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Criada a relação jurídica entre o banco sacado e o emitente do título estão presentes os requisitos para a emissão de cheque. A partir da emissão o artigo 8º da referida lei define três variações diferenciando o cheque nominativo, à ordem e ao portador.

O cheque ao portador se dá quando o sacador deixa de preencher o espaço destinado ao beneficiário do cheque ou escreve no referido espaço a expressão ao portador. Fazendo assim estaria abrindo mão do direito ser um título ao portador.

Contudo, conforme Mamede (2009, p.254) essa dinâmica sofreu alguma alteração em virtude da edição da Lei 8.021/90, vedar o pagamento ou resgate de qualquer título ou aplicação a beneficiário não identificado. Tal dispositivo tem função fiscalizatória e portanto segue a liberdade para se emitir cheque sem a discriminação do respectivo beneficiário. Esta exigência apenas se fará necessária quando da apresentação ao banco sacado, que terá que nominar a pessoa que está descontando tal cártula.

Oportuno falarmos do cheque “especial”, assim denominado para aquela cártula originada de uma conta corrente em que o banco, através de crédito concedido ao correntista, gera um limite para saque, quando este não dispuser de fundos suficientes. Esse cheque “garantido” dá uma maior credibilidade para quem porta a cártula com essa nomenclatura. Por se tratar de um crédito rotativo, o lucro advindo das tarifas de manutenção de conta são maiores, gerando maior lucro.

Já o cheque à ordem requer que se especifique o destinatário, aquele que vai sacar o cheque. Essa condição está esculpida no artigo 8º da Lei 7.357,85 e assim submetida ao regime jurídico de títulos à ordem anotados no artigo 910 do Código Civil. Também é licito nomear mais de um beneficiário e sendo assim cada um deles terá direito de receber ou fazer circular o cheque. Pode ainda o emitente indicar o cheque a sua própria ordem.

Por fim, o cheque nominativo que se faz por nomeação da pessoa, tem que estar acompanhado da cláusula não à ordem ou outra expressão que represente a mesma ideia. Com essa titularidade retira-se o cheque do regime de transferência cambial. Com esse efeito não fica proibida a transferência do crédito, mas para isso acontecer deve-se recorrer ao procedimento de cessão de crédito.

A Lei 7.357/85 cita ainda, em seu artigo 9º, III, o cheque administrativo que é emitido pelo banco sacado, para liquidação por uma outra agência. Nesta tipificação o emitente e o sacado são a mesma pessoa. Essa modalidade tem como pressuposto a nominatividade, ou seja, deve constar necessariamente o nome do seu beneficiário.

Ainda, referida lei, em seu artigo 7º, traz o cheque visado quando, a pedido do emitente ou do portador legítimo, o banco sacado, assina o verso do cheque declarando existência de fundos suficientes para liquidação do título. Nesse caso o banco está garantindo o saldo em futura apresentação do título, sendo que nesse caso é estipulado prazo para que se faça a apresentação. O cheque visado também tem que ser necessariamente ao portador. Conforme Coelho (2003, p.271):

O cheque visado é aquele em que o banco sacado lança declaração de suficiência de fundos, a pedido do emitente ou do portador legitimado. [...] O visamento não equivale ao aceite, posto que não vincula o banco ao pagamento do título, independentemente da existência de provisão de fundos. A única obrigação que lhe compete em virtude do visamento e a prevista no artigo 7º, § 1º, da Lei do Cheque: O sacado deve reservar, da conta corrente do sacador, em benefício do credor, quantia equivalente ao valor do cheque, durante o prazo de apresentação.

Se o banco não reservar o saldo que seja suficiente para a liquidação do cheque visado, responderá pelo pagamento do cheque ao credor, por não ter observado a determinação legal de garantir o que observou no verso do cheque.

Esta regra novamente se insurge contra o que preconiza a relação de consumo, onde a instituição deveria garantir por meios adequados, que o correntista que portasse talonário de cheques, tivesse um saldo médio ou bens que garantisse ao banco pagar o tomador do cheque, quando este busca a instituição sacada.

As decisões judiciais tem sido no sentido de não responsabilizar as instituições financeiras, seguindo as regras do direito cambiário, mais precisamente a Lei 7.35/85. Senão vejamos:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS

MATERIAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO BANCO PELA

EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDO POR CORRENTISTA.

INOCORRÊNCIA. TEORIA DO DANO DIRETO E IMEDIATO EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. NEXO CAUSAL AUSENTE. 1. O banco é mero sacado e não garantidor do cheque emitido por correntista. Ausência de responsabilidade à luz do direito cambiário. 2. A imputação da responsabilidade civil ao banco supõe a existência de nexo causal entre sua conduta e o dano experimentado. Quanto ao nexo causal, o sistema brasileiro adotou a teoria do dano direto e imediato (artigo 403 do Código Civil ), segundo a qual só existirá nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa. 3. No caso em discussão, não se pode

afirmar que a simples entrega de talonário de cheques a um

correntista é a causa necessária, direta e imediata do ato ilícito perpetrado pelo correntista, visto que houve uma condição sucessiva, qual seja, a atuação ilícita do correntista, essa sim a verdadeira causa

do prejuízo material experimentado pelo beneficiário do cheque.

Ausente o nexo causal, fica afastada a responsabilidade civil do banco. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. : Ante o exposto, esta Turma Recursal resolve, por unanimidade de votos, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos exatos termos do vot (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0053986-15.2014.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: Manuela Tallão Benke - - J. 29.06.2015)

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. EMISSÃO DE CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO BANCO. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO-PARADIGMA. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO BANCO SACADO. INEXISTÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO RECONHECIDA. Não há responsabilidade civil do banco sacado pelos danos decorrentes de emissão cheques sem fundo que forneceu ao cliente,

em função do contrato de abertura de crédito. Relação entre apresentante do cheque e banco sacado regrada pela legislação cambiária. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70030806657, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 30/09/2009) No caso em exame a parte requerida em verdade não praticou qualquer ato injusto; modo inverso, igualmente foi vítima da esperteza de um golpista. O banco não pode ser responsabilizado pelo cadastro ou pela honestidade de seus clientes, mas apenas por aquelas informações constantes do título de crédito, que no caso eram verdadeiras (nome, CPF, endereço,etc). Sentença confirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70051177319, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 29/11/2012)

Vê-se que tais decisões não levam em conta a jurisprudência de que as instituições financeiras, como prestadoras de serviços devem respeitar as regras do código de defesa do consumidor, e quando, ao prestarem um serviço defeituoso, não oferecendo a segurança esperada, vierem a causar dano a um terceiro, devem ser responsabilizadas e obrigadas a reparar o prejuízo causado.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E QUESTÕES DA EMISSÃO DE CHEQUES SEM PREVISÃO DE FUNDOS

Passaremos a partir do presente capítulo a tratar das relações de consumo, a relação jurídica que se dá entre fornecedor e consumidor. Matéria que, com o advento da Constituição Federal de 1988 passou a dar amparo aos sujeitos vulneráveis dessa relação, que passaram a ser chamados de consumidores. à partir da Lei especial 8.078/90 do Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor deu origem a um novo ramo do direito que se funda entre o direito privado e o direito público.

Conforme Benjamin (2008) antes da edição do Código de Defesa do Consumidor estes sujeitos de direitos eram identificados com outros nomes como contratante, cliente, comprador, como aquele que é transportado, o mutuário, quem contrata um serviço, o terceiro beneficiário de um seguro, enfim, o contratante ou terceiro-vítima do fato de um produto e de um serviço.

Essas denominações, tratando sempre o indivíduo como agente único de sua relação contratual começou a mudar com a necessidade do Estado de reconhecer uma real igualdade e participação social de todos os cidadãos.

Conforme ensinamento de José Geraldo Brito Filomeno (2014, p.5). “a medida que a sociedade se transforma, surge um novo elenco de aspirações e se produz um novo estado de consciência que implica novas exigências para a satisfação das necessidades básicas do ser humano.”

A Constituição Federal é a origem da tutela jurisdicional dada ao consumidor primeiramente pelos direitos fundamentais do artigo 5º, XXXII, como princípio da ordem econômica nacional no artigo 170, V e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estampado ato mandamental para se criar um código de defesa e proteção do consumidor.

Segundo Antônio Herman V. Benjamin (2008, p.25), o Código de Defesa do Consumidor, seria o conjunto de normas a cumprir este triplo mandamento constitucional conforme segue:

1) de promover a defesa dos consumidores (art.5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988: “O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor”); 2) de observar e assegurar com princípio geral da atividade econômica, como princípio imperativo da ordem econômica constitucional.” (art. 170 da Constituição Federal de 1988: “A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V-defesa do consumidor: [...]”; 3) de sistematizar e ordenar essa tutela especial infra constitucionalmente através de um Código, que reúna e organize as normas tutelares, de direito privado e público, com base na ideia de proteção do sujeito de direitos, um código de proteção e defesa do “consumidor” (art. 48 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.

A Constituição Federal é a garantia institucional de que os direitos do consumidor devem ser respeitados e reconhecidos como um direto privado voltado para satisfazer o anseio social e preocupado com os vulneráveis desta sociedade. Essa garantia estampada no artigo 5º, XXXII, ao trazer que o Estado promoverá a defesa do consumidor, erigiu essa defesa ao patamar de direito fundamental, impondo ao Poder Judiciário, o dever de considerar essa hierarquia constitucional quando o consumidor estiver em litígio.

Conforme Idemir Luiz Bagatini (2001, p.84):

O código de defesa do consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e de interesse social, com base nos dispositivos antes referidos. Diga-se de passagem que, sendo de ordem pública e de interesse social, o que consta na legislação é princípio inderrogável por vontade dos interessados na relação de consumo.

Podemos dizer que hoje, no Brasil, a proteção do consumidor faz parte dos princípios fundamentais e da ordem econômica da constituição Federal, princípio protetor da vulnerabilidade dos fracos em relação a vontade dos fortes, um direito privado ciente de sua função social.

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