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4 Responsabilidade administrativa dos titulares das serventias e a Constituição Federal

A partir da análise dos dispositivos da lei 8.935/94 que tratam da responsabilidade administrativa dos notários e registradores, conclui-se que a apuração de ilícitos administrativos cometidos pelos delegatários é

bastante similar à sistemática estabelecida para a apuração de ilícitos dos servidores públicos. Não poderia ser diferente, uma vez que, embora o delegatário não pertença à espécie “servidor público”, inclui-se no gênero “agente público”.

Assim, pode-se dizer que a competência disciplinar do Poder Público consiste no dever-poder de apurar ilícitos administrativos e aplicar pena- lidades às pessoas que se vinculam, de alguma forma, à Administração Pública. O exercício dessa atribuição também é encontrado numa relação profissional, mediante a instauração de um processo administrativo para examinar se infrações funcionais foram cometidas por agentes no âmbito do Poder Público. Observe-se que o poder do Estado de punir seus agen- tes deve ser exercido quando necessário, mas sempre após a apuração dos fatos por meio de um processo adequado.

Além dos princípios da Administração Pública contidos no artigo 37,

caput, da Constituição, que devem nortear toda a atividade administrativa, o

processo administrativo deve respeitar os princípios da ampla defesa e do con- traditório, expressamente previstos na Constituição da República, no artigo

5º, LV17. Conforme afirma Romeu Felipe Bacellar Filho, os princípios da

ampla defesa e do contraditório devem ser analisados conjuntamente:

“O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo discipli-

nar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se i) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; ii) na exigência de defesa técnica; iii) no direito à instrução probatória que, se de um lado impõe à Administração a obrigatoriedade de provar suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compa- tível; iv) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame no processo.” (BACELLAR FILHO, 1988, p.347).

A ampla defesa e o contraditório são obrigatórios para a concretização do princípio do devido processo legal previsto no art. 5º, LIV: “ninguém

será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

17 Artigo 5ª, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine- rentes”.

R O S E N I P I N H E I R O ( O R G . ) Não foi simples coincidência a previsão da necessidade de um devido processo administrativo legal com ampla defesa e contraditório no Título II da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamen- tais. Em primeiro lugar, o processo deve ser compreendido como uma garantia de todo aquele que está sendo acusado de haver cometido uma determinada falta. Nesse sentido, o titular da serventia, acusado de come- ter algum ato ilegal ou irregular, terá a oportunidade de apresentar a sua defesa e comprovar suas alegações no desenvolvimento de um processo administrativo.

Após regular processo administrativo, portanto, deve ser penalizado o titular da serventia que, comprovadamente, cometeu ilícitos administra- tivos. Sanção administrativa, segundo Daniel Ferreira, consiste na “direta

e imediata conseqüência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, a ser imposta no exercício da função administrativa, em virtude de um comportamento juridicamente proibido, comissivo ou omissivo”. (FERREIRA, 2001, p.34).

Em virtude do princípio da legalidade e da tipicidade, compete à lei definir qual conduta configura ilícito administrativo e a sua correspon- dente sanção. Quanto ao princípio da legalidade, apenas em decorrência do exercício da função legislativa pode-se inovar o ordenamento jurídico, estabelecendo tanto a descrição do ilícito administrativo como a própria penalidade respectiva. Conforme Marçal Justem Filho assevera, “submeter

a competência punitiva ao princípio da legalidade equivale a afirmar que somente o povo, como titular da soberania última, é quem se encarregará de qualificar certos atos como ilícitos e de escolher as sanções correspondentes e adequadas”. (JUSTEM

FILHO, 2005, p.398).

Em relação à importância do princípio da tipicidade, assinala Geraldo Ataliba:

“O Estado não surpreende seus cidadãos: não adota decisões inopinadas que os aflijam. A previsibilidade da ação estatal é magno desígnio que ressuma

de todo o contexto de preceitos orgânicos e funcionais postos no âmago

do sistema constitucional”. (ATALIBA, 1985, p. 146).

Assim sendo, o princípio da tipicidade consiste na necessidade de que os comportamentos reprováveis estejam descritos por uma norma legal, atuando como uma garantia aos cidadãos para ciência das condutas admi- tidas ou não pelo ordenamento.

5 Conclusão

O sistema de serventias, compreendendo tanto a atividade notarial como a de registro, constitui um serviço público essencial, colocado à dis- posição da sociedade como um todo para garantir a segurança jurídica dos negócios realizados. A finalidade primordial do cartório é dar publicidade aos atos levados a efeito, utilizando a fé pública para dar-lhes autenticidade.

As serventias possuem natureza jurídica singular no ordenamento ju- rídico brasileiro - têm caráter público se analisadas por um ângulo (função pública delegada a um particular) e caráter privado (o titular é responsável pela gestão e assume os riscos da atividade) se observadas por outro prisma. O sistema de responsabilidades dos titulares das serventias passa, ne- cessariamente, pela discussão da natureza jurídica da função notarial e re- gistral, da natureza do vínculo entre delegatário e Estado e da forma de gestão da serventia.

A função notarial e registral em si é pública e como tal se sujeita ao controle administrativo do Estado, mais especificamente, do Poder Judi- ciário.

A natureza do vínculo entre o delegatário e o Estado é mista. O titu- lar da serventia não é servidor público em sentido estrito, mas, a partir da Constituição Federal de 1988, o ingresso na atividade notarial e registral deve ocorrer por concurso público de provas e títulos. Esses profissionais do direito desempenham uma atividade estatal, possuem discricionarie- dade limitada (são obrigados a seguir o que ordena a Lei, as Normas de Serviço editadas pelas Corregedoria dos Estados em que atuam, as deci- sões do Conselho Superior da Magistratura de natureza vinculante e as decisões dos Juízes Corregedores Permanentes) e se submetem ao contro- le do Poder Judiciário.

A gestão da serventia é privada. O titular da serventia assume os riscos inerentes à atividade. Não recebe remuneração do Estado, os emolumen- tos são sua remuneração (e parte dos emolumentos deve ser repassada para o Estado).

A administração da serventia é realizada pelo notário ou registrador; ele contrata os funcionários e controla o fluxo de caixa da serventia. Na verdade, controla as despesas do ofício, porque os lucros são controlados pelo Estado (os emolumentos são fixados em uma Tabela da Corregedoria

R O S E N I P I N H E I R O ( O R G . ) Geral do Estado e não se pode cobrar mais e nem menos do que o valor fixado na tabela, sob pena de sanção administrativa).

Em relação à responsabilidade administrativa desses profissionais do direito, a doutrina e a jurisprudência apontam no sentido de que notários e registradores devem ser tratados como agentes públicos.

A responsabilidade administrativa do registrador e do notário segue a mesma lógica de responsabilização dos agentes públicos (condutas puní- veis devem estar descritas no ordenamento jurídico e processo administra- tivo com contraditório e ampla defesa).

Referências

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