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Resistência e Poder: análise dos movimentos institucionais, amarras e

enfrentamentos no processo de trabalho e cuidado na área de saúde mental

A polissêmica palavra resistência pode estar associada à noção de negação, recusa, defesa, durabilidade, rigidez, barreira, oposição, reação, vigor, teimosia, obstinação, persistência etc. É utilizada como conceito em diversas áreas do conhecimento: ciências exatas (resistência elétrica e resistência de materiais), ciências biológicas (resistência física e resistência bacteriana) ou das ciências humanas (resistência em psicanálise e movimentos sociais de resistência). No cotidiano, essa palavra pode ser utilizada para denotar força ou persistência – por exemplo: “Ela deve ter uma resistência incrível para continuar trabalhando nesse serviço” –, ou referir a presença de alguma barreira ou dificuldade que a pessoa encontra pela frente – por exemplo: “Ele encontrou muita resistência entre os colegas para implementar o uso do livro de ocorrências”.

A resistência como barreira, aliás, não deve ser tomada apenas no sentido negativo, pois, muitas vezes, é fundamental para a preservação de determinados modos de vida e para tensionar por uma mudança de rumo. Diante de uma força qualquer, os sujeitos e os grupos são provocados a refletir. Para não simplesmente sucumbir, eles precisam analisar as próprias condições e anunciar as suas pretensões. As resistências formadas durante a Segunda Guerra Mundial30 expressavam a importância das pessoas se colocarem frente às imposições para

demarcarem o que não queriam ser e sustentarem sua singularidade com relação ao pretenso dominante. Da mesma forma, muitos movimentos sociais empreendem suas lutas de resistência às tendências hegemônicas que marginalizam os grupos sociais mais vulneráveis e degradam as suas condições de vida. Nas relações de trabalho, os movimentos de resistência apresentam-se como forma de evitar, por exemplo, a precarização e a exploração.

Nesse estudo, pretende-se lançar um olhar crítico à questão da resistência presente no cotidiano da construção do cuidado em rede em saúde mental pelos trabalhadores que atuam em diferentes estabelecimentos do SUS em Campinas. Para tanto, será discutida a resistência nos

30 Durante a Segunda Guerra Mundial, formaram-se diversos movimentos de resistência no continente europeu, dentre

os quais podemos destacar a Resistência Francesa, a Resistência Italiana, a Resistência Alemã, os Partisans Iugoslavos e o Estado Secreto Polonês.

movimentos institucionais e na clínica na saúde mental. Entretanto, vale ressaltar anteriormente a resistência nas relações de poder, por ser um bom caminho para a formulação de análises.

2.1 - Resistência e Poder

Michel Foucault aborda a resistência nas relações de poder em diversos textos da sua obra. Entende que não existe relações de poder sem resistências, como observa-se nas duas citações abaixo:

Pois, se é verdade que, no centro das relações de poder e como condição permanente de sua existência, há uma “insubmissão” e liberdades essencialmente renitentes, não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem volta eventual; toda relação de poder implica, então, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venham a se superpor, a perder sua especificidade e finalmente a se confundir. (Foucault, 1995, p.248, aspas do autor e negritos meus)

Mesmo quando a relação de poder é completamente desequilibrada, quando verdadeiramente se pode dizer que um tem todo o poder sobre o outro, um poder só pode se exercer sobre o outro à medida que ainda reste a esse último a possibilidade de se matar, de pular pela janela ou de matar o outro. Isso significa que, nas relações de poder, há necessariamente

possibilidade de resistência, pois se não houvesse possibilidade de

resistência – de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, de estratégias que invertam a situação –, não haveria de forma alguma relações de poder. (Foucault, 2006, p. 277, grifos meus)

No texto “O sujeito e o poder”, Foucault (1995) discute como a resistência compõe as relações de poder. Destaca a sua dedicação em criar uma história sobre os diferentes modos pelos quais os seres humanos tornaram-se sujeitos em nossa cultura e a análise das relações de poder como um meio de entendimento desse processo.

Foucault (1995) propõe uma forma de análise da economia das relações de poder mais empírica e próxima do presente, na qual as formas de resistência contra as diferentes formas de poder são tomadas como um ponto de partida, de modo a analisar as relações de poder através das estratégias antagônicas. A resistência seria, portanto, uma espécie de catalisador químico para o esclarecimento das relações de poder: localização das suas posições, o descobrimento dos seus pontos de aplicação e métodos empregados.

São diversas oposições que se desenvolveram mais recentemente, segundo Foucault (1995), tais como a “oposição ao poder dos homens sobre as mulheres, dos pais sobre os filhos, da psiquiatria sobre o doente mental, da medicina sobre a população, da administração sobre o modo de vida das pessoas” (p.234). Sobre as quais, o autor considera que não são lutas

simplesmente antiautoritárias, mas que têm as seguintes características em comum: 1) são transversais, pois abrangem diversos países e não se restringem a uma forma política ou econômica; 2) miram os efeitos de poder enquanto tal, não seus efeitos secundários; 3) são imediatas, pois criticam as instâncias de poder mais próximas e o inimigo mais imediato, e não se pautam em resolver problemas futuros; 4) questionam o estatuto do indivíduo, por um lado, afirmando o direito de ser diferente e, por outro, atacando tudo o que fragmenta a vida comunitária, ou melhor dizendo, batalham contra o “governo da individualização”; 5) são uma oposição aos efeitos de poder relacionados ao saber, à competência e à qualificação, isto é, lutam contra o privilégio do conhecimento; 6) gravitam em torno da questão quem somos nós?, contrapondo-se à investigação científica ou administrativa que determina a nossa identidade. Essas lutas têm como objetivo principal não atacar uma instituição de poder, mas uma técnica, uma forma de poder que “aplica- se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele.” (p.235).

Conforme sintetiza Foucault (1995), são três tipos de luta: 1) contra as formas de dominação; 2) contra as formas de exploração; e 3) contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o submete. A formação do Estado, a partir do século XVI, provocou esse tipo de luta contra a sujeição, pois trata-se de um tipo de poder político que ignora os indivíduos, preocupando-se com interesses da totalidade, ou melhor, de uma classe ou um grupo dentre os cidadãos. Pior, é uma forma de poder que é tanto individualizante quanto totalizadora. O Estado moderno, segundo Foucault deve ser considerado como uma “estrutura muito sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que esta individualidade fosse moldada numa nova forma e submetida a um conjunto de modelos muito específicos” (p.237). Diante da imposição desse tipo de individualidade, o objetivo talvez nem seja mais descobrir o que somos, mas recusar o que somos.

Nesse jogo de poder e de como se posicionar, Foucault (1995) explica que não existe o Poder que atravessa todas as relações, mas existe poder que uns exercem sobre os outros. Sinteticamente, diz: “o poder só existe em ato” (p. 242), isto é, trata-se do resultado da ação de sujeitos, não algo naturalmente dado ou acima das relações sociais. Sobre o exercício do poder, Foucault (1995, p.243) afirma:

O exercício do poder pode perfeitamente suscitar tanta aceitação quanto se queira: pode acumular as mortes e abrigar-se sob todas as ameaças imagináveis. Ele não é em si mesmo uma violência que poderia, às vezes, se esconder, ou um consentimento que, implicitamente, se reconduziria. É um conjunto de ações sobre ações possíveis: ele opera sobre o campo de possibilidades onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos;

ele incita, induz, desvia, facilita ou dificulta, amplia ou limita, torna mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente; mas é sempre um modo de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou são suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações.

Ao tratar o poder como troca de ações de uns sobre os outros, Foucault (1995) diz que é uma relação entre sujeitos livres, que têm diante de si um campo de possibilidades de formas de agir. Não se trataria de um duelo entre poder e liberdade, mas sim um campo de provocação permanente. Como afirma Foucault (1995, p.244), “(...) no centro da relação de poder, ‘provocando-a’ incessantemente, encontra-se a recalcitrância do querer e a intransitividade da liberdade” (aspas do autor).

Para a análise das relações de poder, Foucault (1995, p.246-7) estabelece alguns pontos: 1) Sistema de diferenciação que permite agir sobre a ação dos outros: diferenças jurídicas, de privilégios, econômicas, culturais, de habilidade e competência etc.; 2) Tipo de objetivos perseguidos por aqueles que agem sobre a ação dos outros: manter privilégios, acumular lucro, operar uma autoridade etc.; 3) Modalidades instrumentais: ameaça com armas, uso da palavra, recurso financeiro, sistema de vigilância e controle etc.; 4) Formas de institucionalização: dispositivo jurídico, fenômenos de hábito ou moda, ou pode ter aparência de uma estrutura fechada em si mesma, com posições bem definidas (instituições escolares e militares), ou ainda podem formar um sistema complexo como o Estado; 5) Graus de racionalização: as relações de poder podem ter um funcionamento mais ou menos elaborado a depender do uso dos instrumentos ou então do custo das operações, bem como de como se transforma ao longo do tempo e com as suas experiências.

Foucault (1995) conclui a sua análise sobre o sujeito e o poder, reafirmando que poder e resistência se entrelaçam tanto que “entre relação de poder e estratégia de luta, existe atração recíproca, encadeamento indefinido e inversão perpétua” (p.248). O autor aponta uma tarefa política a ser exercida diante das relações de poder:

Pois, dizer que não pode existir sociedade sem relação de poder não quer dizer que aquelas que são dadas sejam necessárias, nem que de qualquer modo o “Poder” constitua, no centro das sociedades, uma fatalidade incontornável; mas que a análise, a elaboração, a retomada da questão das relações de poder, e do “agonismo” entre relações de poder e intransitividade da liberdade, é uma tarefa política incessante; e que é exatamente esta a tarefa política inerente a toda existência social. (p.246, aspas do autor)

Ainda no seu texto sobre o sujeito e o poder, Foucault (1995) faz uma referência ao estudo de Kant intitulado “Was heisst Aufklärung?”31, no qual Kant se pergunta sobre quem somos. Foucault (1995a) também recorre a este texto do autor alemão no decorrer das suas análises sobre o que é a crítica, pois, pelas palavras de Foucault, Kant diz que vivemos num estado de tutela (menoridade) mantido autoritariamente, que nos caracteriza como incapazes de servir-se dos próprios entendimentos, mantendo-se dependentes da direção apontada pelo outro. No entanto – segue Kant –, se por um lado há um excesso de autoridade que mantém a humanidade na condição de tutela, por outro há uma falta de decisão e coragem das pessoas. A luta estaria na busca pelo conhecimento, na tomada de uma atitude crítica.

Para entender o que seria uma atitude crítica, é importante considerarmos o quanto estamos governados por outrem, submetidos a uma série de mecanismos de poder que determinam como devemos agir e pensar. Foucault (1995a) formula uma primeira definição para crítica como “el arte de no ser gobernado de una cierta manera” (p.4). Há três pontos de ancoragem históricos, conforme Foucault (1995a), para a atitude crítica: 1) questionar se a escritura bíblica é verdadeira; 2) opor-se ao direito universal e imprescritível, como se fosse natural; 3) não aceitar como verdade o que uma autoridade disse que é verdade. A perpassar esse três pontos de ancoragem históricos, há um tripé de correspondência para a governamentalização: 1) bíblia, o direito, a ciência; 2) escritura, natureza e relação consigo mesmo; 3) o magistério, a lei e a autoridade do dogmatismo.

De tal forma que na relação entre a crítica e a governamentalização, Foucault (1995a) diz que:

Pero, sobre todo, se ve que el núcleo de la crítica es, esencialmente, el haz de relaciones que ata el poder, la verdad y el sujeto, uno a otro, o cada uno a las otros dos. Y si la gubernamentalización es ese movimiento por el cual se trataba, en la realidad misma, de una práctica social de sujeción de individuos por medio de mecanismos de poder que reclaman para sí una verdad; pues bien, diría que la crítica es el movimiento por medio del cual el sujeto se arroga el derecho de interrogar a la verdad sobre sus efectos de poder y al poder sobre sus discursos de verdad. En otras palabras, la crítica será el arte de la in-servidumbre voluntaria, el arte de la indocilidad reflexiva. La crítica tendría esencialmente por función la des-sujeción en el juego de lo que pudiéramos llamar la “política de la verdad”. (p.5, aspas do autor)

Foucault mais uma vez enfatiza a luta pela liberdade nas relações de poder, apontando as possibilidades de atitudes de resistência às imposições. Evidentemente, essa discussão é mais aprofundada ao longo da obra desse autor, mas por ora podemos notar que o conceito de

31 Tal pergunta é traduzida ora como “Que é o esclarecimento?” ora como “Que é o iluminismo?”. Segundo Foucault

(1995), a pergunta de Kant quer dizer: “o que está acontecendo neste momento? O que está acontecendo conosco? O que é este mundo, esta época, este momento preciso em que vivemos?”

resistência ocupa um lugar de relevância na busca pela liberdade e também nas estratégias de luta contra a submissão e dentro do jogo de inversão do poder.

Orellana (2012) e Rodrigues e Tedesco (2009) enfatizam a dimensão ética da resistência na obra de Foucault. Orellana (2012, p.51-52), alerta que a ética da resistência, extraída de Foucault, não pode se limitar a ações de negação, pois também envolve a criação e inovação nos modos de viver. Rodrigues e Tedesco (2009, p.78) chamam atenção para a diferença entre o sujeito ético e o sujeito jurídico:

Nos últimos escritos e entrevistas, ele [Foucault] deixa clara a postulação

de duas direções para esse processo de produção do sujeito moral:

uma pautada na relação de submissão, de assujeitamento, na medida em que ocorrem por um processo de objetivação dos indivíduos a partir das leis e normas instituídas ou a partir de uma relação ética de transversalização do código vigente, pela equivocação das identidades e da transformação dos sujeitos em uma dada experiência de si. No primeiro caso temos o sujeito jurídico e, no segundo, o sujeito ético. (grifos meus)

Foucault provoca-nos ao descrever todo esse processo de assujeitamento, que somos governados por outrem numa sociedade que nos impõe determinados modos de ser e pensar. Ao mesmo tempo em que explicita os problemas e os perigos, aponta formas de enfrentamento e que temos liberdade por toda parte, pois o poder só se exerce sobre sujeitos livres e que há possibilidade de resistências das mais variadas maneiras.

A Saúde é um campo no qual a atuação profissional é repleto de mecanismos de regulamentação: protocolos, determinações de ordens de classe, controle de produção, políticas e portarias etc. Regulamentações que atingem o profissional, assim como os gestores e influencia enormemente no atendimento aos usuários. A análise das resistências presentes nesse cotidiano mostra-se pertinente e desejável.

Foucault traz contribuições valiosas para o entendimento das relações de poder, mas também podemos encontrar na Análise Institucional bom instrumental para compreensão e análise das resistência e seus efeitos, como veremos a seguir.

2.2 - A resistência nos movimentos institucionais

A Análise Institucional, fundada por René Lourau e Georges Lapassade (Lapassade e Lourau, 1972), aborda como os sujeitos formam e movimentam dialeticamente as instituições, propiciando a análise de movimentos de resistência que aparecem nesse processo.

Quando se menciona a Análise Institucional, cabe esclarecer o que é entendido como instituição. Lourau (2014) apresenta três casos nos quais o termo “instituição” é utilizado: 1) norma universal ou considerada como tal (casamento, trabalho, educação etc.); 2) fundação ou constituição de algo (por exemplo, instituição de uma associação); 3) formas sociais visíveis dotadas de organização jurídica e/ou material como um hospital, uma empresa, o sistema industrial, o sistema escolar. O importante para esse autor, entretanto, é que se analisada dialeticamente, a instituição apresenta-se decomposta em três momentos: universalidade, particularidade e singularidade. Em outro texto, Lourau (1993) é mais enfático ao afirmar que a instituição não é um prédio ou qualquer forma de organização material ou jurídica. Segundo sua definição, a “instituição não é uma coisa observável, mas uma dinâmica contraditória construindo-se na (e em) história, ou tempo” (p.11, grifos do autor).

Lourau (2004, p. 71) destaca o essencial sobre as instituições ao afirmar:

Primeiro, as instituições são normas. Mas elas incluem também a maneira como os indivíduos concordam, ou não, em participar dessas mesmas normas. As relações sociais reais, bem como as normas sociais, fazem parte do conceito de instituição. Seu conteúdo é formado pela articulação entre a ação histórica de indivíduos, grupos, coletividades, por um lado, e as normas sociais existentes, por outro.

Segundo, a instituição não é um nível da organização social (regras, leis) que atua a partir do exterior para regular a vida dos grupos ou conduta dos indivíduos; atravessa todos os níveis dos conjuntos humanos e faz parte da estrutura simbólica do grupo, do indivíduo.

Logo, pertence a todos os níveis da análise: no nível individual, no da organização (hospital, escola, sindicato), no grupo informal bem como no formal, encontramos a dimensão da instituição.

A instituição deve ser analisada dialeticamente e não ser tomada somente no seu aspecto instituído. Por isso, o conceito de instituição proposto por Lourau decompõe-se em três momentos: universalidade, ou o instituído; particularidade, ou o instituinte, e singularidade, ou a institucionalização. A universalidade é entendida como a unidade positiva, na dimensão do plenamente verdadeiro do plano abstrato. Já a particularidade seria a negação disso que é tido como verdadeiro. E a singularidade seria “o momento da unidade negativa, resultante da ação da negatividade sobre a norma positiva da norma universal” (Lourau, 2014, p.17). Não perdendo de vista que esses momentos se mantêm em constante movimento.

Figura 4 – Esquema da dialética institucional (Lourau, 1993, p.89)

Para Lourau (2004a, 2014), as instituições são dialeticamente constituídas por momentos instituídos e instituintes que resultam em processos de institucionalização. Como instituído, entende-se a ordem estabelecida, os valores, os modos de representação e de organização considerados normais, assim como os procedimentos habituais de previsão (econômica, social e política). Por outro lado, a contestação e a capacidade de inovação podem ser colocadas como sendo instituintes. Desta forma, o instituído depende do instituinte para progredir, enquanto o instituinte depende do instituído para seguir com o projeto de transformação permanente.

Dentro do campo de coerência da Análise Institucional, Monceau (1997) elabora um conceito de resistência operatório e dinâmico, com a finalidade de ampliar sua utilização na Educação francesa. Embora o autor faça questão de destacar a área na qual desenvolveu os seus estudos, podemos considerar que há possibilidades de aproveitar esse conhecimento em outras áreas e em outras localidades, como a Saúde numa cidade brasileira, pois também existe a presença da resistência imbricada nas relações institucionais.

Esse autor destaca três movimentos nas instituições: institucionalização, autodissolução e transdução. O momento de institucionalização é descrito como o processo pelo qual a instituição se produz, o que não é puramente positivo, na medida em que convive com sua negação. De modo que uma instituição pode, inclusive, produzir o fracasso de sua profecia. Decorre daí, o conceito de autodissolução que é “um modo de súbito desaparecimento das formas sociais, mas também o permanente processo de degradação que o corrompe em seu projeto, sua ideologia, sua operação” (Monceau, 1997, p.47, tradução minha). Trata-se do negativismo presente na dinâmica do trabalho. Os conceitos de institucionalização e autodissolução, portanto, não podem ser dissociados, pois o primeiro contém o segundo. Os efeitos das suas contradições podem crescer e são traduzidas mais comumente como “tensões” e/ou “conflitos” mais ou menos

“latentes”. Podem permanecer imperceptíveis por muito tempo e ser atualizados repentinamente. Surge a noção de transdução, que trata desses movimentos institucionais nos quais ocorre alternância entre atualização e potencialização. De modo que a decadência diária pode ir minando a organização sem ser percebida por seus membros, que são surpreendidos pela sua atualização em um súbito conflito ou com a consciência de súbita deserção de alguns dos seus componentes.