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CAPÍTULO III A RETÓRICA NAS ORGANIZAÇÕES

3.3 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO

Embora existam várias teses, compêndios e até tratados sobre a argumentação (Perelman e Tyteca), trata-se ainda de assunto não esgotado

porque se utiliza da palavra, signo que, isolado, tem um significado e em contextos, em discursos diversos, tem seu sentido modificado.

É preciso refletir sobre a palavra: a forma como se ordena, os gestos, as inflexões, a postura. Trata-se de elemento de sedução, recurso imprescindível aos empresários para convencimento e persuasão no exercício da discursividade organizacional. Pode-se dizer que a palavra é uma ferramenta de trabalho à disposição da empresa. Ela possui um significado explícito, literal, mas pode ser utilizada em situações tácitas, em contextos implícitos. Até mesmo o silêncio, a ausência de palavras, é, no contexto discursivo, maneira eficaz de argumentar.

Vignaux (1976: p. 19) aponta os perigos de se definir argumentação: o primeiro seria confundi-la com demonstração. Segundo este autor, a

argumentação consistiria nos discursos com premissas prováveis e a

demonstração trataria das premissas verdadeiras.

Um segundo perigo seria tratar a argumentação como demonstração mal feita ou prática social que, por sua natureza, tornaria possível todo rigor científico.

Outro risco seria conduzir os usuários da língua a investigações sobre fenômenos de interação, que nunca seriam capazes de reconstituir as condições sociais reais, o que levaria a duvidar da eficácia da argumentação e, por isso, reduzi-la a conjunto de efeitos de persuasão e convicção.

3HUHOPDQ GL] TXH D ³argumentação visa à adesão dos espíritos e, por

isso mesmo, pressupõe a existência de um contato intelectual´ (1999: p. 16). $FUHVFHQWDTXHR³Tratado só versará sobre recursos discursivos para se obter

a adesão dos espíritos: apenas a técnica que utiliza a linguagem para persuadir e para convencer será examinada´  p. 8), mas se pergunta ³6H WRGD

argumentação, para ser eficaz, deve apoiar-se em teses admitidas pelo auditório, como pode ser medida, ou ao menos apreciada a intensidade de adesão? (1999: p. 19).

Se a demonstração se impõe necessariamente ao espírito, a argumentação procura e é um esforço concentrado à adesão modalizada dos espíritos. Não pode ir além. Por isso também, e contrariamente à lógica formal

que se situa em outro universo, a argumentação retórica pressupõe o contexto de um espaço público, entendido como conjunto de indivíduos que fazem uso público da razão. O que a existência de um espaço argumentativo pressupõe e implica é o reconhecimento do outro como interlocutor válido, a quem é possível colocar argumentos.

Evidencia-se, assim, a importância da presença de um auditório para a eficácia da argumentação. O estudo psicológico da maneira como a representação de certos fatos se faz presente na consciência, influencia sobre a eficácia de uma argumentação. Por outro lado, o conceito de auditório é apenas teórico, uma construção do orador. Isso porque seria, além de impossível classificar todas as personalidades, composições sociológicas e dinâmicas dos auditórios, admitir que a argumentação define-se essencialmente pela presença desse auditório e que, dessa forma, todos os discursos seriam produzidos em função das relações sociais que ele representa.

O conceito de auditório conforme colocado por Perelman reconduz ao Capítulo 1 deste trabalho. Todas as instâncias da comunicação organizacional são dirigidas a um auditório, interno ou externo à organização. O auditório interno se constitui dos indivíduos que, de algum modo dela fazem parte e o externo, é formado pelos clientes efetivos ou potenciais, fornecedores, governo e até mesmo concorrentes.

Perelman postula sobre auditório universal e particular e talvez se possa associar o conceito de auditório universal ao público externo e particular ao público interno. No entanto, essa questão não é tão simples e leva a outras reflexões.

A noção de auditório implica a (noção) de reconhecimento e sugere renúncia à violência, mesmo simbólica. Aliás, os termos que Perelman utiliza para definir seu auditório o aproximam da definição do espaço público. Diz ele: "... (o auditório é) o conjunto daqueles que o orador quer influenciar pela sua argumentação." (1999, p. 25). Nesse sentido é possível dizer que "influenciar pela sua argumentação" é o mesmo que "fazer uso da razão", ou seja, uma retomada da ideia grega de logos/legein ± de uma racionalidade discursiva.

Por outro lado, o reconhecimento do interlocutor por parte do orador/locutor persuasivo faz do auditório, em grande parte, uma construção do orador que define seus limites e sua identidade. Assim, por exemplo, quando o gestor de uma empresa afirma estar disposto a esclarecer determinado assunto à mídia, ele já definiu seu auditório que, aliás, transcende em muito os jornalistas. Na verdade, seu discurso é dirigido a um auditório bem mais amplo, que inclui clientes (externos e internos), públicos em geral, todas as mídias.

Nesse sentido, vale interrogar se existiria uma técnica discursiva retórico-argumentativa válida em todas as circunstâncias e para qualquer auditório. Perelman, ao fazer distinção entre "persuadir" e "convencer", estabelece que a persuasão se dirige a um auditório particular e o convencimento a um auditório universal: o importante, na argumentação, não é

saber o que o orador considera como verdadeiro ou como probante, mas qual é a opinião daqueles a quem se dirige .(1999: p. 36).

Em oposição ao convencer, que utiliza argumentos baseados na estrutura do real e argumentos quase-lógicos (Perelman, 1999), a persuasão se dá por meio da emoção, de uma argumentação passional.

Segundo o autor, argumentos baseados na estrutura do real são aqueles que se valem da estrutura da realidade para estabelecer uma solidariedade entre os juízos admitidos e aqueles que se quer evidenciar. Alguns deles: autoridade, direção, superação, desperdício, causal, pragmático. Os argumentos quase-lógicos são os que apelam para estruturas lógicas (contradições, identidade total ou parcial, transitividade) ou para relações matemáticas (parte com o todo, do menor para o maior, de frequência). São eles: contradição e incompatibilidade, identidade, probabilidade, divisão, comparação, inclusão, reciprocidade, transitividade, sacrifício.

Perelman admite três tipos de auditório: 1) universal, constituído pela ³KXPDQLGDGH LQWHLUD RX SHOR PHQRV SRU WRGRV RV KRPHQV DGXOWRV H QRUPDLV´ (1999: p. 33); 2) particularIRUPDGRQR³diálogo, unicamente pelo interlocutor a TXHP VH GLULJH´ (1999: p. 34); e individual IRUPDGR SHOR ³SUySULR VXMHLWR TXDQGR HOH GHOLEHUD RX ILJXUD DV UD]}HV GH VHXV DWRV´ (1999: p. 34). De qualquer forma, e por ser difícil delimitar o auditório particular, e porque os

argumentos dirigidos a auditórios particulares podem ser mais fracos, os enunciadores procuram elaborar seus discursos a um auditório universal.

Trata-se de uma universalidade e unanimidade imaginada pelo orador. O que o autor entende como universal é o modelo de todos os auditórios particulares, individuais ou íntimos. Nos três é necessária uma argumentação retórica:

uma argumentação que se dirige a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter constringente das razões fornecidas, da sua evidência, da sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências locais e históricas. (1999: p. 48).

O auditório individual é constituído dialogicamente por um só interlocutor, mas a questão acaba por ser a mesma, uma vez que se vê nele uma simples declinação do auditório universal: "o auditório único encarna o auditório universal." (1999: p. 48)

De qualquer forma e em boa parte, toda a argumentação precisa ser construída a partir do que se convencionou como seu auditório. O conhecimento psicológico, sociológico ou ideológico dele é, portanto, essencial à própria eficácia da argumentação, que decorre da importância que esse auditório tem na argumentação, cujo objetivo não é veicular propriamente a "verdade", mas a verosimilhança. Tal semelhança ao verdadeiro só pode encontrar um critério de validade ou justeza naquilo que pensa o auditório, qual seja o seu estado de espírito, a força da sua convicção ou crença, eventualmente pela argumentação aduzida.

Partindo do princípio que não se pode qualificar o auditório senão de maneira global, a argumentação necessita de mais dados para ser definida. Tal fato conduz à reflexão sobre a finalidade do discurso. Assim, a argumentação leva em conta que não existe discurso ingênuo: são sempre dirigidos a um "outro" com intenção premeditada: a de convencê-lo e/ou persuadi-lo da crença veiculada no discurso.

Meyer, ao comentar sobre retórica, associa o verdadeiro discurso ao

logos. Assim, a possibilidade de verdade contrária, por definição seria um erro. Acrescenta que

[...] a verdade é sem partilha ou deixa de ser verdade. A ambiguidade, o sentido plural, a abertura à multiplicidade das opiniões, não passam, pois de palavras-chave do incompetente que se esforça por falar de tudo para dar a impressão que sabe do que fala (MEYER, 2007: p. 18).

Segundo este autor, os verdadeiros problemas, aqueles que têm solução definida e incontestável não são assunto de debate, no sentido em que se entende a retórica, mas fazem parte da ciência justamente porque apresentam uma única resposta. Assim, a retórica é colocada para fora do campo do logos e assume todas as dificuldades associadas à coexistência de paixões, moral, lógica, dialética e até poética, no sentido que é necessário um estilo e uma ordenação discursiva.

Uma vez que não se chega a uma definição absoluta, aceita-se para os fins a que se propõe esse texto, que argumentação seja um conjunto de razões que defendem uma afirmação, uma tese; que há argumentação quando se trata de resolver, expor, alegar, abalar e que toda argumentação pode identificar-se com o enunciado de um problema, além de especificar que não se argumenta contra o óbvio, a verdade, o evidente, mas sobre o provável, o verossímil, o possível.

Argumenta-se para estimular a polêmica, a reflexão; construir debates, entrevistas, relatos; incentivar a reflexão crítica; examinar apelos, propostas, contrapropostas; enriquecer a visão de mundo através da diversidade de confronto, levando a juízos de valor; estabelecer diálogos, partilhar saber e vivência; estruturar troca comunicativa; buscar soluções nas situações de conflito.

Assim, pode-se afirmar que todo discurso se reveste de uma retórica, ou seja, com determinada maneira de definir a realidade conforme a visão que o retor deseja compartilhar. A retórica das organizações revela-se por meio de diferentes atos retóricos porque se destinam a influenciar as percepções das

pessoas e o andamento das coisas. Conforme se observou no Capítulo I, as atividades da comunicação organizacional podem ser consideradas como atos retóricos organizacionais: relatórios, entrevistas, cartas, notas de esclarecimento, cerimonial, jornais, entre outros, porque todos são veiculados por meio da palavra e por símbolos.

De acordo com Halliday,

o discurso está entranhado nos processos organizacionais porque estes dependem de atos retóricos para funcionar. [...] não se podem conceber desempenho, políticas, liderança, atos de responsabilidade social sem um discurso a secundá-los. (HALLIDAY, in: KUNSCH, 2009: p. 32)

Assim, a autora afirma que discurso e retórica fundem-se em um conceito único. Se o discurso é uma construção simbólica da realidade e a retórica seu revestimento, é possível dizer que o discurso é uma retórica na medida em que busca influenciar as relações humanas. Tais conceitos estão presentes em toda a interação organizacional ± desde a maneira de cumprimentar até a apresentação de um jornal, passando pelas manifestações orais e escritas comentadas. Recorrendo a Perelman, tais manifestações acontecem ³VHPSUH TXH D FRPXQLFDomRWHQWDU LQIOXHQFLDU >@, orientar modos de pensar, excitar ou acalmar emoções, guiar ações, ela pertence ao reino da reWyULFD´  p. 162).

É preciso mencionar que a abordagem retórica exercida nas organizações apresenta cunho pragmático, pois é um discurso com finalidade de obter resultado, exercer influência. Em outras palavras, remetem à legitimação, seja de produtos, serviços, desempenho, lucro, comportamentos, informações, políticas, causas, portanto, com vistas à elaboração de sua imagem, seu ethos.

De cunho retórico, torna-se possível afirmar que o discurso organizacional apresenta maior ou menor grau de subjetividade. Uma notícia veiculada em jornal da empresa, apesar de pretender mostrar fatos (PERELMAN, 1999: p. 74), é uma construção retórica e não foge à subjetividade que reside na própria escolha de palavras, nos argumentos.

Assim, e porque existe grande variedade de atos retóricos na organização, é possível analisar esses veículos discursivos sob diversos aspectos.

Em decorrência dessa diversidade e no sentido de enfatizar a característica retórica do discurso organizacional, uma visão multidisciplinar desse discurso é proposta pelo Centre for Researth in Organizational

Discourse, Strategy and Change:

x ação pragmática, pari passu com outras ações da organização para atingirobjetivos e cumprir compromissos;

x ação comunicativa pela qual a organização é legal e moralmente responsável;

x ação retórica, ou seja, o conjunto de atos comunicativos (atos retóricos) com os quais um agente, chamado de retor, constrói a realidade, por meio de palavras e outros símbolos, da maneira como deseja que seus interlocutores a vajem. Aos retores organizacionais ± os comunicadores gestores ± cabe o desafio e o poder de incluenciar essa construção. (HALLIDAY, 2009: p. 35).

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