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Ao final das entrevistas, pudemos concluir que para os entrevistados (jornalistas que atuam no mercado), na prática, todo jornalismo é/deve ser investigativo. Então, para eles, não há motivos para existir uma definição diferente para jornalismo tradicional e jornalismo investigativo. De acordo com Fabiana de Morais, uma das entrevistadas, o termo “jornalismo investigativo” é uma convenção, uma frase feita. Entendemos, ao final das dez respostas sobre esse tópico, que a diferença que existe entre jornalismo e jornalismo investigativo, é que

este último é caracterizado por ter uma atenção maior voltada para o assunto da reportagem, quando os repórteres se aprofundam mais no caso.

Segundo Andrea Trigueiro, também entrevistada, os teóricos acabaram fazendo uma “editoria”, como existem as editorias de saúde, cultura, economia, carros, esportes, então criou-se essa espécie de editoria. “Não é uma editoria, mas para que a gente possa entender, categorizou-se o jornalismo investigativo como sendo aquele que você tem um grau, uma complexidade maior para se cumprir aquela pauta, você às vezes usa alguns mecanismos, algumas práticas, algumas ferramentas, uma tecnologia mais aprimorada para poder encontrar a informação que você busca, mas, para mim, conceitualmente do ponto de vista da essência, todo jornalismo é investigativo”. Porém, é sabido que existem sim outras linhas de produção da narrativa jornalística que também são legítimas.

Através da entrevista, pudemos perceber também que aconteceram mudanças no modo de fazer jornalismo investigativo e que essas mudanças advêm do avanço da tecnologia, como o surgimento da Internet, do banco de dados, de materiais digitalizados disponíveis na rede, de construções de sites que reúnem dados e notícias que servem de fontes para jornalistas. Para Carol Monteiro, é visível o impacto da Internet sobre o jornalismo. “Não tem como negar a questão da Internet, das redes do acesso aos dados, isso é diferente. Você tem essa possibilidade de uma apuração e uma investigação muito mais fácil. Não que antes essa apuração não fosse feita, mas hoje é muito mais fácil. Você tem acesso a coisas a que não tinha antes, como banco de dados, troca de documentos, você tem acesso às pessoas”.

Para Luiz Carlos Pinto, estamos numa cultura que vem se digitalizando, “os dados passaram a ser mais fáceis de se acessar, se transportar de um lado para o outro. Então, esse é um aspecto muito importante para quem trabalha com jornalismo investigativo, que é a possibilidade de acesso a dados sensíveis, a possibilidade da digitalização da informação, da digitalização do segredo, porque o jornalismo investigativo trabalha com segredo”. Porém, para os entrevistados, essa mudança não aponta se o jornalismo melhorou ou piorou ou se pode piorar ou melhorar, a questão é que hoje existem ferramentas diferentes em tempos diferentes.

Além disso, concluímos que, para os entrevistados, as ferramentas leaks, ferramentas de vazamento de informações, (veja Seção 2.7 ) chegaram para os jornalistas mais como um apoio, que elas são fundamentais para o trabalho dos

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jornalistas, mas não significam uma mudança no modo de fazer o seu trabalho. O que mudou foi o fato de existir novas ferramentas, porque a base para se fazer o jornalismo continua sendo a mesma. “Eu diria que mudaram as ferramentas. Falando de um caso brasileiro, você tem relativamente recente a abertura das contas públicas, disponibilizadas na web e o jornalista tem muita informação lá para trabalhar. Tem gente especializada nisso, tirando dessas ferramentas informações que são muito valiosas. Então isso por si só já muda muita coisa”. É o que diz Marco Bahe. Para Carol Monteiro, após o surgimento das ferramentas leaks, há muito mais facilidade de esbarrar com uma grande história, uma grande pauta e de receber esse tipo de conteúdo. “Acho que com essa facilidade, com a existência desses sites deve ter surgido também uma nova forma de se relacionar com as fontes, principalmente com as pessoas que estão por trás dessas iniciativas, de uma forma mais segura”. As ferramentas leaks têm um papel relevante de minar a informação, de garimpar e disponibilizar para o acesso de todo mundo.

Este trabalho também aborda o estudo do Hacktivismo e tínhamos a intenção de saber se os jornalistas tinham alguma familiaridade com o termo e se conheciam grupos hacktivistas e o trabalho desenvolvido por eles. Dos dez entrevistados, nove conhecem o termo ou já ouviram falar, apenas um não conhece nem nunca ouviu falar. Porém, ficou claro que não existe um conhecimento aprofundado a respeito do termo pela maioria dos entrevistados. Alguns demonstraram uma visão simplista, associando o termo a “fazer ativismo na Internet”.

A partir do que ouvimos, pudemos perceber que, para os entrevistados, os hacktivistas podem trabalhar de maneira séria e usar a Internet para buscar alternativas futuras para o jornalismo. Para Eduardo Machado, “esse é um dos grandes caminhos que a gente tem aí pela frente. Agora tudo com responsabilidade”. Além disso, pudemos concluir que as práticas hacktivistas são importantes para o acesso à informação, para a democratização da informação, para tornar público o interesse público e lutam para mostrar a ambientes estruturados que existem pessoas, cabeças pensantes que estão questionando essas estruturas e que elas não estão soltas.

“Eu acho importantíssimo o trabalho dos hacktivistas, eu acho que a gente ainda vê com muito preconceito, o próprio termo é muito negativo. Mas o modo como eu vejo esse ativismo dos hackers utilizados para o bem, digamos assim, eu

acho vital. Algumas informações nunca chegariam a tona sem o trabalho dessas pessoas, desses piratas modernos, digamos assim. Eu acho muito importante, agora é preciso atenção, limites, limites legalmente estabelecidos, limites éticos, como privacidade pessoal e respeito à fonte. Eu acho que a gente tem esquecido disso, quando a oferta da informação é muito fácil, parece que não enxergamos o limite que a ética nos impõe ou deveria nos impor, a ética mesmo, não a deontologia. Quando temos muita informação disponível, a primeira reação é divulgar, e tem um limite aí ético muito forte que deveria ser respeitado”, expressa Adriana Santana. Para Andrea Trigueiro, as atitudes dos hacktivistas são um ato de desobediência civil.

A respeito do WikiLeaks, todos os jornalistas, com exceção de um, só conheciam o site/ferramenta “de ouvir falar”, nunca entraram na base nem utilizaram algum documento publicado pelo site. Ao avaliar as dez respostas sobre o tópico, pudemos perceber que os jornalistas enxergam o WikiLeaks de três maneiras: 1) O WikiLeaks tem um impacto no jornalismo, mas não traz uma mudança de fato para o jornalismo investigativo, é apenas uma ferramenta nova que pode ser usada na profissão, o que não significa dizer que todos os jornalistas irão utilizá-la; 2) o WikiLeaks pode ser uma fonte de informação muito boa, facilitando o trabalho de jornalistas; 3) o WikiLeaks é um novo capítulo da história do jornalismo e precisa ser discutido pelas escolas de Jornalismo, principalmente para se entender que tipo de impacto ele traz para a área.

Segundo Andrea Trigueiro, “o WikiLeaks, pelo seu conteúdo mais extenso, mais profundo, mais detalhado, ele é, sem dúvida, um grande marco para o jornalismo investigativo”. Porém, para Marco Bahe, apesar de acreditar que o WikiLeaks deu grande visibilidade ao jornalismo investigativo, “na essência, o Watergate e o WikiLeaks não tem diferença nenhuma. Um aconteceu num período da história e o outro, noutro. Então, a essência é a mesma, as ferramentas utilizadas é que são diferentes”. Carol Monteiro também segue o mesmo raciocínio de Marco Bahe, “sem dúvida nenhuma, eles (o WikiLeaks) encurtam caminho, abrem as portas e facilitam o trabalho dos jornalistas investigativos, mas não é uma coisa que só é possível com o WikiLeaks, que só é possível por conta dessas novas ferramentas. Não. De forma nenhuma, isso já existia sem WikiLeaks nenhum, como no caso do Watergate, quando o presidente americano foi derrubado”.

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Para Eduardo Machado, o WikiLeaks é um ponto de partida para se fazer um jornalismo independente, mas ele lembra que aqui no Brasil isso ainda está iniciando “e em Pernambuco, nem se fala”. Já Luiz Carlos Pinto, acredita que “o WikiLeaks é um capítulo da história do jornalismo ou o jornalismo tem que escrever alguma coisa, tem que entender o WikiLeaks como um elemento de mudança de paradigma do jornalismo sabe, acho o trabalho deles super importante e merece ser melhor discutido pelas escolas de comunicação, essa é uma preocupação que eu tenho nas minhas disciplinas”.

Para entendermos o nível de confiança no trabalho realizado pelo WikiLeaks, perguntados se os jornalistas usariam algum material divulgado por um grupo hacktivista, todos afirmaram que usaria, com a condição de checar a informação antes de publicá-la. Se não conseguisse, porque na maioria das vezes o prazo de conclusão da matéria é muito curto, colocaria ao final da matéria a fonte. Isso mostra, portanto, que o site e o movimento hacktivista têm credibilidade. A respeito dos Cypherpunks, apenas um entrevistado conhecia o termo e sabia sobre o trabalho realizado por Cypherpunks. Três jornalistas só ouviram falar a respeito. Os demais, nunca ouviram sobre. O que podemos apontar, segundo Luiz Carlos Pinto, é que “ao mesmo tempo que existe uma relação muito importante com o anarquismo, com a desobediência civil, (…) o trabalho do cypherpunk é visto como um terreno muito fértil para se pensar a cultura digital e a cultura contemporânea de uma forma geral. E o trabalho dessas pessoas é uma forma de acesso à informação, tem seus benefícios, mas a essência da atividade jornalística não foi mudada, o jornalismo não será feito somente se esse tipo de ferramenta ou trabalho existir”.

Sobre a relação entre jornalistas e fontes, pudemos concluir que proteger a fonte sempre foi prioridade para os entrevistados. Em toda trajetória profissional, os entrevistados prezaram pelo anonimato de suas fontes. “Essa é uma das primeiras preocupações, eu acho que é preciso respeitar se a fonte quer ser gravada, o que ela quer falar em off, eu acho que tem que ter muito cuidado sempre nessa relação, você tá lidando com um ser humano que tem tantos direitos quanto você”, é o que diz Inácio França. Para Paulo Rebelo não é suficiente apenas não citar o nome da fonte. É importante também ter certeza de que uma informação não pode ser associada à fonte e ela venha a ser descoberta. Rebelo conta que houve situações em que precisou segurar a matéria e não publicá-la porque não tinha certeza da segurança da fonte.

Com o intuito de entender até que ponto os jornalistas têm conhecimento de como podem se manter anônimos e proteger também suas fontes, procuramos saber se eles conhecem ferramentas digitais com tais propósitos, por exemplo, ferramentas que usam criptografia. Porém apenas um jornalista falou que utiliza de mecanismos criptográficos para se proteger e proteger suas fontes, entre eles, o Tor. Cinco dos jornalistas não conhecem nenhuma ferramenta tecnológica que dá anonimato no trabalho de troca de informações, alguns falaram em tom de pergunta sobre o Telegram como única opção. Os demais já ouviram falar no Tor (2 pessoas); no Linux (1 pessoa), em recursos criptográficos ou e-mail criptografados (2 pessoas).

“Na minha forma de trabalho eu uso recursos que me protegem na troca de informações, eu tento me proteger o máximo possível e isso também ajuda a proteger a fonte. Eu mudo a senha do meu wi-fi periodicamente, eu uso o Linux com uma série de recursos que permite que o meu IP seja dificilmente rastreado e não permita que eu seja monitorado e que meus dados de conversa sejam vistos. Eu não uso Facebook para nenhuma conversa estratégica, nenhuma apuração, eu não faço nada por inbox. Eu só uso o Facebook, aliás usando o TOR, quando eu preciso fazer um chat ou alguma emergência pelo Facebook eu uso algum recurso de criptografia que permite que o chat seja mais seguro. Email também uso com recursos de criptografia. E eu incentivo todas as minhas fontes a ter esse cuidado. Recentemente isso se tornou mais necessário porque vivemos em um ambiente de vigilância e quando você faz jornalismo investigativo você toca em assuntos que são desagradáveis para muita gente, então é mais uma razão de você se cercar dos cuidados, esse ambiente de digitalização do segredo entre outras coisas oferece potencialidades e ameaças. Tem que se cuidar, então eu procuro sempre passar isso para as minhas fontes”, explica Luiz carlos Pinto.

Sobre o futuro do jornalismo, os entrevistados acreditam que é possível apostar no jornalismo independente, no jornalismo de dados, no uso de ferramentas disponibilizadas por hacktivistas e na qualificação dos jornalistas (essa qualificação envolve entender sobre tecnologia e como usá-la). “Tudo passa pela qualificação e a tecnologia tem um papel fundamental nisso. Não somente ela, mas eu acho ela é essencial e eu não consigo mais enxergar o jornalismo sendo feito sem tecnologia. Você não precisa ser um especialista, um programador, mas você ter redações e mais redações onde a única coisa que jornalista sabe usar é o Word se torna complicado”, explica Paulo Rebelo.

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"Eu acho que se nós conseguirmos ampliar as possibilidades investigativas com o uso de ferramentas desenvolvidas por hacktivistas e elas facilitarem o acesso, nós temos como manter a ideia de que o jornalismo continua sendo um serviço público com uma função social muito definida. É uma visão meio utópica, meio fantasiosa, até meio sonhadora, mas é o que motiva jornalistas a continuar. Se pelo menos essas ferramentas puderem garantir que o jornalismo possa ser feito, eu acho que já é um grande ganho para o presente, não só para o futuro. Se essas ferramentas facilitarem, garantirem minimamente que temas secretos sejam divulgados nós já temos uma perspectiva positiva", afirma Adriana Santana.

Para Andrea Trigueiro, uma alternativa para o jornalismo investigativo é o jornalismo independente. “Acho que o futuro, uma alternativa, uma saída para o jornalismo investigativo é independência, uma mídia independente. A Marco Zero Conteúdo, aqui em Pernambuco, é um exemplo de forma auto sustentável, que possa se bancar e tirar a sua remuneração de forma auto didata, eu acho que esse é o caminho”. O jornalismo independente é praticado por jornalistas livres de qualquer sujeição, dependência ou acatamento, que apostam em matérias aprofundadas e de interesse público e lutam por liberdade de imprensa, direito à informação e democracia. Para sobreviver, esse jornalismo não recebe patrocínios de governos, empresas públicas ou privadas, mas sim de parcerias como fundações ou simpatizantes da ideia.

Para Inácio França, o acesso a bancos de dados torna mais rápido, eficiente e mais barato o trabalho do jornalista. É uma boa alternativa para não passar meses buscando informações de forma oficiosa. Jornalismo de dados é quando um jornalista trabalha com uma escala e um alcance absolutos da informação digital disponível.

Para Carol Monteiro, o jornalismo de dados capacita o jornalista para olhar os números, as informações, os dados que estão disponíveis na própria Internet com outro olhar, também em busca de boas histórias, de fazer correlações. “Eu acho que o momento é muito rico para o jornalismo em geral e particularmente para o jornalismo investigativo porque você tem essas informações disponíveis em banco de dados, o acesso às informações estão radicalmente ampliadas e você tem técnicas e ferramentas para acessar essas informações. Agora, como esse jornalismo vai ser feito? eu acredito que na mídia independente. São nesses espaços que o jornalismo investigativo tem mais campo para crescer, porque na mídia tradicional nós estamos acompanhando a crise financeira que compromete a

independência e a qualidade do jornalismo, então dificilmente vai surgir dali. Agora, uma outra dúvida é: como esse jornalismo vai se sustentar?”

Esse resultado será comparado mais adiante com o resultado da revisão sistemática que iremos obter depois de estudo detalhados de documentos científicos.

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