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RESPONSABILIDADE SOCIAL DO DESIGNER Apoiado em dois pilares, Victor Papanek crê no design

interligado com as suas responsabilidades sociais e eco- lógicas. Numa tentativa de persuadir os designers a re- conhecer a sua responsabilidade social numa sociedade consumista, Papanek escreve o livro Design for the Real

World, em 1973, que rapidamente se tornou um suces-

so, sendo atualmente um dos livros mais lidos no mundo sobre design. Sobre a responsabilidade social do desig- ner, Papanek afirma que o discernimento social e moral do designer deve entrar em ação muito antes de se dar início ao projeto de design. Ao reconhecer a minoria do trabalho do designer que é realmente devoto a atender as necessidades da humanidade, Papanek questiona-se acerca dos motivos por detrás desta conceção. Porquê que, com meios suficientes para tal, o designer negligencia os problemas reais do mundo, limitando-se a projetos dire- cionados apenas à sociedade com um determinado modo e estilo de vida. É através de um hipotético escritório de design especializado exclusivamente dentro das áreas que respondem às necessidades humanas, que Papanek exem- plifica que o trabalho dedicado a este tipo de áreas não é minoritário, mas sim, maioritário.

Fig. 93 Bairro do Lagarteiro, no Porto. Projeto de reabilitação do espaço público.

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O escritório preocupar-se-ia com dispositivos de se- gurança para a casa, indústria, transporte, e outras áreas; e com a poluição, tanto química como termal, dos rios, correntes, lagos, oceanos, assim como, do ar. Os cerca de 75% da população mundial que vivem na pobreza, fome, e carência ocupariam seguramente ainda mais tempo naquele que é já o atarefado ho- rário do escritório hipotético(1) (Papanek, 1971, 76).

Exemplificando com casos de design que lidam com necessidades reais – os mais idosos e senis, as grávidas, os obesos, os carenciados –, que não só existem em países em desenvolvimento como também nos locais mais próximos do núcleo do designer, Papanek conclui que ao combinar todas estas minorias, ou casos especiais, estamos afinal a desenhar para a maioria. É neste território de caráter humano que o designer desenvolve um papel socialmente consciente, relevante para as necessidades das pessoas por todo o mundo, não limitado apenas a uma fração desta globalidade.

“The office would concern itself with safety devices for home, industry, transportation, and many other áreas; and with pollution, both chemical and thermal, of rivers, streams, lakes, oceans as well as air. The nearly 75 per cent of the world’s people who live in poverty, starvation, and need would certainly occupy still more time in the already busy schedule of our theoretical office” – citação original.

(1)

A noção de projeto vinculada à atividade do design, e por consequência, à tradicional relação designer/cliente, é para As- sis motivo de redefinição. A sua experiência com comunidades (em particular com a comunidade Quimbola de Conceição das Crioulas), onde observa de perto as diferentes formas de vida, mostrou a Assis que o designer e o design em si estão necessita- dos de uma reaprendizagem. As atuais premissas sobre as quais assenta o ensino do design de hoje remetem para o sentido de forma e função, suprimindo as questões culturais e sociais, “o que aprendi nestas comunidades foi que elas próprias desconfiam da

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ideia de projeto, ‘nós queremos o nosso modo de vida’” (Assis, 2018). Adianta ainda que grande parte dos projetos premiados na categoria de design social são des- cartados pela sua ineficácia. O envol- vimento do designer na comunidade deve anteceder o projeto em si, só aí é que o designer está a desenhar com as comunidades.

José Bártolo em O Designer como

Produtor remete para a função do de-

signer enquanto membro da sociedade e cooperante na construção do conhe- cimento social. Neste artigo, Bártolo realça a forma como o designer, enquanto agente ativo da so- ciedade e modificador de contextos, participa na mediação de novos significados sociais. Numa sociedade que se torna progres- sivamente plural e multicultural, é solicitado aos designers uma prática neste contexto social que se traduza em ações distintas e inteligíveis que permita que os vários intervenientes da socie- dade possam dialogar abertamente. É de igual forma pedido ao designer que passe a reconhecer o seu papel enquanto agente social crítico que participa ativamente com os restantes mem- bros da sociedade na procura pela transformação de aspetos da realidade. Estas transformações da prática do design culminam numa reversão do papel do designer de autor para colaborador, tornando-se desta forma, produtor social (Bártolo, 2009).

Fig. 94 Cartografia do território habitado pela comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas, no Nordeste Pernambucano, Brasil.

LITTLE SUN

O artista Olafur Eliasson e o engenheiro solar Frederik Ottensen juntam-se, em 2012, para desenhar o projeto

Little Sun. Acreditando no poder da luz solar e na influência

que esta tem sobre a população, Eliasson e Ottensen criam um projeto que procura redefinir a realidade de certos segmentos da população. 1,1 biliões de pessoas vivem sem acesso a rede de eletricidade imediata, sem poderem trabalhar ou estudar ao final do dia, estas populações en- O Designer como

produtor, de José Bártolo, 2009 →

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Fig. 95

Little Sun Diamond, do projeto Little Sun é o terceiro candeeiro solar desenhado por Olafur Eliasson.

cerram atividade assim que se torna noite. Os poucos que têm luz gerada eletricamente estão sujeitos a elementos tóxicos provenientes das perigosas e dispendiosas lâmpa- das de querosene – as mais comuns nas regiões da Áfri- ca Subsariana – que muitas das vezes são causadoras de incêndios domésticos. Eliasson e Ottensen fazem uso da energia solar para gerar luz artificial sem necessidade de recorrer a métodos potencialmente perigosos. A produção de lâmpadas solares que são vendidas a custo localmente acessível, possibilitam cinco horas de luz forte contínua. Esta alternativa ecológica acrescenta mais horas de luz ao dia, até então re- duzido, destas populações. Vendidas por toda a parte do mundo, a lâmpada do projeto Little Sun com o nome de

Little Sun Diamond, um pequeno ob-

jeto de luz em forma de diamante, é, também ele, meio de gerar negócio nos países da África Subsariana. O projeto treina e financia mais de seiscentos empresários nestes países a criarem o seu próprio pequeno negócio solar ao vender os produtos Little Sun, “esta geração de ‘luminaires’ traz luz e rendi- mento às suas comunidades” (Azzarel- lo, 2017). Eliasson refere, no entanto, que o projeto não é pensado para pessoas sem quaisquer recursos ou somente habitantes países da África Subsa- riana, “vejo Little Sun, e especialmente Little Sun Diamond, como [produtos] para pessoas que se reconheçam como tendo recursos” (Eliasson, in Azzarello, 2017). O objetivo foca-se em tornar a energia acessível a todos, seja em países desenvolvidos ou em países em desenvolvimento. O uso da energia solar não só torna possível que haja luz em sítios que de outra forma seria impensável, como também, reduz radicalmente as emissões de CO2 libertadas pelas

lâmpadas de querosene. Olafur Eliasson

launches little sun diamond, shining light on the need for ‘energy access for all’, de Nina Azzarello, 2017 →

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