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De acordo com a leitura do “A investigação a partir de histórias, Um manual para jornalistas investigativos”, da Unesco; do trabalho de Williams (1982 apud VIEIRA, 2012) e as conversas que tivemos durante as entrevistas realizadas para este estudo, pudemos concluir um padrão no “processo de produção da

reportagem investigativa”. Antes de falar sobre o padrão, vamos relembrar os passos do manual, os passos de Williams (1982 apud VIEIRA, 2012) e mostrar alguns exemplos dados pelos entrevistados.

No manual publicado pela Unesco, os passos para construir uma reportagem investigativa são: (I) Descobrir uma questão; (II) Criar uma hipótese para verificar; (III) Buscar dados de fontes abertas, para verificar a hipótese; (IV) Buscar fontes humanas; (V) À medida que coletar os dados, organizá-los para que seja mais fácil examiná-los, compô-los na forma de uma história, e conferir; (VI) Colocar os dados em uma ordem narrativa e compomos a história; (VII) Fazer o controle de qualidade para confirmar que a história está correta; e (VIII) Publicar, promover e defender a história.

No trabalho de Williams (1982 apud VIEIRA, 2012), está escrito que muitas escolas e jornalistas conceituaram ainda nos anos 70 a prática do jornalismo investigativo em alguns passos simples: “Conception; Feasibility study; Go/no-go decision; Planning and base-building; Original research; Reevaluation; Go/no-go decision; Key interviews; Final evaluation; Final go/no-go decision; Writing and publication”. Em tradução livre, nós consideramos como: Concepção (a origem da investigação); Estudo de viabilidade (se tem critério de noticiabilidade); Decidir se continua ou não; Planejar a investigação; Pesquisar (procurar por documentos, pessoas, entre outras coisas); Reavaliar (se está indo no caminho certo); Decidir se continua ou não; Entrevistas chaves (procurar por fontes importantes); Avaliação final (verificar se as informações estão coerentes); Decidir se continua ou não; Escrever e Publicar. Vale ressaltar que este documento é de 1982, mas continua atualizado para os dias atuais. Dificilmente, todos os passos serão feitos em uma reportagem investigativa, principalmente, por estudantes ou iniciantes (MAGUIRE, 2014).

De acordo com as entrevistas que foram realizadas neste estudo, podemos citar três exemplos de como algumas reportagens tiveram início e como se desenvolveram. Um dos jornalistas conta que fez uma reportagem sobre um escândalo que envolveu o Banco do Nordeste. O banco abriu uma linha de financiamento para colônias de pescadores para compra de barcos novos e esse financiamento envolveu muita corrupção, muita interferência política. Na época, o Ministro da Pesca estava ligado a isso. O jornalista contou que recebeu um dossiê dentro de um envelope. O material foi enviado por uma fonte do setor pesqueiro, sem identificação. O jornalista conta que foi investigar todos aqueles documentos, checou um por um e até descobriu quem era a fonte durante a apuração, mas manteve sigilo. O jornalista publicou a reportagem, após checar e confirmar todas

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as informações, o que resultou em uma série de reportagem de mais de 20 dias seguidos de página dupla e acabou com o afastamento do Ministro da Pesca.

Outro jornalista, quando repórter de polícia, conta que foi cobrir um “caso corriqueiro”, um assalto no Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). O Jornalista contou que ficou incomodado porque o IPA fica ao lado de um batalhão da Polícia Militar. “Como é que se assalta um lugar que é do lado de um batalhão da PM?”, questiona Machado. Ele conta que o fato poderia ter saído no jornal apenas como uma “notinha”, mas ele conta que colocou um ingrediente a mais naquele caso. Ficou inquieto. Então, além de fazer toda a apuração no local do crime, ele resolveu ir até o batalhão falar com o comandante sobre o assalto. “O comandante estava bem seguro das informações dele e disse 'amigo, a gente teria dado toda cobertura se tivessem mandado pra gente um ofício dizendo o dia do pagamento'. E eu questionei 'mas todo mês não é o mesmo dia o pagamento? Vocês já não deviam ter esse entendimento?' Aí o comandante respondeu 'mas isso aí não funciona assim, tem que ter um ofício'. Aí eu fui e puxei da minha pasta o ofício, que tinha sido enviado e recebido pelo protocolo do batalhão, o qual foi avisando do dia do pagamento e mesmo assim eles não fizeram nada. Isso aí deixou o comandante muito desconsertado e no outro dia foi “pau” no jornal.

Um terceiro exemplo, de uma jornalista, conta que fez muito jornalismo investigativo na sua carreira. Ela conta que trabalhou em uma rádio que tinha um programa de jornalismo policial. “Dependendo do seu perfil, você ia fazer aquela matéria de polícia básica ou uma coisa mais elaborada, mais aprofundada. E eu sempre acabava fazendo uma matéria mais aprofundada. Acho que já era uma vocação, uma tendência minha, então, eu conversava com as pessoas da família, às vezes contestava a versão da polícia que, infelizmente, é sempre a versão oficial. A versão das instituições de um modo geral, é sempre a versão oficial. Então eu fazia um caminho diferente, eu tentava ouvir outras versões pra que houvesse justamente esse embate aí de ideias”. A jornalista conta também de um caso em que fez uma série de matérias que nunca foi ao ar. “A principal fonte da matéria levou um tiro”. A história é a seguinte, um homem mecânico de armas trabalhou para duas facções. “Ele era um grande mecânico de armas e ele também era traficante de armas. Então, aqui em Pernambuco tinha uma fábrica de armas e eu trabalhei muito nessa pauta. A gente fez várias microcâmeras, entrevistamos esse cara, fizemos imagens dele escondendo armas nos carros, ele tirava todo

aquele forro interno dos carros e transportava ali, parava nas blitzs e ninguém via. Mas descobriram que ele estava fazendo esse jogo duplo. A verdade é que ele perdeu um filho pro tráfico e aí ele queria se vingar passando informações. Descobriram isso e ele levou um tiro, ele só não morreu porque ele tava com uma caneta no bolso. E ele desistiu de fazer a matéria”. Observando esse caso, se não fosse a prudência da jornalista, a matéria teria sido publicada. Porém, uma vida estava em risco e a decisão foi não publicar.

Como foi dito, após avaliar as orientações do Manual da Unesco e de Williams e avaliar os três exemplos citados, podemos chegar, portanto, a um padrão de como se dá o “processo de produção da reportagem investigativa”, que é ilustrado na Figura 6 e explicado logo abaixo. Esta figura é baseado no diagrama de tividade do UML (Seção 3.2 ).

O padrão elaborado neste trabalho é formado por cinco passos (iniciar, investigar, cruzar, escrever e publicar). Como é possível perceber, o nosso padrão possui menos passos do que o Manual da Unesco e do que o processo de Williams. Os procedimentos são os mesmos, apenas sintetizamos o processo, porque o Manual da Unesco e o processo de Williams descrevem em detalhes (mais minucioso); enquanto os jornalistas (de acordo com as entrevistas) descrevem um processo mais direto, com menos passos. Como eles estão relacionados, primeiramente, nós iremos explicar o passo a passo estabelecido a partir do resultado das entrevistas; em seguida, vamos relacionar o nosso padrão com as orientações do manual da Unesco e com o processo de Williams.

O ponto inicial (Passo I) para que uma matéria ou reportagem investigativa seja escrita é quando o jornalista ou vê um fato relevante (com critério de noticiabilidade); ou tem uma inquietação a partir de observações diárias; ou recebe um material de uma fonte. A partir daí, o jornalista vai em busca de fontes para fundamentar suas informações e construir o seu texto. É a chamada apuração, a investigação, o Passo II. Antes de escrever o texto, o repórter precisa que as informações que possui sejam coerentes e de completude garantidas, precisa ouvir os dois ou vários lados da história, e cruzar as informações a fim de confirmá-las (Passo III). Caso o repórter possua as informações suficientes, ele escreve a matéria. Caso não, ele precisa voltar um passo, voltar à apuração e fazer as confirmações necessárias (Passo IV). Escrita a matéria, para publicar, portanto, é preciso ter cautela: pessoas citadas no texto podem correr algum risco após terem

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seus nomes publicados? Ou de alguma maneira a fonte pode ser descoberta? Caso sim, o ideal é não publicar o texto (Passo V). Caso não, a publicação já pode ser feita.

Figura 6 - Processo de escrita da reportagem investigativa.

Fonte: elaborada pela autora.

Agora, vamos comparar o passo a passo do nosso padrão com o passo a passo sugerido pelo Manual e por Williams. O Manual define que o primeiro passo para começar uma reportagem investigativa é o jornalista descobrir uma questão e o segundo passo é criar uma hipótese para investigar e acreditar que aquele assunto tem relevância. Com relação à Williams, nós identificamos quatro passos: Concepção; Estudo de viabilidade, Decidir se continua ou não e, a partir daí, Planejar a investigação. Olhando para esses dois passos do Manual da Unesco e os quatro passos de Williams, nós os assemelhamos com o nosso primeiro passo, que é quando o jornalista vê um fato relevante ou tem uma inquietação a partir de observações diárias ou recebe um material de uma fonte. Além disso, o jornalista

já questiona se o assunto tem importância para, então, dar seguimento a sua investigação, planejando-o.

O terceiro passo do Manual é buscar dados de fontes abertas (por exemplo, documentos públicos), para verificar a hipótese; e o quarto, é buscar fontes humanas. Williams também possui passos similares: nós identificamos esses passos como os passos 5 (Pesquisar) e 8 (Entrevistas chaves). Nós

definimos que esses dois passos se assemelham ao nosso segundo passo, quando o jornalista vai em busca de fontes para fundamentar suas informações, quando ele faz a apuração, a investigação. Vale ressaltar que vários passos de Williams são repetidos/similares (por exemplo, passo 5 é igual ou similar ao 8) para enfatizar a sua importância (MAGUIRE, 2014); por este motivo, nossoo passo 2 é equivalente aos passos 5 e 8 de Williams.

O quinto passo do Manual é organizar os dados que estão sendo coletados, para que fique mais fácil examiná-los, compô-los na forma de uma história, e conferir. Esse passo se assemelha ao nosso passo 3, que é quando o jornalista faz o cruzamento das informações que possui, se certifica de que tem dados completos a serem transformado em história e publicados. Esses passos se assemelham aos passos 6 e 7 de Williams. Passo 6 é reavaliação, ou seja, confirmar, checar os dados que possui e organizá-los. A partir do passo 6 de Williams, ele sugere pensar se deve ou não seguir em frente (passo 7).

O sexto passo do Manual é colocar os dados em uma ordem narrativa e

compor a história; o sétimo, é fazer o controle de qualidade para confirmar que a história está correta. Esses dois passos correspondem ao nosso passo 4, quando nós damos início ao processo de escrita da matéria. Nesse passo 4, portanto, o repórter só deve começar a escrita se possuir as informações suficientes, ou seja, de completude. Do contrário, o repórter precisa voltar um passo, à apuração, e fazer as confirmações necessárias. Esses passos se parecem com os passos 9 e 10 de Williams. O 9 é a avaliação final e o 10 é tomar a decisão de continuar ou não, baseado no que o repórter tem como informação.

Por último, o Manual define que o final do processo é publicar a história, passo que corresponde também ao nosso último, publicar. Williams descreve como último passo duas ações: escrever e publicar. Porém, difere do nosso, que decide que a escrita inicia no passo 4; e do Manual, que começa a escrita no passo 6.

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