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4. Estratégias que apontam para processo de busca por autonomia

4.2. Resistência cotidiana

Como, finalmente, entender as formas cotidianas de resistência sem referência às intenções, ideias e linguagem dos seres humanos que a praticam? (SCOTT, 2011: 230).

Embora James Scott dialogue sobre as formas de resistência do campesinato em seus períodos entre revoltas, é possível trazermos esses mesmos elementos para pensar a realidade caiçara e quilombola das duas comunidades trabalhadas. Para os indivíduos que estão com seu território sobreposto a uma UC de proteção integral, as formas de resistência vêm no sentido de lutas com um órgão estadual que restringiu suas atividades e a possibilidade de permanência no seu local de origem. Ao longo dos anos, as restrições foram sendo impostas também, em âmbito nacional, pelas legislações e normativas que se relacionam a instâncias federais, bem como municipais, principalmente no que se refere às suas limitações em relação ao acesso à infraestrutura urbana de qualidade.

Scott (2011) sugere que por meio da resistência cotidiana apreendida, por exemplo, na “relutância, dissimulação, falsa submissão, pequenos furtos, simulação de ignorância, provocação de incêndios e sabotagem” (SCOTT, 2011: 219), os camponeses não se submetem por completo às restrições e à dominação direta. Para os moradores dessas comunidades, busquei elementos próximos que pudessem ser apresentados como símbolos da resistência cotidiana dos mesmos. O objetivo, com isso, é demonstrar que nessas pequenas ações corriqueiras esses atores expressam as suas agências e o protagonismo de suas ações, além de mostrarem suas persistências e a não aceitação de uma condição de desigualdade. Portanto, a demonstração da agência será apresentada como sinônimo das formas de resistência cotidianas e, por isso, da autonomia em seu sentido simbólico.

Temos, em uma conjuntura pós-implementação do parque, uma assimetria de poder instaurada pelas ações do “meio ambiente” nesses bairros e também pelas discussões que giravam em torno da temática ambiental na arena formada em função da delimitação dessa UC. Em relação à maneira truculenta das ações de fiscalização, tem-se um desrespeito à vida, às práticas e às necessidades desses moradores. Não possuíam sua representação de sujeitos com o mesmo

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Agradeço ao Dr. José Manuel Flores López pela oportunidade de participar das discussões sobre os estudos camponeses em sua disciplina ministrada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Neste momento, foi possível entrar em contato com uma literatura que muito se assemelhava com a realidade dos grupos sociais com que trabalhei.

direito que outros em função do autoritarismo desses órgãos de proteção ambiental. Na arena, estes não apresentavam legitimidade de fala nas discussões. Como visto no capítulo 3, com o passar dos anos, novos atores apareceram nesse cenário, novos instrumentos de gestão foram trabalhados e os processos de lutas desses moradores desenrolados tanto em relação às questões de utilização dos recursos naturais e permanência em seus locais de origem, como em função dos direitos por cidadania (SIMÕES, 2015; GALLO, 2014; CALVIMONTES, 2013). Marcam, portanto, um processo de mudanças que pode ser compreendido como consequência da realidade imersa em conflitos sociais que se ressignificaram e se ressignificam trazendo novas tonalidades ao ambiente social (SIMMEL, 1983; GLUCKMAN, 1987). Mendes (2008), citando West et al. (2006), coloca que a ideologia do Estado para a gestão de “seu” território – no que conferia aos povos indígenas e populações tradicionais da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (AM) –, insere-se em uma relação (de confronto e/ou de aliança), na qual os direitos e deveres específicos aos mesmos “está inserida numa política de soberania estatal que visa ordenar, coordenar e controlar o seu território, incluindo seus recursos naturais e os seus membros” (MENDES, 2008: 18). Nesse sentido, considera-se que nas comunidades do Norte de Ubatuba o aparelho governamental seguiu a mesma lógica, impondo-se superior tanto legislativa como executivamente141. Em função desta história de dominação os indivíduos dos bairros em questão desenvolveram as suas formas de resistência e de luta para a permanência em seus locais de origem, bem como para o reconhecimento de suas condições enquanto sujeitos de direitos, tanto jurídica como materialmente (direito à terra e ao trabalho).

Além disso, podem ser enquadrados neste aparato de dominação, também, as instâncias municipais (no sentido da falta de acesso a alguns serviços urbanos, ou da precariedade dos mesmos) e federais (legislações que muitas vezes destoam, de acordo com os moradores, de suas realidades de vida). Dessa forma é possível perceber componentes que demonstram um processo simbólico de resistência que pode ser apresentado por uma chave diferente daqueles que serão demonstrados como possíveis sentidos da autonomia baseada no reconhecimento

141 Mendes (2008), citando Esteva Fabregat (1996 apud LITTLE, 2002), comenta que “há uma ideologia territorial que acompanha o estabelecimento e expansão dos Estados-nação: primeiro, porque vincula a ideia de território ao nacionalismo, através da reivindicação de um espaço geográfico para os membros da comunidade nacional; e segundo, porque vincula a soberania estatal à exclusividade do Estado em controlar o território nacional” (MENDES, 2008: 18).

recíproco, no próximo tópico. Estes constituirão as formas cotidianas de resistência dos caiçaras e quilombolas das duas comunidades em seus contextos atuais.

Dando início à argumentação, para muitos moradores, a dinâmica de desrespeito aos seus direitos individuais e coletivos foi, e ainda é, bastante marcante. Como consequência, instaurou-se um sentimento de desconfiança mantido por boa parte deles em relação tanto à prefeitura, como à gestão do PESM/NP. Esta questão pode ser demonstrada por algumas falas, como por exemplo, nas colocações que se seguem:

Um caiçara da Vila, em diálogo com moradora nativa que buscava uma solução para o problema da apreensão da rede de pesca de seu parente, mencionou: “Para quê você vai lá falar com esse pessoal? É melhor nem ir atrás. Se não só chama a atenção deles. Dos bacanas” (DC, 05/2015). A ideia, nesse sentido, é de não participarem de reuniões e nem recorrer ao parque ou outras instâncias governamentais, pois assim não apareceriam colocando regras. Marcando um significado similar, um dos moradores do Cambury, quando fez sua agrofloresta em parceria com o IPEMA, comentou que na época, em 2005, muitos da comunidade tiveram uma resposta combativa à sua iniciativa, negando-se a colaborarem com o trabalho, pois ele “estava trazendo a ambiental para dentro do Cambury” (DC, 05/2015).

Outro morador nativo da Vila apontou, referindo-se a algumas reuniões que são estimuladas pela gestão do PESM/NP: “eles vêm aqui e só ficam falando de leis, naquelas apresentações que parecem querer chamar a gente de burro. Eu fui em muitas reuniões. Mas agora não vou mais em nada. Eles não respeitam. Não adianta nada. Só vem aqui ficar botando banca, depois vai embora. Então assim, a gente aprendeu o que tem que fazer” (DC 11/2015). E complementa: “Se vierem aqui e for fazer alguma coisa com alguém, a gente vai lá, se junta e vai conversar para ver o que está acontecendo e, bem dizer, para mandar eles embora” (DC, 11/2015). Sabe-se que, quando chegam os instrumentos de demolição, apreensão ou fiscalização, apenas a conversa ou “mandar eles embora” não expressam eficácia significativa, até porque os aparelhos de controle são contundentes em relação às definições da legislação. No entanto, essa colocação marca um elemento que pode ser definido pela ideia de ação e, por isso, de autonomia.

Um exemplo, nessa perspectiva, pode ser apresentado referindo-se a uma reunião do Conselho Consultivo que ocorreu na Vila de Picinguaba, em setembro de 2014, e que foi de grande repercussão na comunidade. Neste encontro, estavam presentes os moradores, dois representantes da Superintendência da União (SPU), uma representante da secretaria municipal de pesca e o atual gestor do PESM/NP. A pauta girava em torno da discussão sobre os imóveis localizados em áreas da “faixa de marinha”142

. Todas as casas ou ranchos de pesca que estão localizados de 0 a 33 metros da orla, sentido continente, deverão ser regularizados, sendo a SPU o órgão que legitima esse ordenamento.

De acordo com muitos moradores existe um descompasso em muitas reuniões, que tende a distanciar os lados que objetivam a comunicação, contribuindo para um sentimento de imposição e não de construção. A fala que se segue, de uma moradora nativa desta comunidade, explicita essa questão: “A representante da SPU já chegou com tudo pronto e disse: „vocês precisam cumprir‟. Ela veio aqui cheia de banca. Se achando uma general. E ficou lá, só falando daquele monte de lei. Que tem que regularizar os imóveis da faixa de marinha senão vão demolir” (DC, 05/2015). Durante a reunião:

Moradora nativa: “A maior dúvida de todo mundo é porque isso só surgiu agora, do nada?".

Representante da SPU: "Isso não surgiu agora. A União na medida em que ela vai dando conta ela vai fazendo isso, essas regularizações. A União já sabe de todas as pessoas que moram na região desde a década de 1970. Tem fotos aéreas e outros registros. Assim, quem não regularizar as propriedades, poderá sim ter seu imóvel demolido"

Morador nativo: "Se a União sabia dizer que tinha moradores aqui porque ela deixou formar um parque aqui?".

Representante da SPU: "Eu não sei porque eu não estava aqui, quem pode responder é o gestor. Eu só queria deixar bem claro para os senhores que nós podemos, somente, efetivar essa regularização dessas moradias e desses ranchos se o parque consentir. Porque em área de preservação integral, na verdade eu acho que não é para ter nada".

Moradora nativa: "Mas eu me preocupo porque nós temos terrenos em área de União. E temos outros terrenos também. E então não dá a concessão. Então é assim, se não fosse parque aqui isso estaria acontecendo?” (referindo-se às regularizações).

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Essa faixa é definida, também, como os 33 metros da faixa de marinha: os 33 metros partindo da orla em direção ao continente são áreas que não podem ter construções. Por representarem uma comunidade tradicional, podem realizar a regularização dos imóveis que estejam nessa faixa, por meio de um instrumento chamado TAUS – Termo de Autorização de Uso Sustentável.

Gestor do PESM/NP: “É importante separarmos as coisas. Isso é independente de história de parque. Existe uma faixa de marinha no território nacional inteiro. Da Amazônia até o Rio Grande do Sul. Agora, vamos separar as discussões”.

Outro morador nativo: “Se é no Brasil todo então porque é só aqui que tem que regularizar? E não vai lá no centro de Ubatuba? Lá em Santos? Porque que só aqui que tem que regularizar essas coisas? Quero ver ir lá demolir no Itaguá”.

(Reunião Conselho Consultivo, 09/2014).

Percebe-se, neste sentido, uma tentativa de diálogo por parte dos moradores. No entanto, talvez, por já “chegar tudo pronto” tem-se a presença de um obstáculo que impede uma melhor compreensão e comprometimento com as questões para futuras resoluções, imperando o sentimento de injustiça.

O que estava em discussão nesta reunião vem, portanto, da Superintendência da União e está relacionada com construções em “faixa de marinha”, indo além da questão PESM/NP. É importante destacar que o gestor atual desta unidade é visto como um bom profissional e que compete às suas funções de acordo com o que lhe cabe. Tenta, dentro das possibilidades, articular da melhor maneira a conservação com as leis e regras que devem ser cumpridas, buscando uma compreensão ampla sobre o local e as comunidades que estão presentes no contexto de sobreposição. Em muitos momentos os moradores demonstraram legitimidade em relação a essa administração, como na seguinte colocação: “O gestor agora é bom! Ele pensa na gente” (DC, 05/2015).

Em referência ao que estava sendo discutido nessa reunião, ele frisou que o parque quer o diálogo e a melhor resolução para este problema. E que infelizmente existem elementos que expandem ao seu raio de ação, não dispondo de um poder de influência mais amplo. No que concerne às aprovações do TAUS – que permitiria aos moradores tradicionais a regularização de um rancho coletivo nessa faixa dos 33 metros da marinha – ele argumenta que seria favorável, porém os moradores também precisariam colaborar realizando as burocracias pendentes, como o registro dos imóveis, retirada de documentos, dentre outros itens.

Uma moradora, membra da atual gestão da Associação, referindo-se ao TAUS, mencionou: “A SPU também veio dizendo que como era comunidade tradicional era permitido ter o rancho na área de marinha. Mas, não podem mais ser ranchos individuais, tem que ser um rancho só, e coletivo”. Nesse caso, os ranchos

individuais dos moradores precisariam ser retirados da faixa da praia e, no lugar, seria construído um rancho de uso coletivo. No entanto, os pescadores “não poderiam ter freezer nesse rancho coletivo, que a SPU veio dizer. Mas como vai fazer com o peixe? Deixar no gelo? Parece que eles querem cristalizar o caiçara, fixar. Como se não pudesse ter desenvolvimento aqui. Querem que o pescador pegue para a subsistência, mas já não é mais assim” (EA, 05/2015).

Apreende-se, dessa forma, que muitas vezes, a maneira como é colocada e trabalhada a discussão contribui para o “não tem diálogo”. Caracterizando-se por uma interlocução que poderíamos definir como “vazia” ou, como aponta Feital (2014) sobre os instrumentos de licenciamento e tomadas de decisões para a expansão do Porto de São Sebastião, também no litoral norte, uma “conversa de surdos”143

. Aqui, teria o mesmo sentido já que parece não se ajustar com a realidade cotidiana desses moradores, como demonstra um morador nativo dessa comunidade: “O parque144 faz o trabalho dele né! Tem que respeitar. Mas, muitas vezes, eles vêm com umas ideias que não fazem sentido” (DC, 05/2015). Como utilizarão um rancho de pesca no qual não é permitido o uso da energia elétrica, elemento que já está presente na Vila de Picinguaba desde os anos de 1980?

Complementando os delineamentos dessa “conversa de surdos”, o mesmo morador citado acima, sobre a apreensão do tremalho de pesca, coloca para a caiçara: “Desde quando você tem ido nessas reuniões e não dá nada? Nós temos mesmo é que fazer alguma coisa (...). Alguma coisa que chame a atenção da imprensa. Porque o diálogo não está mais funcionando. Na verdade, nunca funcionou” (DC, 05/2015). Essa fala, como as demais citadas anteriormente, reafirma a desconfiança sublinhada em relação ao “meio ambiente”. Quando se negam à tentativa de diálogo que é apresentada pelos meios institucionais, manifestam uma das respostas que desenha as suas resistências cotidianas. Além disso esta última citação, em particular, demonstra uma possibilidade de ação em

143 “Um processo em que os indivíduos e atores sociais entram sem saber com clareza a função do processo, seus direitos e responsabilidades, acaba por aumentar o sentimento de incerteza, que já é presente quando se trata de realidade futura sobre questões ambientais. Isso, aliado a outros elementos organizacionais do processo, amplia a falta de confiança dos atores entre eles mesmos e para com o processo e suas decisões. Também a falta de clareza ou o desentendimento sobre a função do licenciamento como instrumento de gestão ambiental contribui para uma situação que não valoriza o diálogo e a transparência entre os diferentes atores, levando frequentemente à polarização e a uma “conversa de surdos”. Esses são elementos que desestimulam a participação pública e faz o público participante desacreditar de sua importância no processo, deslegitimando os resultados da arena” (FEITAL, 2014: 146).

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Nesse caso, seria a SPU, já que quem promoverá essa regularização é essa instância do governo. No entanto, devido à reunião ter acontecido por meio do instrumento de gestão da Câmara Técnica (que compõe o Conselho Consultivo), e também, pela presença do gestor do PESM/NP no encontro, muitas vezes, as restrições que lhes chegam são atribuídas à presença da UC.

relação às práticas impositivas desses órgãos. Mesmo que não se concretize materialmente, ou seja, ainda que não ocorram grandes alardes para atrair a atenção da imprensa, entendo que esta conversa adentra em uma metáfora usada por Scott (2011) quando refere-se ao comentário de que as formas cotidianas de resistência geralmente não são anunciadas pelas matérias jornalísticas:

Da mesma forma que milhões de polipoides antozoários criam, sem planejamento e organização, um recife de coral, assim também milhares e milhares de atos individuais de insubordinação e evasão criam sua própria barreira de recife econômica ou política. Raramente há uma confrontação dramática, qualquer momento particularmente digno de virar notícia. E sempre que, para prosseguir com a analogia, o navio do Estado encalha nessa barreira de recife, a atenção é dirigida tipicamente para o acidente em si e não para o vasto agregado de pequenos atos que o tornaram possível. Só raramente os perpetradores desses pequenos atos buscam chamar a atenção sobre si mesmos. Sua segurança repousa no anonimato (...). Assim, uma pessoa pode sonhar com uma vingança ou com um milenar reino de justiça que pode nunca vir a ocorrer (SCOTT, 2011: 227).

Pensando ainda sobre o caso ocorrido com a rede de pesca, pode-se perceber um outro lado que também marca uma forma de reação. Como visto, o confisco se deu em função do órgão nacional, como cumprimento de uma normativa do IBAMA. Extrapola, dessa forma, à jurisdição tanto do parque e da polícia florestal (estadual), quanto da prefeitura. Mesmo não sendo de aplicação estadual ou municipal, é por meio dessas últimas instâncias que a moradora citada tenta a revogação de tal norma para obter, novamente, a propriedade sobre o tremalho. Por isso, na reunião da Associação de Maricultores, comentada no tópico anterior, as duas moradoras da Vila de Picinguaba foram expor a questão ao secretário de pesca e aos representantes da APA Marinha, que estariam presentes no encontro. Uma dessas moradoras, que já foi presidente da Associação da Picinguaba, no início da reunião comenta: “Nós vivemos em uma ditadura e não em uma democracia. Que coisa é essa de não deixar o pescador pescar?” (DC, 05/2015). Ela acredita ser importante o diálogo com o parque, a APA, a prefeitura e todos os órgãos ou instituições que possam contribuir e influenciar em seus processos e, também, nos da comunidade. Em outro momento comentou: “Eu luto por meus direitos por ser caiçara, mas também pelos direitos da comunidade” (DC, 05/2015).

Nesse ponto de vista, suas articulações demonstram, também, as possibilidades de ação e resistência. A partir da inserção nos ambientes de tomadas de decisões posiciona os problemas enfrentados tanto por ela, como pela comunidade, na intenção de influenciar as ações que possam respaldar a

continuidade de suas atividades, assim como as melhorias para o bairro. Ela continua: “Agora é possível ter aliados. Não quero disputas, quero aliados. Quero o parque como aliado” (DC, 05/2015).

Dessa forma, como as restrições apresentam múltiplas arestas, esses moradores resistem e lutam dentro das suas possibilidades. A busca por informações e articulações políticas aparecem como respostas às forças restritivas que agora abrem-se ao diálogo e à democratização. Em função desse mesmo quadro aqueles que acreditam que “as reuniões não dão em nada” perceberam como a melhor reação àquilo que muitas vezes é entendido como desrespeito às suas condições de vida, ao longo dos anos de vivência, a não participação. Ambas se apresentam como formas de resistência cotidianas.

Ademais, um exemplo relacionado à prefeitura, que demonstra a percepção da precária estrutura da mesma naquilo que deveria ser seu papel – contribuir com melhorias na comunidade – é colocado por um morador nativo da Vila:

É como pedir esmola para um mendigo. É um sistema que está quebrado já. Agora, nós vamos perder tempo, vendo um sistema quebrado, pedindo ajuda. Parece que a secretaria da cidade está pior que a associação da vila. Então, se vamos pedir material para fazer uma placa, vamos pedir pro pessoal nosso mesmo lá da Vila. Vamos nós mesmos buscar os materiais e quem faz. A gente vai perder tempo? (EA, 05/2015).

Nesse caso, que poderia seguir a mesma lógica de ação daqueles que preferem “não participar de reuniões”, fica evidenciado o sentimento de autonomia em relação às suas vidas e possibilidades de ação. Poderia ser traduzido por: Nós não somos presos a ninguém. Sabemos que não virá ajuda em muitos pontos práticos, como para a construção de placas e distribuição de lixeiras. Então, se quisermos nós mesmos fazemos145. Em relação às lixeiras do bairro, esse mesmo morador estava construindo com pneus alguns cestos nos quais poderiam ser destinados os resíduos que são gerados nas proximidades da praia. Nesse mesmo sentido, uma moradora nativa do Cambury mencionou: “Nós vamos fazer um mutirão para limpar o cemitério. E amanhã um para limpar a trilha que vai até a BR. Então, é