. 8º): a) Estação Ecológica (I c/c art. 9º); b) Reserva Biológica (II c/c art. 10); c) Parque Nacional (III c/c art. 11); d) Monumento Natural (IV c/c art. 12); e) Refúgio de Vida Silvestre (V c/c art. 13).

Já as UCs de uso sustentável são compostas das seguintes categorias (art. 14): a) Área de Proteção Ambiental (I c/c art. 15); b) Área de Relevante Interesse Ecológico (II c/c art. 16); d) Floresta Nacional (III c/c art. 17); e) Reserva Extrativista (IV c/c art. 18); Reserva da Fauna (V c/c art. 19); f) Reserva de Desenvolvimento Sustentável (VI c/c art. 20); g) Reserva Particular do Patrimônio Natural (VII c/c art. 21).

As unidades de uso sustentável podem ser transformadas em unidades de proteção integral, total ou parcialmente, por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico daquele que criou a unidade, observada a necessidade de consulta pública (§ 5º). O mesmo se diga da ampliação dos limites de uma unidade de conservação (§ 6º). Contudo, a desafetação ou redução desses limites somente pode ser feita através de lei (§ 7º)62.

As unidades de conservação devem ser criadas por ato do Poder Público (Lei n. 9.985/00, art. 22), sempre precedidas de estudos técnicos e consulta pública (§ 2º), na qual o órgão proponente é obrigado a prestar informações adequadas e

61

Para os efeitos da lei, conservação da natureza consiste no “manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral” (art. 2º, II).

62 Defendendo, com base no princípio constitucional da isonomia, que também a criação da UC

deveria se dar através de lei, v. ANTUNES, Paulo de Bessa. Áreas protegidas e propriedade constitucional, p. 71.

inteligíveis à população local e a outras partes interessadas (§ 3º), sendo dispensável em se tratando de Estação Ecológica e Reserva Biológica (§ 4º).

As normas em questão visam a atender as diretrizes do próprio SNUC, estabelecidas no art. 5º da lei, dentre os quais se destacam o de garantir a participação das populações locais na criação, implantação e gestão das UCs (inciso III), bem como fixam que a criação e a gestão das unidades se deem de maneira integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, levando em conta as condições e necessidades sociais e econômicas da localidade (VIII) e, ainda, que sejam consideradas as “condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais” (IX).

Ao tratar especificamente da consulta pública, o Decreto n. 4.340/02 estabeleceu que ela “tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade” (art. 5º, caput).

Além disso, estabelece o art. 22, § 3º, da Lei n. 9.985/00, que, “no processo de consulta de que trata o § 2o, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas”. Nos mesmos termos é o disposto no art. 5º, § 2º, do Decreto n. 4.340/02.

Deste modo, não se trata de mero ato formal destinado a cumprir uma etapa do processo de criação da UC, mas sim de algo por demais relevante sob o ponto de vista da tentativa de harmonização entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e outros direitos fundamentais de que são titulares os moradores e demais proprietários da região onde se pretende instalar a UC – tema sobre o qual iremos tratar, com mais detalhes, no último capítulo deste trabalho.

Trata-se, isto sim, de fazer da consulta pública um instrumento destinado ao aprimoramento do processo de criação da UC, devendo o órgão responsável estar de espírito aberto às críticas e sugestões, que podem levar à modificação da proposta e, até mesmo, à desistência, caso se constate que os benefícios projetados não superam as dificuldades. Neste sentido, razão assiste a Maurício Mercadante quando afirma:

A criação de uma Unidade de Conservação deve ser precedida de amplo processo de consulta e negociação. Não se trata

simplesmente de conduzir uma audiência pública para ouvir o que a comunidade tem a dizer sobre uma proposta acabada (o que já seria um avanço significativo). Trata-se de discutir com a comunidade local a melhor estratégia para assegurar, de um lado, a conservação e, de outro, a melhora efetiva das condições de vida (sem ignorar que as duas coisas estão intimamente relacionadas)63.

De fato, o que pretendeu a legislação foi permitir a participação popular no processo, de modo a que seja possível a correção de possíveis equívocos existentes e a contribuição para que a criação da unidade ocorra da maneira mais legítima possível64.

Logo, a importância da realização das consultas é inegável65. Tanto é assim que contundente julgado do TRF da 1ª Região determinou fosse sustado o procedimento de criação de uma UC justamente por não ter a participação popular sido efetiva66. Aliás, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal, “o processo de criação e ampliação das unidades de conservação deve ser precedido da regulamentação da lei, de estudos técnicos e de consulta pública”67. Na ocasião,

assim se pronunciou o Min. Carlos Britto:

É verdade que a Constituição de 1988 não trata de consulta pública, por si mesma, em matéria de meio ambiente. No entanto, é claro que a lei pode instituir esse procedimento eminentemente democrático, abrir espaços de participação popular para decisões administrativas, e homenagear, em última análise, a própria democracia, significando, exatamente, prestígio das bases e, não das cúpulas. A democracia é cada vez mais compreendida como movimento que o poder político assume, não de cima para baixo, mas de baixo para cima. Metaforicamente falando, quer dizer “tirando o povo da plateia e o colocando no palco das decisões que lhe digam respeito”.

Não há como não se concordar com este ponto de vista: a nosso sentir, a criação de uma UC não deve jamais ser imposta “de cima para baixo”, sem que os

63Democratizando a criação e a gestão de unidades de conservação da natureza, p. 560. 64

“O princípio da participação (juntamente com o direito a ele correlato) significa a garantia dada aos cidadãos (individualmente ou em grupo, ou através de associações) de poderem participar ativamente, e não apenas de modo consultivo, das tomadas de decisões (procedimentos decisórios) relativas ao meio ambiente” (FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Direito Ambiental brasileiro: princípio da participação, p. 27).

65

Contra: “Ao procurar se democrática, a lei também extrapolou ao determinar um procedimento de consulta para criação de Unidades de Conservação, que de certa forma acaba por subordinar valores planetários a mesquinhos interesses paroquiais” (RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Sistema nacional de unidades de conservação, p. 194).

66 Agravo de Instrumento n. 2006.01.00.015900-0/BA, Rel. Juiz Federal Leão Aparecido Alves, in DJU

de 29/1/07.

interessados, que serão diretamente atingidos e que são os maiores conhecedores da realidade local, possam se manifestar e expor aquilo que pensem sobre a conservação da natureza da região.

De outro lado, a Lei do SNUC estabeleceu ainda a imposição de uma medida compensatória ao empreendedor responsável por atividade potencialmente causadora de significativo impacto ambiental, a qual se consubstancia na obrigatoriedade daquele de apoiar a implantação e a manutenção de uma UC de proteção integral. Esta compensação deveria corresponder ao valor equivalente a no mínimo 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento (art. 36, caput e § 1º).

Todavia, ao apreciar ação direta de inconstitucionalidade intentada pela Confederação Nacional da Indústria contra o aludido dispositivo, o STF, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade das expressões “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos na implantação de empreendimentos” e “o percentual”, constantes do § 1º em questão. A ementa do acórdão foi assim redigida:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36.

1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados.

2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA.

3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário- pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica.

ADI n. 3378/DF, Rel. Min. Carlos Britto.

4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos

benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez.

5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento.

6. Ação parcialmente procedente68.

A discussão travada na Corte por ocasião do julgamento em tela foi muitíssimo interessante. O voto original do Relator, Min. Carlos Britto, era pela total improcedência da ação, por entender que os argumentos expendidos na inicial (ofensa aos princípios da legalidade, da separação de poderes, e da razoabilidade e da proporcionalidade) não mereciam ser acolhidos. Houve pedido de vista do Min. Marco Aurélio, que, ao proferir seu voto pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, trouxe à baila relevantes argumentos, que acabaram por influenciar o resultado final.

Arguiu Sua Excelência a falta de nexo de causalidade entre o desembolso da quantia imposta ao empreendedor a título de compensação ambiental e os danos causados, eis que aquele (o desembolso) antecede a própria expedição da licença. Além disso, criticou o parâmetro fixado pela norma (custo total do empreendimento), já que o correto, no seu entender, seria o possível dano ambiental verificado; entender o contrário significaria estabelecer uma comissão sobre o custo do empreendimento, de modo que, quanto maior este, maior será a compensação. Chamou a atenção, ainda, para o fato de que, a se chancelar a regra atacada, se estaria dando uma “verdadeira carta em branco” para o órgão ambiental, que poderia exigir qualquer valor, desde que respeitasse o mínimo de 0,5%. Afirmou ainda haver delegação imprópria do Legislativo ao Executivo, já que o que há é uma submissão, não à lei, como deveria ser, mas à Administração Pública.

O Min. Ricardo Lewandowski aderiu a uma das ponderações do Min. Marco Aurélio, qual seja, a que se refere ao critério sobre o qual deve ser calculado o valor da compensação. Como bem salientou, o custo do empreendimento “pode incluir também os custos destinados ao controle da poluição”. Daí ter sido o primeiro a propor a redução do texto.

68 ADIN n. 3.378-6/DF, Rel. Min. Carlos Britto, in DJU de 20/6/08 e Revista de Direito Ambiental, vol.

Já o Min. Menezes Direito deixou claro que, no seu entender, a verba não seria indenizatória, mas sim compensatória do impacto ambiental eventualmente causado pelo empreendimento. Assim, o valor deveria ser fixado à luz do impacto, podendo até mesmo não ser devido, se impacto não houver. Aliás, acrescentou o Min. Ricardo Lewandowski, fixado o quantum, o empreendedor pode mesmo contestá-lo, já que o § 2o prevê a ouvida do mesmo após a fixação do valor.

Também o Min. Celso de Mello revelou estar de acordo com este ponto de vista quando afirma que o valor em questão deve guardar compatibilidade e proporcionalidade com o “o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento, desde que o estudo específico entenda que, daquele empreendimento, possa resultar impacto ambiental”. Em outras palavras: para o Ministro, o valor deve ter por base o grau de impacto e corresponder a este; se não houver impacto, não há compensação devida.

Após a adesão à proposta pela procedência parcial da ação com redução de texto pelos Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau, sobreveio o voto do Min. Joaquim Barbosa, que propunha fosse dada interpretação conforme para, mantendo-se a norma em vigor, ficasse claro que o órgão ambiental não poderia fixar percentual superior a 0,5%. Este percentual, que a lei estabeleceu como mínimo, seria também o máximo, impedindo-se, assim, que o administrador estabelecesse um patamar, quando o legislador não o fez. Para o Ministro, ao se suprimir a menção a 0,5% do texto legal, estar-se-ia retirando o parâmetro fixado pelo legislador. O Min. Lewandowski interveio dizendo que, neste caso, acabar-se-ia com a proporcionalidade, já que o valor seria sempre o mesmo, independentemente do impacto.

O Min. Menezes Direito voltou a se manifestar para, sintetizando o pensamento da maioria, deixar claro o seguinte:

O que se está fazendo? O que nós estamos fazendo, é o que me parece, pelo menos, é estabelecer que é possível fixar um valor de acordo com o relatório de impacto ambiental, como já está previsto na lei, como disse o Min. Carlos Britto, há perícia: vimos em outros casos que há critérios estabelecidos, e assim sucessivamente, e, ao mesmo tempo, assegurando, como disse o Min. Celso de Mello, o pleno direito de defesa e do contraditório.

Ao final, portanto, como dito acima, o Plenário da Corte, por maioria de votos, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADIN para suprimir as expressões que vinculavam o quantum da compensação ambiental a um percentual mínimo incidente sobre o custo total do empreendimento.

A partir de agora, portanto, a compensação – que foi considerada constitucional pelo Supremo – deverá ter o valor fixado pelo órgão licenciador, com base no impacto ambiental gerado pelo empreendimento, observados o contraditório e a ampla defesa. Esta também é a conclusão de Sidney Guerra e Sérgio Guerra:

A decisão também seguiu a linha sustentada pelo Ministro Marco Aurélio de que o Administrador Público não pode ter um “passaporte para o absoluto”, uma discricionariedade insindicável e incontrolável. Assim, o quantum da compensação passou a vincular-se ao grau de impacto do empreendimento (e não mais aos custos) apurado de acordo com o Estudo de Impacto Ambiental e seu relatório (RIMA), com possibilidade de amplo debate, permitindo transparência e previsibilidade técnica.

(...).

Por fim, a decisão do STF reafirma a indispensável observância do devido processo legal (direito ao contraditório e a ampla defesa) no processo de apuração dos valores a serem fixados proporcionalmente ao impacto ambiental. Considerando a dificuldade de valoração do dano ambiental, somada à inexistência de critérios objetivos para a fixação do montante a ser destinado pelo empreendedor para efeitos de compensação ambiental – e utilização eficiente dos recursos financeiros – é bom ter em conta que o percentual a ser estipulado pelo licenciador, assim como o destino dos recursos, sempre serão passíveis de questionamentos na esfera administrativa ou, até mesmo, judicial, agora com maior chance de êxito69.

Comentando o assunto, Erika Bechara sustenta:

Sempre defendemos que, se a finalidade da compensação ambiental era reparar os danos ambientais futuros inevitáveis de empreendimentos impactantes, o critério eleito pela lei do SNUC para chegar ao quantum da reparação não condizia com esta finalidade. Afinal, o valor da indenização prévia pelos danos irreparáveis deveria refletir, dentro do possível, as perdas ambientais, não o custo do empreendimento.

Com a declaração da inconstitucionalidade parcial do § 1o do art. 36

da Lei 9.985/2000 (ADIN 3378), para eliminar do seu texto os trechos que definiam o quantum compensatório pela incidência de um percentual sobre os custos do empreendimento, o STF trouxe a

necessária correspondência entre os propósitos da compensação ambiental e o seu valor monetário70.

Ressalte-se que, além do caput e do § 1º (com as modificações operadas pelo julgamento da ADIN), continuam em pleno vigor as normas constantes dos § 2º e 3o do art. 36 da Lei do SNUC. Assim, compete ao órgão ambiental licenciador, com base nas propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, definir a(s) unidade(s) de conservação a ser(em) beneficiada(s), podendo, inclusive, contemplar-se a criação de novas UCs (§ 2º). O § 3º, que trata da chamada autorização para o licenciamento ambiental, por sua complexidade, será examinado com mais vagar logo adiante.

À vista da decisão do Supremo, é de se ressaltar que os arts. 31, 31-A e 31-B do Decreto n. 4.340/02 receberam nova redação ditada pelo Decreto n. 6.848/09, estabelecendo uma fórmula destinada ao cálculo do valor da compensação ambiental.

Além disso, o regulamento prevê a criação de câmaras de compensação ambiental na esfera dos órgãos licenciadores, compostas por representantes dos mesmos, as quais deverão analisar e propor a aplicação da compensação ambiental, para a aprovação da autoridade competente, de acordo com os estudos ambientais realizados e percentuais definidos (art. 32).

E mais. Estabeleceu-se uma ordem de prioridade na destinação dos recursos oriundos da compensação ambiental (art. 33), qual seja: a) regularização fundiária e demarcação das terras (I); b) elaboração, revisão ou implantação do plano de manejo (II); c) aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade, inclusive de sua área de amortecimento (III); d) desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova UC (IV); e) desenvolvimento de pesquisas necessárias ao manejo da UC e respectiva área de amortecimento (V). Contudo, em se tratando de Reserva Particular do Patrimônio Natural, Monumento Natural, Refúgio da Vida Silvestre, Área de Relevante Interesse Ecológico e Área de Proteção Ambiental, quando as áreas não pertencerem ao Poder Público, os recursos oriundos da compensação somente poderão ser aplicados nas seguintes atividades (parágrafo único): a) elaboração do plano de manejo (I); b) realização de pesquisas para o manejo (II); c)

70Licenciamento e compensação ambiental na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

implantação de programas de educação ambiental (III); d) financiamento de estudos de viabilidade econômica para uso sustentável dos recursos naturais da unidade afetada (IV).

O art. 36 da Lei do SNUC traz outro dispositivo gerador de grande polêmica na prática. Trata-se do seu § 3º, que estabelece que, quando um determinado empreendimento puder afetar uma UC específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento ambiental respectivo somente poderá ser concedido após autorização do órgão gestor da unidade, a qual deverá ser beneficiária da compensação, ainda que não seja de proteção integral.

As controvérsias decorrentes da referida norma surgem de algumas distorções interpretativas que levam a certas práticas indevidas na aplicação do dispositivo. A primeira delas é tentar ampliar-lhe o alcance de tal maneira a que atinja qualquer empreendimento ou atividade sujeitos a licenciamento ambiental e não apenas aqueles sujeitos a EIA/RIMA. Ora, é evidente que não se pode ler o parágrafo em questão de maneira dissociada do caput, de modo que os

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