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2.2 DIMENSÕES

2.2.1 Responsabilidade de prevenir

Com seu padrão de responsabilidade conjunta dividida entre cada Estado e a comunidade internacional, o diferencial da Responsibility to Protect é revelado a partir do respaldo oferecido à intervenção em todas as suas fases, desde a prevenção de ameaças até a recuperação de sociedades devastadas por severas crises humanitárias. Isso apenas demonstra a amplitude característica da R2P, justamente pelo fato de que ela foi disciplinada com vistas a melhor abranger as questões que põem em xeque a real necessidade do intervencionismo para a manutenção da segurança mundial. Nesta ordem doutrinária, surgem três distintas espécies de responsabilidade que se complementam, mesmo não estando necessariamente encadeadas entre si. Tais categorias foram explicitamente discriminadas no âmbito do relatório da ICISS, sendo elas dispostas como: responsabilidade de prevenir, responsabilidade de reagir e responsabilidade de reconstruir.

Em sua análise sobre a dimensão tripartite da responsabilização, Gareth Evans chega a sintetizar que a R2P:

É alargada a todo um continuum de obrigações: a responsabilidade de evitar situações decorrentes de atrocidades em massa; a responsabilidade de reagir a elas quando se constituirem, com um menu de respostas desde a persuasão até a formação coercitiva; e a responsabilidade de reconstruir depois de qualquer intervenção intrusiva.129

129 EVANS, Gareth. The Responsibility to Protect: Ending mass atrocity crimes once and for all. Washington,

Por hora, cumpre ressaltar as principais considerações envolvendo a responsabilidade de prevenir, cuja logística é cronologicamente anterior às violações massivas de direitos humanos, servindo, assim, para regulamentar os recursos dirigidos ao esgotamento das técnicas de solução pacífica (prévias ao recurso à força) e ainda para dispor de meios à viabilização de eficientes mecanismos de alerta precoce contra potenciais ameaças. Nesse sentido, muitos pregam que a prevenção deve ser visualizada como “a única dimensão mais importante da responsabilidade de proteger”.130 A R2P, na realidade, deveria ser entendida

como doutrina voltada predominantemente à prevenção de guerras e ao zelo pela paz, e não uma doutrina tipicamente reguladora de conflitos. Com isso, deve ser entendido que o exercício da responsabilidade de prevenir deve sempre estar pautado em medidas menos intrusivas ou coercitivas, pois certamente persiste maior vantagem – em custos humanos e financeiros – em simplesmente prevenir guerras do que em empreendê-las.

Para o sucesso na precaução de conflitos faz-se imprescindível compreender as principais causas que desencadeiam atrocidades em massa, para que as mesmas sejam devidamente remediadas e não se tornem fatores subjacentes de instabilidade. A pobreza, a desigualdade social, a má prestação de serviços públicos, os atritos de cunho étnico-religioso, a corrupção e o baixo desenvolvimento econômico são somente algumas das causas que precisam estar no foco das atenções na perspectiva pré-intervenção. Para a realização de tal investigação, coube ao International Crisis Group (ICG) o desempenho do trabalho preventivo, atuando através de uma análise de campo minuciosa em zonas de tensão.131

A ICISS assevera três condições centrais para que obtenha sucesso o processo de prevenção de conflitos e catástrofes humanitárias. Tais condições, em suma, são: a) o alerta antecipado (early warning): O aviso prévio de futura incidência de conflitos equivale a uma eficaz ferramenta disposta à execução dos métodos de prevenção, visto que indica a probabilidade de ocorrência de eventos ou aparecimento de condições degradantes; b) a efetividade das medidas de prevenção disponíveis (preventive toolbox): deve haver ciência de que as medidas políticas disponíveis são idôneas à prevenção; e c) a vontade política de

130 INTERNATIONAL COMMISSION ON INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY. The

Responsibility to Protect, 2001. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2016.

131 CUNHA, Mayara; et al. Responsabilidade de Proteger: Avanços e desafios na implementação de um novo

princípio para a proteção de indivíduos. In: SIMULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA SECUNDARISTAS, 11., 2012, Brasília. Proceedings... . Brasília: Editora da UnB, 2012. p. 178.

estimular a prevenção (political will): não apenas sistemas de alerta ou aptidão dos meios, deve haver igualmente – e principalmente – disposição política para aplicação das medidas.132

Especificamente quanto aos mecanismos de alerta precoce, o autor Marcelo Böhlke assenta que:

A questão do alerta antecipado envolve o acesso a informações sobre a instabilidade existente em determinada região que pode levar a violações maciças aos direitos humanos. A Comissão [ICISS] assinala, como parte dos acadêmicos, que o problema não é exatamente a falta de informação, mas a conversão de dados e

números em políticas e na vontade de fazer algo a respeito.133

Desta feita, através da análise de informações colhidas no local sob suspeita de ameaças à segurança, procura-se facilitar a tomada de decisão que serve de escopo às ações preventivas, como forma de assegurar a eficácia no sistema de early warning. As dificuldades para tanto são várias, uma vez que os mecanismos de alerta antecipado já implementados apresentam-se como desestruturados, carentes de patrocínio político e de natureza ad hoc, deixando praticamente à mercê da sorte as regiões situadas fora de seu radar.

Numa assertiva lógica, as medidas preventivas são muito mais propícias ao alcance da estabilidade vigorosa e duradoura, se comparadas com as medidas reativas. O motivo por que tal ideia aufere ênfase tática tem a ver com a desistência de investimentos em confrontos bélicos, os quais, uma vez evitados, surtem muito mais proveitos à sociedade, ao Estado e à comunidade internacional, fazendo com que estes consigam melhor filtrar suas preocupações e destiná-las a outras prioridades mais contundentes.

Assim, torna-se salutar o influxo que promova a racional mudança da “cultura da reação” para a “cultura da prevenção”, junto com a célere conversão de informações prévias em decisões políticas.134 A busca por garantir a continuidade da paz deflagra uma gama de

complexidades, haja vista que requer maior abertura ao leque de instrumentos constantes no direito internacional para lidar com as mais profundas e diversas causas ensejadoras de conflitos. Para consolidar a R2P como justificadora de ações interventivas, impõe-se a necessidade de reiteração das práticas de prevenção de desastres humanitários, de maneira a notabilizar fontes de solução pacífica e guiar as estratégias até o alcance da ultima ratio. Somente mediante a observação dessas recomendações, poder-se-á ter alguma ideia do quão válido é o exercício da mais relevante das responsabilidades.

132 BREAU, Susan. The Responsibility to Protect in international law: An emerging paradigm shift.

Abingdon: Routledge, 2016, p. 189.

133 BÖHLKE, Op. cit., p. 330.