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4 MUDANÇAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL: A

4.3 Responsabilidade Social das Empresas no Brasil

Na América Latina, o tema da responsabilidade social emerge em um cenário de Estado fraco, reformas neoliberais e democratização. Os fatores primordiais são a pressão e mobilização popular em questões como pobreza e desigualdade e o desenvolvimento de novas práticas gerenciais em resposta à crise econômica e às pressões da sociedade civil. Todavia, esses fatores se articulam de modo específico nos diversos países latino-americanos (AGUERO, 2002).

O primeiro fator apontado – “pressões de baixo” – relaciona-se às reformas econômicas e políticas nos anos 90, que reduziram a capacidade dos Estados latino-americanos de enfrentar os problemas de pobreza e desigualdade. O interesse de empresários em programas que abordem tais problemas parece responder a uma pressão social, associada à diminuição da capacidade de investimento do setor público.

O segundo fator associado à emergência da responsabilidade social empresarial na região relaciona-se a novas teorias e práticas na administração de empresas. De fato, a literatura da área tem enfatizado novos papéis para as corporações, novas tarefas para uma administração sustentável a longo prazo, demandando a criação de laços entre a empresa e a comunidade (AGUERO, 2002).

Em tal contexto, a “responsabilidade social das empresas” pode apresentar-se como uma resposta para o desafio da legitimidade. Esta resposta encontra ressonância junto a uma rede de organizações não governamentais, centros de pesquisa, agências multilaterais, que difundem e legitimam as idéias sobre responsabilidade social empresarial.

As organizações que promovem a idéia de responsabilidade social empresarial na América Latina são relativamente recentes. A Ação Empresarial do Chile foi criada em 1999, e a Fundemas, em El Salvador, em 2000. O Centro Mexicano para a Filantropia (CEMEFI) é mais antigo – foi criado em 1988 - mas apenas no final dos anos 90 voltou-se para a temática da responsabilidade social. Encontram-se organizações semelhantes na Argentina, na Colômbia e no Panamá.

As organizações latino-americanas mencionadas criaram um “Fórum” visando fortalecer seus objetivos e fomentar a responsabilidade social empresarial na região. A organização Business for Social Responsability –BSR, fundada em 1992 nos Estados Unidos, sediada em São Francisco, desempenhou um papel relevante na provisão de modelos para as organizações latino-americanas, e as assessorou em suas primeiras etapas (AGUERO, 2002; DUPRAT, 2005).

Essas organizações têm estabelecido uma vasta rede de relacionamentos com organizações não governamentais, organizações multilaterais, universidades, centros de pesquisa, movimentos sociais. Elas promovem conferências e oficinas nacionais e internacionais, desenvolvendo uma atividade de interlocução em relação ao tema.

Os fatores, anteriormente mencionados, que concorreram para a emergência da responsabilidade social empresarial na América Latina podem ser divisados no caso brasileiro, mas em nosso país tem também relevo uma mobilização específica entre alguns líderes empresariais (AGUERO, 2002).

A dinâmica mais importante da mobilização empresarial no final dos anos 80 e nos anos 90 origina-se principalmente da ação de um grupo de empresários paulistas organizados no Pensamento Nacional das Bases Empresariais – PNBE. Este grupo conseguiu articular uma presença nacional na mídia e se constituiu com um desafio às lideranças empresariais tradicionais. Começou suas atividades nos anos 80, no centro do conflito entre empresas e

sociedade. Buscou uma modernização nas relações industriais e participou no debate e na mobilização em torno aos temas de defesa de consumidores e do meio ambiente (KISIL, 2005). O movimento era liderado por Emerson Kapaz e Oded Grajew, por coincidência dois empresários do setor de brinquedos e dirigentes da Associação Brasileira de Fabricantes de Binquedos (Abrinq).

A Abrinq representa um exemplo, já no final dos anos 80, de envolvimento do empresariado brasileiro em questões sociais, especificamente relacionadas com a causa dos direitos da infância e da juventude. Esta entidade criou dentro de sua estrutura uma Diretoria de Defesa dos Direitos da Criança (núcleo da futura Fundação Abrinq) e se uniu a organizações que, após a promulgação da Constituição de 1988, pressionavam o Congresso Nacional pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (COSTA, A., s/d).

A conjuntura de transição democrática favoreceu que grupos empresariais iniciassem amplas discussões sobre temas de interesse nacional que ultrapassavam as fronteiras corporativas. A Constituição de 1988 e as denúncias de corrupção que culminaram com o impeachment presidencial em 1991 representaram um impulso para a consolidação de grupos de organizações empresariais que buscavam uma associação entre o poder público e organizações da sociedade civil. A Câmara de Comércio Americana – Amcham – expressando o papel das empresas multinacionais no Brasil teve um papel importante nesse processo.

A Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham) criou informalmente, em 1989, um “comitê de filantropia”, que se reunia a cada dois meses. No início dos anos 90, houve um desgaste na opinião pública em relação ao tema da filantropia. A CPI do Orçamento (1993) revelou esquemas de corrupção em que recursos públicos eram destinados a entidades sem fins lucrativos sem contrapartida. Veio a público que a Legião Brasileira de Assistência (LBA) estava no centro de um amplo sistema de corrupção (KISIL, 2005).

Esse cenário contribuiu para que o grupo participante das reuniões do “comitê de filantropia” da Amcham decidisse formalizar a criação de uma entidade que tornasse visível o fato de haver muitas organizações realizando um trabalho sério na área social. Este grupo foi o embrião do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas –GIFE (KISIL, 2005). Em 26 de maio

de 1995, realizou-se a assembléia de constituição do GIFE, com a presença de 26 organizações. O primeiro documento aprovado foi um Código de Ética.

A pauta de trabalho do GIFE diz respeito ao investimento social privado, que é algo bem mais específico do que a responsabilidade social: diz respeito ao modo como se realizam as ações da empresa na comunidade (filantropia), que é apenas um dos aspectos da responsabilidade social das empresas, a qual inclui também, segundo a teoria das partes interessadas, além do relacionamento com a comunidade, o relacionamento com os demais públicos (funcionários, clientes, consumidores, governo, etc.).

O GIFE foi a primeira associação da América do Sul a reunir organizações de origem privada que financiam ou executam projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público (AGUERO, 2002). Seus associados declaram procurar fazê-lo de modo de modo estratégico e não assistencialista (GIFE, 2006).

A base de associados saltou das 26 organizações que deram origem formalmente ao GIFE, em 1995, para 80 em 2005. Em 10 anos o número de associados cresceu 208%. Em março de 2007, a lista de associados do GIFE apresentava um novo salto, de 32,5% em relação a 2005, contando então com 106 investidores sociais (Anexo B).

Algumas empresas se uniram à vasta mobilização na campanha contra a fome que começa em 1993 com o sociólogo Herbert de Souza (Betinho). Esta iniciativa permitiu agregar diversos grupos, incluindo empresas e organizações sociais. Nessa campanha, o GIFE iria articular fundações e empresas com uma preocupação social e com interesse em aumentar o profissionalismo e a visibilidade do investimento social privado.

Nesse período, o Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais – Ibase promoveu com outras organizações da sociedade civil a campanha pela democracia, a equidade e a “cidadania empresarial”, além de promover a idéia de “balanço social”. O balanço social é um relatório de comunicação no qual a empresa apresenta indicadores sociais, ambientais e econômicos, em um formato sintético, de acordo com padrões pré-definidos (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 205), permitindo dar visibilidade às ações das empresas e favorecendo também um controle social.

Em 1998, um grupo de empresários e executivos, sob a liderança de Oded Grajew24, criou o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, qualificada como OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável (INSTITUTO ETHOS, 2003).

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social tem disseminado entre as empresas a noção de responsabilidade social empresarial, entendida como uma forma de gestão da empresa pautada pelo relacionamento ético com seus diversos públicos (stakeholders): o público interno (empregados); consumidores; clientes; fornecedores; comunidade; mídia; governo. A responsabilidade social resultaria, assim, de um conjunto de fatores, e não de ações da empresa consideradas isoladamente.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma das mais influentes organizações sem fins lucrativos envolvidas com a área de responsabilidade social no Brasil, para a qual oferece uma definição abrangente, que tem se tornado hegemônica no país. A orientação do Instituto Ethos é claramente fundamentada na abordagem dos stakeholders, em consonância com as ligações internacionais que o Instituto mantém, em especial o Business for Social Responsibility (GOMES; MORETTI, 2007, p.179).

Na agenda de responsabilidade social do Instituto Ethos constam diversos temas relacionados aos públicos de interesse das empresas, entre os quais códigos de ética, compromissos públicos assumidos pela empresa (como por exemplo, apoio às mulheres ou aos não-brancos); gestão e prevenção de riscos, mecanismos anticorrupção, promoção da diversidade, assim como a extensão desses compromissos a toda a cadeia produtiva na relação com os parceiros e fornecedores (INSTITUTO ETHOS, 2003).

No contexto da difusão da temática da “responsabilidade social” e do “investimento social privado” no Brasil cabe destacar, também, a criação do Instituto para o Investimento do Desenvolvimento Social – IDIS, em 1999. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos

24Foi um dos fundadores e primeiro coordenador do Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE). No

período de 1990 a 1998 seu nome ganhou notoriedade como Diretor-Presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente. Oded Grajew declara-se de esquerda e apoiou a candidatura de Lula à presidência da República no segundo turno das eleições de 1989, e nas eleições de 1994, 1998 e 2002. Também foi idealizador e membro do Comitê Organizador do Fórum Social Mundial, que tem ocorrido em Porto Alegre desde 2001, proposto como alternativa aos encontros de líderes de países desenvolvidos, em especial o Fórum Econômico Mundial, de Davos, Suíça.

cuja missão é orientar empresas na “profissionalização” de suas ações sociais. Alguns dos associados do GIFE serviram-se dos serviços prestados pelo IDIS na constituição ou aprimoramento de um “braço social” da empresa (BASF S/A; Arcor; Avon; Camargo Correa; Gerdau; Votorantim).

Gomes e Moretti criticam o caráter normativo da proposta de responsabilidade social do Instituto Ethos (GOMES; MORETTI, 2007, p.182). De fato, as justificativas para a responsabilidade social das empresas estão imbuídas de imperativos morais, mas muitas das decisões sociais das empresas envolvem equilíbrio de custos, interesses e valores conflitantes (PORTER; KRAMER, 2006), o que pode gerar uma distância entre a teoria e a prática.

Por outro lado, existe uma demanda crescente por recursos por parte de organizações sociais. As empresas recebem solicitações de doações, com pedidos aparentemente meritórios e urgentes. É comum o doador reagir à solicitação de maneira instintiva, colaborando com entidades de modo pontual. Faz doações diluídas, sem foco determinado, a um grande número de organizações. O resultado é que o benefício social é pouco efetivo, também por estar disperso. O doador não percebe os resultados e isto pode ser desestímulo a novas doações (DUPRAT, 2005; p. 24).

Carla Duprat (2005) sugere como exemplo de orientação estratégica na área social a mudança efetuada pela Avon S/A em sua atuação no Brasil. A Avon é uma companhia mundial líder de venda direta na área de cosméticos, presente em 143 países. A Avon criou em 2003 o Instituto Avon, que passou a ser responsável por gerir todo o investimento social da companhia no Brasil. Antes da criação do Instituto, a empresa realizou uma pesquisa entre revendedores e consumidores com o objetivo de compreender suas principais necessidades, e, com base nesse diagnóstico, definiu que o Instituto Avon teria como foco o combate ao câncer de mama (DUPRAT, 2005, p. 52). Com a criação do Instituto, a prática de “doações difusas” realizadas pela empresa evoluiu para uma estratégia de “investimento social”, a partir de um alinhamento entre o negócio da empresa (dirigido principalmente a mulheres) e uma demanda social de seu público interno e de consumidores. Além disso, o combate ao câncer de mama tem sido realizado pelo Instituto mediante parcerias com órgãos públicos.

Cabe observar que, entre nós, o termo filantropia está associado a ações assistencialistas e paternalistas. Nesse sentido, grupos progressistas da sociedade evitam usar a palavra

“filantropia”, pois esta evoca ações de “caridade”, movidas pelo sentimento de compaixão, que, no entanto, tendem a criar uma relação de dependência entre doadores e beneficiários, e a manter o status quo de uma classe dominante sobre os menos favorecidos da sociedade (KISIL, 2005).

A filantropia realizada de modo estratégico pelas empresas propõe uma conotação diferente ao termo, pois supõe, dentro de uma concepção de responsabilidade social das empresas, baseada na teoria das partes interessadas, que existe a possibilidade de conciliação entre objetivos econômicos e sociais, e que ações empresariais, sem prescindir do objetivo de lucro, poderiam também atender a expectativas sociais ou ambientais. Nesse contexto, a lógica do investimento social privado poderia tender a superar a lógica da doação assistencialista.

Na avaliação de Gomes e Moretti, “é imperativo concordar que um grande passo foi dado no sentido de reduzir o isolamento das empresas excessivamente centrado na área dos negócios” (GOMES; MORETTI, 2007, p. 180).

De acordo com Ana Cláudia Chaves Teixeira a emergência de uma nova visão em alguns segmentos empresariais, no Brasil, pode ser ilustrada precisamente por experiências inovadoras como as da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas-GIFE. A autora reconhece, entre as motivações implícitas para o investimento empresarial em áreas sociais, desde formas modernas de marketing empresarial até estratégias de recursos humanos para melhorar as relações dos funcionários com a empresa, aumentar o nível de produtividade, passando ainda por tentativas de estabelecer relações amigáveis com a comunidade ao redor da empresa a fim de evitar conflitos e reduzir os efeitos da crise social. E assinala:

Todos esses motivos, que estariam voltados mais para a melhoria do lucro empresarial, se combinam com discursos de responsabilidade social. O que é preciso observar é se a atuação desses setores tem contribuído para a desresponsabilização do Estado e até que ponto a lógica mercantil não suplanta a lógica de co-responsabilidade, que ao menos parte desse setor empresarial pretende imprimir às suas ações (TEIXEIRA, A, 2003, p.:99). Maria Célia Paoli aponta que as experiências de responsabilidade social empresarial podem ser apresentadas à opinião pública como prova de ineficiência das políticas públicas estatais. Além disso, as empresas privadas, operando através da racionalidade instrumental própria da

gestão mercantil, promovem indiretamente uma despolitização da questão social. Na opinião da autora, o ativismo empresarial, por mais sensível que seja às desigualdades sociais, tende, no cenário de desregulamentação estatal, a preservar as hierarquias desiguais e a recriar cidadãos dependentes da ação externa privada para a inclusão social. Afirma a autora:

[...] a regeneração da classe dominante brasileira apóia-se menos em uma clara lógica da cidadania e mais na eficiência da integração social para limitar o perigo e o risco inerente à presença aumentada dos excluídos e sem-direitos (PAOLI, 2003, p. 414).

Em linha similar, Gomes e Moretti chamam a atenção para a pouca atenção que a proposta de responsabilidade social do Instituto Ethos dá à participação do governo. Na visão dos autores, o papel do governo é de enorme importância para a responsabilidade social empresarial, por ser o principal agente das ações sociais e de assistência social, e também por ser o responsável em primeira instância pelas políticas públicas e pela catalisação de projetos voluntários coordenados por organizações não governamentais de todos os matizes (GOMES; MORETTI, 2007, p. 182).

Para Maria Célia Paoli falta ao movimento de responsabilidade social das empresas essa qualidade política. Nesse sentido, a autora destaca limitações do potencial contra-hegemônico que as novas formas de ação de parcela do empresariado nacional podem opor às políticas de desregulamentação social:

[...] um espaço público, civil e pluralizado não acolhe a figura do outro como receptores homogeneizados pela sua carência, nem aceita que os bens sociais produzidos socialmente sejam distribuídos discursivamente como generosidade privada de um doador ou de uma classe (PAOLI, 2003, p. 403).

Pesquisa coordenada pelo IPEA (2006) assinala que a forma predominante de ações sociais das empresas no Brasil é a doação, realizada de modo eventual e pontual. Gomes e Moretti assinalam que embora o discurso da responsabilidade social esteja associado a ações sociais “mais efetivas”, a prática mais usual de ações filantrópicas tem cunho assistencialista (GOMES; MORETTI, 2007, p.34). Marcos Kisil também observa que o modelo prevalente do comportamento dos doadores, no Brasil, responde ao atendimento pontual de problemas sociais e não a ações relacionadas às causas que os originam (KISIL, 2005, p.58).

Um dos principais desafios para atuar estrategicamente com o investimento social privado é precisamente definir um foco de atuação que possa produzir algum impacto social. Aponta-se a tendência recente de as empresas procurarem direcionar o investimento social para áreas que apresentem alinhamento direto com o negócio e que possam influenciar políticas públicas (DUPRAT, 2005).

Além do pressuposto de cumprimento das obrigações legais, o comportamento socialmente responsável das empresas pode se traduzir em ações filantrópicas, mas entendidas nesse contexto não como ações de doação de cunho assistencialista. As ações filantrópicas podem ser estratégicas se estiverem alinhadas com o negócio e ao mesmo tempo produzirem impacto social. O planejamento prévio e o monitoramento na aplicação dos recursos são condições necessárias – embora insuficientes – para haver impacto social. A aplicação de recursos em ações que estejam relacionadas com políticas públicas em inter-relação com o governo pode potencializar o resultado do investimento. Porter e Kramer (2006) afirmam que para que a responsabilidade social avance é preciso assentá-la sobre um amplo entendimento da inter- relação da empresa com a sociedade e, ao mesmo tempo, ancorá-las em estratégias e atividades de empresas específicas (PORTER; KRAMER, 2006, p 58).

A destinação de recursos de empresas aos Fundos da Infância e da Adolescência, geridos pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, oferece um âmbito para investigação do encontro entre o projeto de ampliação da participação democrática na gestão pública e o projeto de assunção empresarial de responsabilidades sociais.

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, no arcabouço legal brasileiro, têm por finalidade propor políticas e controlar a implementação das ações que promovam os direitos e melhorem as condições das crianças e dos adolescentes. Para tanto, os Conselhos gerem Fundos compostos em parte por doações que se beneficiam de incentivo fiscal. A convergência entre a existência deste incentivo no ambiente institucional e a demanda para as empresas atuarem de maneira socialmente responsável poderia suscitar o interesse de agentes oriundos do meio empresarial neste tipo de atuação. Além disso, o monitoramento dos recursos repassados – uma das características do investimento social privado - poderia ser favorecido pela natureza dos Fundos da Infância e da Adolescência, que estão abertos ao controle social. A destinação de recursos aos Fundos pode ser apenas uma ação de cunho assistencialista, como tende a ocorrer, em geral, por meio do mecanismo da “doação

direcionada” a projetos de atendimento eleitos pelas empresas, com prejuízo do papel dos Conselhos na formulação e controle da política. No entanto, a destinação de recursos aos Fundos também pode significar o apoio de empresas a projetos de divulgação de direitos da criança e do adolescente, ao custeio de estudos e diagnósticos sobre a situação do público infanto-juvenil, ao desenvolvimento institucional dos conselhos e à capacitação de conselheiros.

O levantamento exploratório de ações empresariais junto a Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, realizado no âmbito desta pesquisa, informa que a ação empresarial tem assumido diferentes feições. Ora essa atuação dá margem ao direcionamento da política por segmentos do setor privado, ora revela a possibilidade de apoio das empresas a políticas públicas, sem implicar direcionamento da política por um ator privilegiado (as empresas).

A destinação de recursos aos Fundos da Infância e da Adolescência não oculta os interesses mercantis das empresas, mas este não é o aspecto principal. Importa identificar como se dá a articulação entre os atores, para verificar a eventual despolitização do espaço dos Conselhos, o reforço de práticas de cunho assistencialista, ou, em outro sentido, a explicitação de interesses em jogo, sem detrimento da conquista dos direitos da criança e do adolescente, da responsabilidade do Estado pela política, da gestão democrática e do controle social.

Apresentam-se, a seguir, os resultados do levantamento exploratório da atuação de empresas associadas ao GIFE e de empresas vinculadas ao programa Empresa Amiga da Criança, da