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Retomada histórica do Componente Curricular de Língua Estrangeira

1. A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA

2.1 Retomada histórica do Componente Curricular de Língua Estrangeira

O ensino oficial de línguas estrangeiras, segundo Chagas, 1957 (apud Paiva, 2003, p. 54) teve início em 1837, com a criação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, que instituiu o latim e grego como línguas clássicas obrigatórias. De acordo com Leffa (1999)

Foi só muito lentamente, a princípio com a chegada da Família Real, em 1808, posteriormente com a criação do Colégio Pedro II, em 1837, e finalmente com a reforma de 1855, que o currículo da escola secundária começou a evoluir para dar ao ensino das línguas modernas um status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas. (p. 16)

Dessa forma, línguas como o francês, alemão, italiano, e inglês foram incluídas nos currículos escolares, mas foram perdendo espaço consideravelmente, em função de questões burocráticas e más administrações que não davam conta da complexidade do ensino de línguas, o que infelizmente, resultou na diminuição do espaço escolar destinado ao estudo dessas línguas, concepção que adentrou na primeira república. Devemos ressaltar que nesse contexto, o ensino era de acesso limitado a uma pequena parcela da população brasileira e visto como privilégio aos melhores, como analisamos no capitulo anterior, então, é suscetível entender que o ensino de línguas estrangeiras era muito restrito ao domínio da elite.

Segundo Oliveira & Paiva (2003) as Leis de Diretrizes e Bases (LDBs) estabelecidas em 1961 e 1971 ignoraram a importância das línguas estrangeiras ao deixar de inclui-las dentre as disciplinas obrigatórias. Ainda no parecer n. 835, de 12 de novembro de 1971, é justificada a intenção do ensino de língua estrangeira como mera recomendação, colocando que o ensino de LEs não são subestimados, mas se faz necessário considerar que o ensino dessas é conduzido com muita pouca eficácia. Assim, o ensino é recomendado, mas não obrigatório, em função de não ser garantido a título de autenticidade (PAIVA, 2003, p. 57/58). Muitos estudiosos da área, se questionam com o que significa o título de autenticidade, e até hoje sua definição não é clara, mas fica evidente que o legislador tomou a liberdade de classificar o ensino de línguas como não satisfatório na escola, estabelecendo uma lei sem se fundamentar nos

estudos da área. Possivelmente, essa lei estava atrelada ao ponto de vista da escola profissionalizante, o que não significava investir na formação humana, e sim na instrução profissional.

Em 1976 o ensino de uma LE é declarado como obrigatório para o 2ºgrau, porém, a escola, então, moldada para o ensino profissionalizante, a disciplina não foi vista como útil diante da formação técnica e sua carga horária reduzida, e consequentemente, o ensino foi negligenciado pelas instituições escolares.

Muito se passou no Brasil enquanto o ensino de LE continuou estagnado. Após um longo período de regime autoritário no Brasil, com muita luta que levaram a conquistas, a democracia foi reestabelecida e em 1988, foi instituída a constituição federal que previa um ensino mais democrático. Finalmente, em 1996, é aceita a nova LDB na qual é reconhecida o componente de LE como obrigatória, também, nas séries finais do ensino fundamental, o que inicialmente foi visto, segundo Rees (1998) como sinal de progresso e desenvolvimento nas práticas educacionais no país, o que será mais explorado a seguir neste capítulo.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) publicados em 1998, é sugerido que para incluir uma LE no currículo, deve-se pensar em três fatores: a história, comunidades locais e a tradição (1998, p. 15), assim, é possível proporcionar um ensino que seja mais significativo e contextualizado com a comunidade escolar de acordo com suas singularidades culturais. Muito mais que isso, no documento vieram as orientações curriculares oficiais referentes às abordagens e métodos para com a língua estrangeira sob enfoque comunicativo, alertando para a limitação das práticas que se detenham somente nos conhecimentos gramaticais, não considerando o texto e a comunicação em sua totalidade. As orientações ainda colocam sobre o histórico de métodos que moldaram e contribuirão com o ensino e aprendizagem de línguas, o método behaviorista, o cognitivista e o sóciointeracional:

As concepções teóricas que têm orientado os processos de ensinar e aprender Língua Estrangeira têm se pautado no desenvolvimento da psicologia da aprendizagem e de teorias linguísticas específicas, as quais, influenciadas pela psicologia, explicitaram o fenômeno da aprendizagem linguística. p. 55

Dessa forma, possível perceber uma visão que entende a integração e complementação de um método ao outro na linearidade do tempo, em função do

desenvolvimento das pesquisas que cada vez compreendem mais sobre como aprendemos uma língua. Nesse sentido, nenhum método é subestimado, mas é esperado que haja espaço para novas abordagens, considerando os novos contextos contemporâneos e novas formas de contribuir para a mediação da aprendizagem e ensino de uma LE, da mesma forma, em que é considerado que muitas vezes precisamos recorrer a métodos mais antigos, em função de que cada atividade demanda uma abordagem diferente. Esses pressupostos buscam construir para uma educação mais humana, significativa e contextualizada com o meio social, fugindo do ensino preocupado somente com a memorização de regras gramaticais, que não relaciona a gramática com seu uso na comunicação através do texto, dos gêneros textuais. Segundo pesquisa feita pela British Council (2015, p. 11), os PCNs representaram a esperança do avanço nas abordagens e métodos para com o ensino de LE:

Foreign languages at the average school have been almost entirely based on the study of grammatical formulae; the memorization of rules and a focus on written language give little context to students’ practical application of the language. Now as part of a major section of the National Curricular Guidelines – Languages, Codes and Related Technologies – it is hoped that Foreign Languages can play a more significant role as an essential means of international communication, as recognized in the national guidelines.

As propostas dos PCNs são articuladas através de alguns temas centrais que devem abranger a cidadania, a consciência crítica em relação à linguagem e os aspectos sociopolíticos da aprendizagem de Língua Estrangeira (p. 24). Assim, o ensino de uma LE deve contribuir como complemento aos conhecimentos de linguagem proporcionados pela Língua Materna, por meio de comparações com a LE em vários níveis, como também, possibilitar que o aluno construa significados nessa língua, e se constituía em um ser discursivo no uso de uma língua estrangeira. Uma visão democrática e crítica do ensino de LE é colocada, visando desenvolver discussões acerca do prestigio da língua inglesa, as variações linguísticas e a pluralidade cultural, o que nesse caso é possível relacionar com a análise crítica de discursos, explorando conceitos que abranjam e conscientizem sobre as relações de poder, a aculturação e a discriminação que podem ser construídas através da linguagem.

Outra contribuição muito importante vista nos PCNs é a abordagem acerca do outro e da alteridade, entendendo o ensino de LE como prática fundamental para que o sujeito, através do outro, se reconheça em sua própria singularidade, o que torna claro as

possibilidades de relações que podem ser construídas em outras disciplinas das ciências humanas em função da criticidade que pode-se explorar através desse componente curricular. No texto (p. 19) é colocado que

O distanciamento proporcionado pelo envolvimento do aluno no uso de uma língua diferente o ajuda a aumentar sua auto percepção como ser humano e cidadão. Ao entender o outro e sua alteridade, pela aprendizagem de uma língua estrangeira, ele aprende mais sobre si mesmo e sobre um mundo plural, marcado por valores culturais diferentes e maneiras diversas de organização política e social.

Entretanto, se por um lado os PCNs trazem muitas contribuições sob o ponto de vista democrático e crítico em relação à linguagem, e o que significa aprender uma língua estrangeira, e muito menos deixam indagações diante da relevância do ensino de uma língua estrangeira que o próprio documento defende; por outro lado, o documento deixa explicito, em alguns trechos, o pouco comprometimento e descaso com o ensino de língua estrangeira no trecho em que é colocado a leitura como foco de ensino que “pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes” (PCN, 1998, p. 21).

Neste trecho é revelado o descaso com as certas “condições existentes” nas escolas para o ensino da mesma. Segundo Paiva, o texto do PCNs, em vez de enfatizar a necessidade de se criarem condições para que a obrigatoriedade do ensino de LE na LDB de 1996 e a, consequente, necessidade de mudança nas condições de seu ensino alterem o contexto adverso gerado pela legislação anterior, fornece justificativas para a não realização do enunciado (p. 63).

Em outro segmento do documento, a priorização da leitura é defendida como a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato, o que produziu visões diferentes entre os especialistas da área, se de um lado existem na literatura autores que seguem o ponto de vista dos PCNS e reconhecem a leitura como eixo condutor diante das demandas esperadas de um cidadão em um mundo globalizado e as condições de ensino, como Herberle (2000), Motta-Roth (1998) e Almeida Filho (1996); por outro lado autores como Paiva (2003) criticam essa postura vinda de documentos oficias, defendendo sua perspectiva através das conexões existentes entre as quatro habilidades linguísticas o que pressupõe conhecer essa língua como língua viva e não como a língua morta com os seus textos escritos (p. 64).

É possível analisar é colocado a leitura como eixo norteador no ensino das mesmas frente às condições de ensino, o que possivelmente limitou as práticas na escola e, consequentemente, o ensino/aprendizagem do componente. Em outras palavras, não se buscou desenvolver as práticas, apesar justificar o porquê o contexto desse documento era limitado, embora por outro lado, há constatações que explicitam a contribuição do ensino para com a formação humana, como no trecho em que é colocado:

A aprendizagem de Língua Estrangeira contribui para o processo educacional como um todo, indo muito além da aquisição de um conjunto de habilidades linguísticas. Leva a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumenta a compreensão de como a linguagem funcional e desenvolve maior consciência do funcionamento da própria língua materna. Ao mesmo tempo, ao promover uma apreciação dos costumes e valores de outras culturas, contribui para desenvolver a percepção da própria cultura por meio da compreensão da(s) cultura(s) estrangeira(s). O desenvolvimento da habilidade de entender/dizer o que outras pessoas, em outros países, diriam em determinadas situações leva, portanto, à compreensão tanto das culturas estrangeiras quanto da cultura materna. Essa compreensão intercultural promove, ainda, a aceitação das diferenças nas maneiras de expressão e de comportamento (PCN, 1998, p. 37)

Entretanto, o sentimento de entusiasmo por progresso em ser proporcionalizado o ensino de uma LE perdeu seu foco nas práticas educativas, pois embora o sistema de orientações e sua teoria exploravam vários aspectos significativos, a prática acabou-se por sendo limitada por muitos fatores. De acordo com pesquisa feita pela British Council (2015, p. 11)

The legislation demonstrates an awareness of the practical nature that the teaching of foreign languages should take, this has not always been the case. Factors such as the limited number of hours allotted to the study of foreign languages, coupled with a lack of teachers with the linguistic and pedagogical background required have accounted for the non-enforcement of the legislation. Therefore, instead of training the student to speak, read and write in a foreign language, classes at secondary level often ended up taking on a repetitive character which can deprive both students and teachers of motivation for learning.

Contudo, entendemos que a legislação e a teoria talvez não tinham sido problema, mas sim as condições disponíveis, que não contribuíram para a estudo e reflexão das propostas do documento. A carga horária destinada à disciplina é apontada por Paiva (2003, p. 56) como grande agente para o problema do ensino e aprendizagem de LE, já que esse dificulta um ensino eficiente, o conceito de língua como sistema, o

excesso de foco na forma, somados à metodologia centrada no professor que impede o desenvolvimento de uma aprendizagem mais autônoma e a criação de um ambiente de aprendizagem que permita o aluno utilizará estratégias que privilegia em seu próprio estilo de aprendizagem.

O ensino de LE na escola acabou por se tornar desmotivador e frustrante conforme concluem pesquisas feitas por estudiosos da área. Para Leffa (1999, p. 29) o ensino regular de língua nas escolas regulares produz resultados menores do que as expectativas do público e muito menores do que os especialistas cogitam.

Em pesquisa realizada por Paiva (2007) é possível analisar narrativas de estudantes e até mesmo de professores, sobre como aprenderam a língua estrangeira. Relatos comprovam como alunos iniciantes facilmente se desanimam com a língua, pois logo no início do curso pela LE, se deparam com o estudo repetitivo da gramática, assim, os estudantes encontram dificuldades, já que não conseguem desenvolver noções das habilidades e competências que são esperadas para a comunicação na língua alvo. Dessa forma, acabam desanimados com o componente curricular, e se incorporam em discursos de que não capazes de entender regras da língua portuguesa, quem dirá da língua inglesa, ao mesmo tempo em que não encontram significado para a aprendizagem da LE. Também nessa pesquisa, aprendizes colocam que não consideram a escola como espaço de aprendizagem de LE, considerando cursos de idiomas, músicas, filmes e seriados mais eficazes, invertendo o objetivo, no qual seria de que esses últimos fossem complementos ao ensino em sala de aula.

As limitações do ensino da LE na escola pública produzem impactos na nossa sociedade, embora, não sejam muito perceptíveis. O compromisso da escola na formação humana e na consciência da relevância da linguagem falha conforme negligenciamos nossas práticas. Não podemos negar a língua inglesa como requisito no mercado de trabalho, mas os impactos vão muito além disso. É promovida uma procura muito grande nos chamados cursos de idiomas para consolidar, de fato, a aprendizagem de uma nova língua para fins empregatícios, como também, produziu impactos mais complexos. Um exemplo foi o programa “Ciências sem fronteiras” criado pelo governo federal brasileiro em 2011, com objetivo de consolidar e expandir os estudos de ciência, tecnologia e inovação no Brasil, por meio de intercâmbios possibilitados a acadêmicos, das mais diversas áreas, em universidades conceituadas mundo afora. Entretanto, não era esperado que a única fronteira encontrada poderia ser a limitação da comunicação, a insuficiência e a insegurança por parte dos acadêmicos brasileiros em relação a outro

idioma. Em entrevista com o Professor Paulo Speller (apud British Council, 2015, p.12), o ex-ministro de educação superior de educação no Brasil comentou:

There was huge demand to study in Portugal, and we eliminated the country from the list of options for students enrolled in undergraduate sandwich programs. There were 30,000 signed up to go, and the idea is that the students have the opportunity not only to live in another country, but also to develop fluency in another language, in particular—although not exclusively—in English. We realized that a large number of students did not have the necessary fluency in English, so we created a new program called English without Borders, which is currently operating in all, or virtually all, the federal universities.

Dessa forma, é possível entender as limitações às quais os brasileiros são destinados em função da precariedade do ensino público, resultando não só na restrição a intercâmbios, assim como, no favorecimento de quem teve condições de pagar pela sua formação em outra língua em cursos de idiomas, e como consequência, no desenvolvimento tecnológico, cientifico e acadêmico no país, os quais seriam desenvolvidos pelo programa, fazendo-se a necessidade de desenvolver outro programa para aprendizagem de outra língua no ensino superior.

Discussões mais recentes acerca do componente curricular de LE foram possibilitadas através da elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que se iniciou no ano de 2015, com a publicação de sua primeira versão e foram se intensificadas nas sugestões e debates das contribuições que a BNCC avaliou para o ensino de LE. O documento não muito difere dos objetivos e justificativas para com o componente nos PCNs (1998), porém amplia suas perspectivas para com o ensino e constitui um currículo comum aos brasileiros. No documento é enfatizada a multiculturalidade do Brasil e o contato crescente com outras formações socioculturais e nacionalidades, frisando o uso das tecnologias contemporâneas. Se percebe no documento a preocupação com o “aprender com o uso para seu uso” na área das linguagens, para a constituição como sujeito que age no mundo social em interações mediadas, assim como, enfatiza um ensino voltado para a problematização, reconhecendo as problemáticas do mundo contemporâneo relevantes para a relação de conhecimentos, considerando a necessidade de se expressar diante de problemas e discussões. O objetivo da LE, conforme a BNCC, é a interação em outras línguas e integrar-se em realidades marcadas pelo plurilinguismo e pela diversidade (BNCC, 2015, p. 30-31).

Entretanto, em meio a constituição da BNCC, como visto no capítulo anterior, o país enfrentou uma crise de diversos setores, política, econômica, educacional. A constituição do projeto desacelerou nas prioridades políticas diante da mudança da presidência da república, que ocorreu através da finalização de um processo de impeachment sofrido pela então, presidenta Dilma Rousseff, que teve início em 2015 e se finalizou com a perda do mandato da mesma em 2016.

O novo governo, ocupado pelo ex vice-presidente Michel Temer, propõe a reforma do Ensino Médio, colocando em pauta a Medida Provisória No - 746, de 22 de Setembro de 20165 na qual em sua primeira impressão, parece ser favorável ao ensino de LE, instituindo a língua inglesa como obrigatória nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. Nessa proposta são inclusas

§ 8º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.

Todavia, ao contrário da BNCC, essa reforma e sua proposta não tiveram a oportunidade de discussão pela sociedade brasileira, e tão pouco compreendemos suas propostas e os interesses que a elaboram, além do foco na formação técnica e profissional, buscando a inserção do jovem no mercado de trabalho. A averiguação e estudo dessa proposta são necessários a fim de entender a necessidade de instituir a LI como língua obrigatória, e se a proposta não se constrói somente em pressupostos utilitaristas voltados à preparação para o mercado de trabalho, ou ainda correndo o risco de se tornar uma disciplina optativa falhando na perspectiva de direito ao ensino da escola pública e democrática.

Para tanto, neste próximo passo iremos explorar o contexto que abrange a LI, para compreender o que está por traz da escolha quase unanime pela LI nos currículos escolares, como também sua especificidade, suas potencialidades, fragilidades e contribuições que podem e devem ser exploradas para o enriquecimento das práticas educativas neste âmbito.

5 Disponível em

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=48601-mp-746-ensino- medio-link-pdf&category_slug=setembro-2016-pdf&Itemid=30192

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