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CAPÍTULO 3. DAVI CONTRA GOLIAS: CAMPONESES versus OLIGOPÓLIOS

3.3. Resistências e Ações camponesas

3.3.2. Resistências e Ações camponesas na Argentina

Na Argentina a história das Ligas Agrárias foi um marco no contexto contemporâneo da luta pela terra. As Ligas Agrárias surgem da união de integrantes da esquerda católica e organizações cooperativas do campo - de maneira similar ao surgimento das Ligas Camponesas no Brasil - e foram fortemente reprimidas e desarticuladas durante a Ditadura Militar. Muitos dos antecedentes das experiências coletivas de organização no campo que existem hoje têm origem neste período, como narraram algumas das entrevistadas. As Ligas surgem no Chaco, mas se

espalham rapidamente para toda região NEA. Nos anos 80 com abertura político-econômica, o agronegócio e a ocupação de terras por grandes produtores, se acentuaram os conflitos nos quais a posse da terra e os recursos para produção e comercialização ocupam um lugar fundamental (CALVO, 2010).

As mulheres estiveram presentes nessas mobilizações camponesas nos dois países, ao lado de seus maridos, filhos, irmãos, ou seja, mesmo antes de formarem coletivos ou movimentos sociais exclusivo de mulheres camponesas. Em várias entrevistas apareceram referências a esse contexto, como no depoimento concedido por uma agricultura de Corrientes, ex-integrante das Ligas. Ela foi torturada e teve um irmão morto durante o período. Atualmente voltou a receber ameaças por sua atuação pelos direitos das crianças e trabalhadores rurais. No período de realização da entrevista (outubro de 2011) estava auxiliando a família de um menino de 11 anos, que segundo seu depoimento teria morrido em decorrência do envenenamento pelos agrotóxicos usados nas plantações de tomate de sua família, a buscar apoio judicial.

Semelhante ao cenário encontrado em relação às ações coletivas contra os transgênicos na Argentina de maneira geral, as ações anti-transgênicos protagonizadas pelas mulheres camponesas parecem ter sido menos intensas e/ou estruturadas e visíveis. Isso não significa que na Argentina não existam movimentos de mulheres e ações importantes realizadas por elas em coletivos mistos no sentido da luta pela segurança e soberania alimentar e de resistência ao modelo de agricultura industrial. Por exemplo, neste país existe uma quantidade expressiva de grupos de mulheres. A pesquisa em nível nacional feita entre 2001-2006 por Biaggi, Canevari e Tasso (2007) mapeou a existência de 452 grupos de mulheres rurais voltados principalmente à geração de trabalho e renda e formação no país. Seria necessária uma pesquisa em relação às estes grupos, mas segundo o indicado pelas próprias autoras, eles seriam formados com a finalidade de geração de trabalho e renda, não sendo mencionados objetivos explicitamente vinculados a lutas e militâncias dos movimentos sociais camponeses.

Com características mais próximas a de movimentos sociais como o Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil é possível citar o Movimiento de Mujeres Agropecuarias en Lucha (MML), que ocupa um lugar destaque em termos de organização de mulheres rurais em nível nacional e a Asociación de Mujeres Campesinas y Aborígenes de Argentina (MUCAAR), que tem origem no principio da década de 90 no contexto do “Projeto Mulher Campesina” do governo federal.

O MML surgiu em 1995 na Região Pampeana, grande produtora de cereais e gado e espalhou-se para outras regiões do país. Este Movimento teria surgido como reação ao processo de perda das terras sofrido pelos pequenos agricultores e em defesa de uma “produção agrária familiar capitalizada” (GIARRACCA, 2001).

No contexto de contraposição aos transgênicos um movimento de destaque no país é o Movimento Madres de Ituzaingó40. Este movimento teve início em 2001, no bairro de Ituzaingó, periferia da cidade de Córdoba e ganhou relevância no cenário nacional e internacional pela luta contra a soja transgênica e utilização de agrotóxicos. Foi constituído por um grupo de mães que começaram a notar o aumento de mal estar e doenças no bairro, principalmente entre crianças e mulheres (reportados aumento dos casos de câncer, aborto e má formação fetal). Essas mulheres começaram sua ação com uma pesquisa informal pelo bairro que demonstrou um número de casos acima da média. Em seguida, por conta própria também começaram a estudar e estabelecer a relação (que já notavam empiricamente) entre o aumento da doença e mal estar entre os moradores após as fumigações de agrotóxicos nas lavouras. Entre outros logros, Madres de Ituzaingó conseguiu a proibição da fumigação próxima ao bairro, a construção de um centro de saúde e a realização de uma campanha nacional “Pare de Fumigar”.

Por fim, merecem ainda ser desatacas na Argentina as iniciativas e as organizações em torno das feiras-francas41. Segundo uma pesquisa realizada pelo CIPAF (Centro de Investigación y Desarollo y Tecnológico para la Pequeña Agricultura Familiar) publicada em 2010, existem 144 feiras francas atualmente na Argentina, 94 delas estão na região NEA, com destaque para a província de Misiones. Nesta pesquisa aponta-se que os principais produtos comercializados nestas feiras são: verduras, frutas e hortaliças (69%), produtos lácteos (11%); sendo o restante composto por itens como doces, conservas, panificações, ovos e artesanatos. O levantamento também indicou que a grande maioria das feiras tem uma periodicidade de uma ou mais vezes a semana.

40 Uma das fundadoras deste movimento, Sofía Gatica, recebeu em 2012 o Prêmio Goldman, um dos mais importantes do mundo como reconhecimento por seu trabalho em “defesa do meio ambiente”.

41 Segundo os critérios do CIPAF as “ferias francas” se caracterizam por: 1) serem geridas por agricultores familiares; 2) estabelecem relação direta entre produtor e consumidor; e 3) serem realizadas no mínimo uma vez por mês (GOLSBERG e DUMRAUF, 2010). Visitei duas destas feiras em Misiones e entrevistei duas produtoras e feirantes. Nestas visitas constatei a presença dos mesmos produtos apontados pela pesquisa e uma participação significativa de mulheres agricultoras, mesmo que a característica mais marcante, quando foram questionadas sobre a produção, seja o trabalho familiar (2010, p. 11).