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2.2 DIMENSÕES

2.2.2 Responsabilidade de reagir

Caso falhem as medidas preventivas, é preciso reagir diante da ameaça posta. Responder de maneira apropriada às crises que ocorrem ou estão prestes a ocorrer, racionalizando o uso da força, é atribuição dos postulados da responsabilidade de reagir, a dimensão mais fulcral durante o curso das guerras, quando já estão esgotadas as soluções diplomáticas ou não há mais tempo para medidas preventivas. A responsabilidade de reagir mostra-se a partir do momento em que há adoção das operações interventivas para solucionar crises sistemáticas de direitos humanos, caso o Estado não tenha capacidade de saná-la ou não demonstrar interesse sobre a questão. Antes do recurso a medidas coercitivas (uso da força propriamente dito), é essencial considerar medidas menos intrusivas, como coação política, jurídica e econômica.

Nesse sentido:

No entanto, há circunstâncias excepcionais em que o próprio interesse que todos os Estados têm em manter uma ordem internacional estável obriga-os a reagir quando toda a ordem dentro do Estado tem desmoronado ou quando o conflito civil e repressão são tão violentos que os civis estão ameaçados por massacre, genocídio ou de limpeza étnica em grande escala. A Comissão [ICISS] considerou as consultas que, mesmo em Estados onde houve a oposição mais forte em caso de infração à soberania, revelaram a aceitação geral de que devem existir exceções limitadas à regra de não intervenção para certos tipos de emergências. Geralmente expressa, a visão de que estas circunstâncias excepcionais devem ser casos de violência que tão genuinamente "chocam a consciência da humanidade", ou que representem um perigo tão claro e presente para a segurança internacional, que exigem a intervenção militar coerciva.135

Enquanto não exauridos os meios pacíficos de solução de litígios, percebe-se notória resistência ao recurso à força através da figura da intervenção militar. Contudo, existem circunstâncias fáticas nas quais não há condições de manutenção da paz por vias diplomáticas, mas persiste a exigência de proteção das vidas inocentes, em nome da moral e do senso de humanidade comum. Sem outra saída, a metodologia de imposição da paz através da coerção deve ser considerada como meio de pacificação, deixando de lado, para tanto, as regras de proibição positivadas internacionalmente.

135 INTERNATIONAL COMMISSION ON INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY. The

Responsibility to Protect, 2001. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2016. Tradução livre.

No que tange à legítima apelação aos meios peace enforcement, dever-se-ão atender basicamente os critérios abordados doravante, os quais consistem em limitações colocadas pelo relatório do ICISS para realçar o caráter extraordinário da medida. São eles: autoridade competente, justa causa, intenção correta, último recurso, meios proporcionais e prospectos razoáveis de sucesso.

Primeiramente, a determinação da autoridade competente para chancelar a medida é requisito inicial fundamental à validação de todo o processo subsequente, tendo em vista que deve vir do órgão legitimamente apropriado a autorização para agir em desvio da regra geral sem cair em estado de ilegalidade. Segundo o que proclama o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o poder decisório exclusivo acerca do uso da força é dado ao Conselho de Segurança da ONU, ainda que outros órgãos, como a AGNU, possam lhe fazer demandas e recomendações. Nesse caso, o Conselho fica com a estrita atribuição de legitimar intervenções em situações de insuportável calamidade humanitária, o que acaba por gerar dúvidas em torno da capacidade jurídica do órgão para desempenhar tal papel, da sua composição pouco representativa, da sua ambígua vontade política em homologar autorizações e da seletividade de casos originada com o exercício do poder de veto dos seus membros permanentes.136

O segundo princípio do peace enforcement é um dos mais abstratos, uma vez que mexe com peculiaridades morais na determinação de justas causas para o estopim das guerras interventivas. Destarte, o genocídio e outras violações humanitárias reúnem elementos constitutivos da repugnância moral que pauta o clamor por revide militar imediato. A justa causa, portanto, se adstringe à prevenção de numerosas perdas humanas que decorrem de assassinatos em série, da limpeza étnica, de atos de terror ou de injustas agressões em virtude do dolo, da negligência ou da incapacidade dos Estados em deliberar estratégias preventivas pontuais. Sobre a detecção dessas justas causas, assim afere a doutrina majoritária:

Outro exemplo de uma causa justa está ligado à questão da intervenção humanitária. A intervenção humanitária é justificada quando, nas palavras de Michael Walzer, é uma resposta a atos que "chocam a consciência moral da humanidade". Saber que houve violações flagrantes dos direitos humanos, genocídio ou outros atos choca a consciência humana coletiva. Com a mídia moderna e a abertura das sociedades, torna-se bastante fácil para qualquer cidadão interessado saber quando há uma justa causa para a guerra [...].137

136 BÖHLKE, Op. cit., p. 337-338.

Por sua vez, a exigência de intenção correta dos interventores integra os requisitos essenciais à justificação das operações militares, visto que vincula os objetivos bélicos ao ideal de prevenção ou interrupção do sofrimento humano. No entanto, já não se pode mais falar do cabimento real do altruísmo absoluto nessa matéria. Isso porque obviamente o custo orçamentário e o risco pessoal dos envolvidos em intervenções armadas instigam a ânsia por recompensas políticas pelos esforços empregados, o que não impede, porém, que a inspiração primordial da guerra seja altruísta.

Através do imperativo da guerra como last resort, almeja-se reforçar o caráter subsidiário da implementação da intervenção humanitária, que apenas pode ser justificada após fracassadas todas as opções não bélicas para resolução das crises. Tal princípio leva a crer que, depois que as medidas pacíficas não tiverem resultados práticos ou não puderem ser aplicadas em tempo hábil, torna-se consequentemente admissível a escolha de alternativas bélicas, que são mais incisivas à solução das questões. Quanto à utilização de meios proporcionais no curso dos conflitos, entende-se que a intensidade, a duração e a dimensão da intervenção devem ser as mínimas necessárias para defesa dos direitos humanos.

Por fim, vale salientar que deve existir um prognóstico razoável antecedente à própria intervenção, ou seja, a ação militar só se justifica se apresentar razoáveis chances de êxito. Caso contrário, a intervenção torna-se injustificada, pois poderia facilmente agravar a situação se fosse realizada e também pelo evidente desinteresse dos interventores em se aventurar numa operação previamente fadada ao fracasso. De acordo com Liliana Jubilut138, este

princípio está relacionado a duas lógicas: “a legitimidade dos propósitos” e a “escolha entre o menor de dois males”.

Através do estabelecimento destes princípios operacionais, a ICISS pretende balizar uma conveniente diagramação doutrinária da responsabilidade de reagir e, assim, melhor coordenar o curso das operações à consecução dos pretendidos fins humanitários.