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Não há um consenso na literatura sobre o que gera um comportamento de resistência no trabalhador (EFTHYMIOU, 2009). Segundo Karlsson (2012), por exemplo, as pessoas precisam de dignidade e autonomia para trabalhar e, quando estas condições não são oferecidas pela empresa, existe uma forte tendência de manifestarem-se desvios de comportamento, como a resistência. Para autores com uma visão foucaultiana, como Prasad e Prasad (2000) ou Moura e Andrade (2006), os conflitos fazem parte das relações sociais e podem surgir a qualquer momento, quando os interesses de uma das partes envolvidas não são atendidos. Neste trabalho, adotamos as cinco razões identificadas por Efthymiou (2009) – que também adotou a perspectiva foucaultiana para investigar a resistência: mudança tecnológica, outros fatores estruturais (injustiça e trabalhos temporários), dignidade, descrença nos valores compartilhados e “simplesmente entediado” ou a fim de se divertir no trabalho.

No que diz respeito à origem da resistência à vigilância eletrônica, em específico, Ball (2010) afirma que muitas vezes a gerência implanta um novo sistema sem consultar os empregados. Essa falta de participação em assuntos que afetam diretamente a rotina da

organização tem impacto significante na percepção sobre os sistemas de controle e sua execução. Quando a organização é vista como um ambiente político, qualquer situação que ameace os interesses dos membros que a compõe pode gerar conflitos. Na busca por segurança ou por poder, surge a resistência aos dispositivos de monitoramento eletrônico (KIDWELL; KIDWELL, 1996). Segundo Ball (2010), os empregados podem simultaneamente concordar com a segurança que a vigilância eletrônica proporciona e se opor aos seus aspectos mais intrusivos. Para o autor, isto dificulta a compreensão da resistência a estes sistemas.

Segundo Guattari e Rolnik (2005 apud BESSI; GRISCI, 2008), o sentimento de resistência pode ser “consumido” por um indivíduo de duas formas: a individualização ou a singularização. Na primeira, respectivamente, a pessoa procura bloquear o sentimento de oposição (GUATTARI; ROLNIK, 2005 apud BESSI; GRISCI, 2008). De acordo com os autores, é uma relação de alienação e opressão, na qual a pessoa rejeita a própria vontade para submeter-se aos padrões universais. Segundo Hardy e Clegg (2001), a falta de conhecimento das regras ou o amplo conhecimento delas – no sentido de não querer arcar com as suas consequências – são os motivos que levam um trabalhador a “ficar calado” e consentir com a sua própria subordinação. Na segunda (singularização), o indivíduo expressa suas vontades e o seu descontentamento com a estrutura organizacional. Pode ser considerada a expressão, propriamente dita, da resistência frente às determinações sociais. É caracterizada pela criatividade e pela apropriação dos componentes da subjetividade (BESSI, 2009).

Com relação aos objetivos, as práticas de resistência podem ter duas funções: dar voz à insatisfação e ao descontentamento dos funcionários e encorajar a criação de um espaço para o exercício de autonomia (VIEIRA; MENDONÇA NETO; ANTUNES, 2013). Segundo Ramalho e Esterci (1996), o termo não deve ser associado a uma visão revolucionária, porque, em geral, não é a intenção do empregado modificar toda a estrutura da organização. Ao invés disto, a resistência está associada a uma necessidade de ser favorecido.

No dia a dia, a resistência pode adquirir diferentes formatos. Para mapeá-los, Efthymiou (2009) desenvolveu o glossário da resistência, um catálogo com 54 comportamentos identificados pelo autor na literatura – ver anexo A para relação com a tipologia e descrições traduzidas para o português. Neste estudo, utilizaremos o glossário para identificar e descrever as formas de resistência informal percebidas pelos gestores pesquisados nos seus respectivos ambientes de trabalho – segundo objetivo específico proposto.

A forma da resistência e a maneira como ela evolui dentro da organização são diretamente afetadas pela forma como os gestores lidam com elas (LAPOINTE; RIVARD, 2005). Segundo Rivard e Lapointe (2012), o gestor é responsável por tomar as atitudes apropriadas para garantir que a resistência não crie problemas para a empresa. Fazendo referência ao que foi discutido na figura 5, a atuação do gestor pode evitar a evolução das oposições escondidas para o estágio de confronto.

A literatura tem mostrado que os gestores têm dificuldade para identificar o que é uma manifestação de resistência no ambiente de trabalho. O estudo realizado por Morrison e Robinson (1997), por exemplo, encontrou que gestores consideram atos de resistência aquelas ações que falham em cumprir os contratos psicológicos estabelecidos com a organização. Ford, Ford e D’ Amelio (2008), por sua vez, encontraram que os gestores tendem a classificar como resistência ações contrárias ao que eles classificam como correto, apropriado ou que deveria ser feito. Neste caso, chegar atrasado, perder reuniões ou apresentar queda de produtividade são fenômenos diários que são relacionados à resistência precipitadamente.

A resposta da gerência à resistência foi investigada por Rivard e Lapointe (2012) – único estudo na linha identificado pelo nosso levantamento. Os pesquisadores identificaram que os gestores podem adotar quatro tipos de comportamentos (categorias) quando deparados com uma manifestação de oposição, são eles: inação, reconhecimento, retificação ou dissuasão. O primeiro, de inação, corresponde a falta de ação do gestor frente ao fenômeno. Dentro dela, estão os gestores que desconhecem a ocorrência do fenômeno, os que sabem mas ignoram e aqueles que sabem mas não reconhecem porque não tem os recursos necessários para responder a ela. A categoria de reconhecimento abrange os gestores que somente reconhecem a existência da resistência mas não tomam atitude. Na terceira, retificação, estão as respostas que pretendem corrigir o sistema, o ambiente ou os usuários. Por fim, na quarta estão os comportamentos gerenciais que procuram fazer com que o usuário desista de resistir. Fazem parte dela a coerção (ameaça implícita ou explícita), a persuasão (convencimento) e a persuasão de suporte (que dá garantias, explicações e benefícios).

O estudo de Rivard e Lapointe (2012) também analisou os efeitos das quatro respostas gerenciais no comportamento dos subordinados, investigando se os casos de resistência aumentaram ou diminuíram posteriormente. A tabela 1 mostra os resultados encontrados.

Tabela 1 – Resposta dos gestores e ex post níveis de resistência Ex post níveis de resistência

Ação N (%) Aumento (%) Diminuição (%) mudança (%) Não houve Total Inação 52 (38,0%) 47 (90,4%) 0 (0%) 5 (9,6%) 52 (100%) Reconhecimento 5 (3,6%) 5 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%)

Retificação 49 (35,8%) 16 (32,6%) 31 (63,3%) 2 (4,1%) 49 (100%) Dissuasão 31 (22,6%) 11 (35,5%) 20 (64,5%) 0 (0%) 31 (100%) 137 (100%) 79 (57,7%) 51 (37,2%) 7 (5,1%) 6dfp < 0.000 𝝌𝟐 = 59.52 Fonte: Adaptado de Rivard e Lapointe (2012, p. 905).

A tabela 1 apresenta a distribuição dos 137 episódios analisados na pesquisa de acordo com cada resposta e associando a mudança nos níveis de resistência posteriormente. Como mostrado na tabela, nenhum dos episódios que envolveram inação como resposta teve diminuição no nível de resistência. Na verdade, 90,4% dos 52 episódios apresentaram aumento nesses comportamentos. Nos cinco episódios onde a resposta do gestor foi de reconhecimento, houve aumento nos níveis de resistência posteriormente. Em 63,3% dos casos em que a resposta do gestor foi de retificação, houve diminuição dos casos de resistência. Por fim, em 64,5% dos casos em que o gestor respondeu através da dissuasão houve diminuição dos casos de resistência. Os 137 episódios analisados são de estudos realizados entre 1974 e 2010, em setores diferentes, com usuários de diferentes profissões e gestores de cargos diferentes. Não foram identificadas pesquisas nesta linha que tenham utilizado o mesmo instrumento, em um mesmo setor e com gestores de uma mesma função.

No que diz respeito às medidas para tentar minimizar os efeitos da vigilância no ambiente de trabalho, Ball (2010) e Ford, Ford e D’ Amelio (2008) mostraram que existem algumas ferramentas que podem ser utilizadas pela administração. Para os autores, os gestores podem mostrar consideração pelos seus subordinados e reconhecer suas necessidades de interagir com outros trabalhadores; também podem balancear os resultados da vigilância com outros processos de feedback, como treinamentos e avaliações; podem comunicar e deixar claros os critérios que são vigiados; também podem garantir que os empregados sejam treinados para assegurar que as metas sejam atingidas independente do controle e; por fim, podem envolver os funcionários no processo de avaliação e atualização dos sistemas.

No próximo tópico, revisaremos a literatura sobre coping (estratégias de enfrentamento). Com ele, pretendemos mostrar as diferentes formas utilizadas pelas pessoas para lidar com situações de estresse. Esta revisão foi a base para identificarmos a forma como os gestores lidam com a resistência informal à vigilância eletrônica de seus subordinados.