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Responsabilidade Civil subsidiária dos bancos pela emissão de cheques

A partir das premissas acima estudadas podemos afirmar que os bancos têm responsabilidade subsidiária pela emissão de cheques sem fundos, não pela ótica do Direito Bancário, diga-se, lei nº 7.357/85 - Lei do Cheque, mas sob o enfoque na nossa lei maior, na estrutura piramidal do ordenamento jurídico, a Constituição Federal, que nos traz como direito fundamental o seus artigos 5º, XXXII, e 170, V, dando amplo amparo a função social, destacando que o Estado deve atender a ordem econômica e amparar o consumidor.

Sendo estes princípios fundamentais do ordenamento jurídico, é justo que se observe como fonte primária para dar ao consumidor a garantia constitucional esperada. Para tanto devemos seguir os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, um conjunto de normas que visam a proteção dos direitos do consumidor dentro de uma relação de consumo, e que provocaram uma verdadeira transformação nas concepções do direito civil, principalmente no que diz respeito à responsabilidade civil e regras processuais, destacando aqui a responsabilidade objetiva do fornecedor face a prestação de um serviço defeituoso.

Conforme Marcia Regina Frigueri (1997, p.20):

O Código de defesa do Consumidor não exclui expressamente de sua incidência as relações de crédito bancário, o que conduz, hermeneuticamente, a conclusão de que o legislador não excluindo, não pode o intérprete fazê-lo, sob pena de cercear a evolução do sistema protetivo do consumidor. Deveras, em diversos dispositivos do CDC, o legislador teve o propósito de incluir as relações de crédito bancário.

Já está consolidado, inclusive através da Súmula nº297 do STJ que os bancos seguem as regras do Código de defesa do Consumidor, sendo considerados prestadores de serviços perante seus clientes, tendo direitos e obrigações, respondendo pelas regras estampadas nesta Lei extravagante, e subsidiariamente, pelos danos que vierem a causar aos consumidores por falhas na prestação do serviços.

Assim sendo, as instituições bancárias têm o dever de prestar um serviço de qualidade, e responderão por danos oriundos de um serviço defeituoso, quer seja por vício, negligência ou omissão.

No estudo acima, evidente ficou o entendimento de que a instituição financeira ao prestar um serviço de abertura de conta e liberação de talonários de cheque, sem qualquer controle, e sem buscar garantia para resguardar o direito daquele que receber tal cheque, está sendo no mínimo omissa em relação a seu dever como fornecedor de serviço. Também seus prepostos muitas vezes agem com culpa por negligência, buscando cada vez mais clientes para fechar cotas impostas pelas instituições, deixando de seguir regras básicas de cautela para movimentação regular de contas correntes. Devem portanto ser responsabilizados pela emissão de cheques sem provisão de fundos.

Citamos as palavras de Márcio de Melo Casado (2000, p.34) que diz:

Na hipótese de concessão inadequada de crédito, não só aquele que tomou o crédito está legitimado a ingressar com ação de indenização, mas também o terceiro prejudicado com o estado de insolvência da empresa (ou particular) gerado pelo banco fornecedor.

Importante ainda, tecermos discussão sobre a teoria do risco-proveito, estampada na lei consumerista, em seu artigo 14, a qual verificamos que a responsabilização se dá pelo simples fato de se colocar um serviço defeituoso no mercado consumidor. Assim, ao prestar um serviço defeituoso e este vem a causar dano a terceiro, surge a responsabilidade do banco, independentemente de culpa, pelo simples fato de ter fornecido o instrumento causador do dano. Ao consumidor, eventualmente lesado, que buscar a reparação do dano, bastará apenas demonstrar o nexo causal que o ligue ao serviço defeituosamente prestado, sem necessidade de se provar a culpa do agente.

Seguindo a argumentação da responsabilidade subjetiva dos bancos, importante transcrevermos trecho de uma decisão proferida pelo ilustre magistrado Eduardo da Costa, que julgou procedente um pedido de danos materiais contra instituição bancária, no Processo nº1271/01 da 2ª Vara da Comarca de Indaiatuba/SP, que diz o seguinte:

Na condição de fornecedor, o réu prestou serviços defeituosos. Isto ocorreu porque todos aqueles que recebem cheque como pagamento esperam que o banco tenha cumprido todas as normas regulamentares relativas à conta corrente e à entrega de talões de cheques. Trata-se de norma de senso comum, da observação do que comumente ocorre. Quem recebe um cheque acredita, de forma justificada, que a conta foi regularmente aberta e que a entrega do talão de cheque obedeceu as normas regulamentares. Tendo em vista as necessidades comerciais, tal crença é fundamental.

Isto se faz pensar porque o banco tem todas as condições para buscar garantias ao abrir uma conta e liberar um crédito para o correntista, o que não ocorre com o terceiro que recebe o cheque e não tem qualquer meio para consultar o saldo em conta, ou garantir o seu crédito.

Segundo se retira da referida decisão (2004) O serviço é defeituoso pois não forneceu a segurança esperada, gerando dano a terceiro, na medida que o correntista tinha posse de diversas folhas de talão de cheques sem a necessária provisão de fundos.

O prejuízo causado a terceiro pelo recebimento de um cheque sem fundos só é possível porque lhes foi fornecido o talonário sem a devida cautela, sem a garantia de saldo médio disponível. Logo temos que, no mínimo há uma solidariedade entre o emitente do cheque e a instituição bancária. Se esta lucra como o serviço defeituoso, necessária a sua responsabilização na forma subjetiva e subsidiária por não ter o correntista condições de adimplir com a obrigação.

Oportuna a transcrição da decisão do Ilustre Relator Desembargador Carlos Prudêncio em AI nº 1999.017295-3) assim estampada:

No Brasil, vigorou uma ditadura imposta por generais mandatários até a eleição de Tancredo Neves e, de lá para cá, persistem os ranços ditatoriais que estão impregnados na precária cultura brasileira, pois os que mandam continuam entendendo que o povo se mantém em sua prolongada passividade.

Temos que romper com essa letargia e isso só acontecerá se o judiciário cumprir rigorosamente seu papel, que é de expurgar das leis e dos costumes referidos atos ditatoriais, determinando que as autoridades públicas, infelizmente aí incluídos os banqueiros, pois estes mandam mais que aqueles devido à simbiose que há entre ambos, se acordem para o fato de que a grande transformação social por que passa o mundo não permite que a maioria numérica com direitos democráticos se submeta aos poucos que ainda estão impregnados de conceitos da monarquia absolutista.

Penso estar na hora de enfrentarmos uma realidade atual, que seja a da supremacia das teses das instituições financeiras em detrimento da interpretação as leis. Acredito que devemos repensar as decisões que interfiram no setor econômico, até mesmo para darmos uma resposta aos empresários e à população em geral no sentido de que o Poder Judiciário não permitirá abusos contra quem quer que seja e que somente a lei, aliada ao seu fim social, prevalecerá. Nada mais de obedecermos resoluções, portarias e demais atos administrativos em detrimento da lei. É de se atender ao mínimo as expectativas e anseios sociais no que pertine ao asseguramento, dos direitos garantidos na Constituição Federal, notadamente no que diz respeito ao princípio do devido processo legal (AI nº 1999.017295-3, Des Carlos Prudêncio, DJ de 25-5-2000)

É claro o desinteresse das instituições de crédito no sentido de tornar mais eficiente tal serviço, pois tem lucros astronômicos com a devolução dos cheques.

Em 2015, foram devolvidos 2,25% de todos os cheques emitidos. Isso representa um número de 1.295.541 cheques devolvidos só no mês de julho de 2015. À uma taxa média de R$90,00 (noventa reais) por cada cheque, teremos uma

cifra de R$116.598.690,00 (cento e dezesseis milhões, quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e noventa reais). Esse valor representa um lucro líquido para as instituições financeiras, decorrentes apenas de taxas de cheques devolvidos por falta de provisão de fundos.

Por todo o exposto nos leva a crer que o Poder Judiciário tem os meios a para moralizar a utilização desta cártula tão importante em nosso meio negocial, bastando para isso ter um comprometimento com os anseios da sociedade, e seguir as regras do Código de Defesa do Consumidor, para que as instituições bancárias prestem um serviço eficiente e garantido.

CONCLUSÃO

As relações de consumo estão presentes desde que passou a ser necessária a produção em alta escala de produtos, para atender as necessidades da população. A partir disso, evidente a necessidade de buscar maior segurança para o consumidor, menos favorecido nessa relação negocial.

O cheque, um título de crédito, a muito vem acompanhando estas relações por facilitar o pagamento do ato negocial. Para isso foram criadas leis para normatizar a utilização de tal cártula. Estas leis, sempre tiveram por objetivo garantir os interesses dos grandes banqueiros, em detrimento dos menos favorecidos, deixando desamparado o terceiro prejudicado quando não consegue cobrar um cheque por falta de provisão de fundos. Diga-se isso pois o cheque corresponde a título independente, não necessitando ser provada a relação contratual que o originou, bastando para sua cobrança, ter a sua posse e efetivar sua apresentação diante do sacado.

Sob este contexto e partindo do princípio de que, consolidado por decisão do Supremo Tribunal Federal, os bancos, sendo fornecedores de serviços, seguem as regras do Código de Defesa do Consumidor, devem ser responsabilizados, se disponibilizarem um serviço defeituoso, assim como qualquer outro prestador de serviços.

Ora, se na cadeia produtiva, todos respondem pelos prejuízos, mesmo não fazendo parte do negócio final, como podemos exemplificar o caso de um produto vencido, onde a indústria que o produziu, pode ser chamada, solidariamente a responder, quando o consumidor final busca reparação por ter adquirido o produto

vencido no estabelecimento comercial, que por vezes já é terceiro ou quarto sujeito negocial, como um banco, que presta um serviço de liberação de crédito, e tem o dever de zelar pelo saldo médio desta conta para liberação de talonário de cheques, não deveria ser responsabilizado subsidiariamente e ser chamado a reparar o dano produzido.

Atualmente o cheque parece estar em desuso frente a facilidade da transação por cartão de crédito. Porém, chama atenção quando em noticiários se vê novos recordes no número de cheques apresentados nas câmaras de compensação sem a devida provisão de fundos, gerando milhares de reais em prejuízos, quase sempre para micro empresários e pequenos comerciantes, sem que o poder público faça nada para moralizar este instituto de pagamento, por puro interesse comercial.

O estado detêm a jurisdição, e na sua carta magna estão estampados como direitos fundamentais a ordem econômica e a defesa do consumidor. A Constituição Federal, como lei maior, acima de todas as outras, deve ser observada e seguida.

Nada mais justo, seguindo este contexto, que se deve buscar os direitos fundamentais citados, resguardando os direitos do consumidor, fazendo com que os bancos entreguem uma melhor prestação de serviço a seus clientes, pois estes têm meios para salvaguardar seus direitos, e além disso lhe é garantido o direito de regresso, para cobrar de seus clientes, caso tenha que indenizar um terceiro prejudicado.

Por fim, devemos estar convencidos de que responsabilizar os bancos pelos cheques emitidos sem provisão de fundos, por parte de seus clientes, seria a melhor forma de moralizar este título de crédito, e exigir melhor prestação de serviços da instituição bancária, evitando os enormes prejuízos impostos à população.

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