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Reuben Flagg , um marciano sonhador nos Estados Unidos da Ple

Os Estados Unidos privatizados de American Flagg!

1.4 Reuben Flagg , um marciano sonhador nos Estados Unidos da Ple

De forma resumida, Reuben Flagg é o segurança do Plex Mall de Chicago, cuja função básica é manter fora do estabelecimento aqueles que são considerados ameaças à ordem interna da estrutura. O pesquisador de quadrinhos, Keith Dallas, descreve Flagg como um personagem que se descobre dentro de um mundo regido por regras com as quais ele não concordava e que, “com coragem e audácia, [...] age para destruir o status quo” (2013, p.75 tradução nossa)120. Essa descrição do personagem é um pouco simplista, pois deixa de lado algumas características que ele possui e que o tornam um herói. De acordo com Howard Chaykin e Charles Meyerson, a biografia do personagem é a seguinte:

Flagg nasceu no Hammarskjold Center, Marte, no ano 2000 – cinco anos após o desastre natural, tecnológico e político, que fez o local tornar-se o lar de cada chefe e capital da humanidade sobrevivente. Flagg é um desistente da faculdade, um ex-cantor pop e ex-comediante standup, conhecido mundialmente como a estrela de vídeo “Mark Thrust, Sexus Ranger” (um vice-oficial “andando pelas ruas de uma grande metroplex urbana sem nome, indomada e repleta de doenças sexualmente transmissíveis”). Substituído por “tromplografia” – imagens geradas por computador que simulam a atuação – Flagg escolheu se juntar aos Plexus

Rangers na Terra – aparentemente inspirado na devoção de seus pais aos EUA.

Flagg tem pelo menos um talento incomum: graças a sua dieta marciana e seu metabolismo, ele pode ver as mensagens subliminares que o ASLC implantou na programação de vídeos, mesmo que sejam invisíveis para quase todos os outros (1985, p.26 tradução nossa)121.

Essa descrição indica que Reuben Flagg possui as características de um homem comum. Ele não é um herói provido de grandes poderes ou habilidade sobre-humanas; não terminou o ensino superior e, provavelmente por esse motivo, passou por diversas ocupações, nas quais não teve sucesso e acabou se tornando um agente da lei, em um local onde isso não tem muita importância de fato. Entretanto, por ter obtido certo sucesso como ator, podemos pressupor que o personagem tenha algum tipo de carisma. Outra definição um pouco mais completa do personagem é dada pelo crítico de quadrinhos Philip Schweier:

Reuben Flagg pode ser descrito como o herói arquetípico de Howard Chaykin, [...]. Chaykin diz: “Flagg combina elementos de Henry Fonda, William Holden e James Garner, que são os três arquétipos que incorporei em meu conceito sobre

120 “With bold audacity, Flagg acts to obliterate the status quo” (DALLAS, 2013, p.75).

121 “Flagg was Born at Hammarskjold Center, Mars, in the year 2000 – five years after natural, technological and political disaster made it the home of every surviving corporate chief and capital of Humanity. Flagg is a college dropout, a former pop-singer and standup comic, known worldwide as the video star “Mark Thrust, Sexus Ranger” (a vice officer “walking the mean streets of an unnamed, untamed and sexually-transmitted-disease-riddled sector of a great urban metroplex”). Replaced by “tromplography” – computer-generated images that simulate acting – Flagg chose to join the Plexus Rangers on Earth – apparently inspired by his parents’ devotion to the USA. Flagg has at least one unusual talent: thanks to his Martian diet and metabolism, he can see the subliminal messages the ASLC has implanted in video programming, even though they’re invisible to almost everyone else” (CHAYKIN; MEYERSON, 1985, p.26).

o como os heróis devem ser e agir. Você sabe, a graça sob pressão, decência comum e com a sensibilidade de uma cascavel.” (2010, p.4, tradução nossa)122.

A partir disso, podemos inferir que Flagg seja uma mistura de estereótipos masculinos, que aliam beleza física e um comportamento moral ético. Porém, o personagem também tem um elemento perigoso que o faz ser agressivo, quando necessário. Essa característica fica evidente no final da terceira edição, em um diálogo com Amanda Krieger; ela pergunta o que Flagg fez com o corpo de John Scheiskoff123 (responsável pela morte de Hilton Krieger), ele responde que deixou

o corpo inconsciente na estrada no caminho onde as Gogangs passam, ou seja, deixou seu adversário para morrer de uma forma bem cruel. Ao ouvir isso, Amanda diz o seguinte: “Você é uma doença em potencial. Estou começando a entender o que me atrai em você... além de seu rosto fofo e corpo legal. Uma atitude perversa. Uma venalidade real. Acho que é isso. Você é cruel... mas justo” (CHAYKIN, 1983, p.28, tradução nossa)124. Flagg tem um forte elemento violento, suas ações seguem um código moral peculiar, ele não hesita em fazer o que for necessário para dar a seus inimigos o castigo que considera justo. Em uma entrevista concedida a Kim Howard Johnson, em 1988125, Howard Chaykin diz que:

Apesar das outras mudanças, Reuben Flagg é praticamente o mesmo. “Ele ainda é o cara basicamente moral que pode ser seduzido por sexo ou poder – então, ele é como qualquer outra pessoa. Eu disse mais de uma vez que eu não faço personagens escoteiros porque não consigo escrever alguém que seja moralmente superior a mim, e é difícil escrever um moralmente inferior a mim” (2011, p. 109, tradução nossa)126.

Reuben Flagg também tem outras características importantes; por exemplo, o escritor Michael Chabon, na introdução do primeiro volume encadernado de American Flagg!, percebe um elemento inusitado no personagem e o define da seguinte maneira: “Seu herói, Reuben Flagg, não é apenas um presunçoso e autossuficiente pedaço de mau caminho – ele é redundante, tendo sido substituído [...] por um holograma; [...]. Ninguém é mais ciente da ironia e da sátira implícita

122 “Reuben Flagg might be describes as the archetypal Howard Chaykin hero, [...]. Chaykin says, “Flagg combines elements of Henry Fonda, William Holden, and James Garner, who are the three archetypes for who embody my concept of what heroes should look and act like. You know grace under pressure, common decency with a sidewinder’s sensibility.””(SCHWEIER, 2010, p.4).

123 Personagem importante na trama das 12 primeiras edições, era um supervisor da Plex que assassinou Hilton Krieger para ter controle da transmissora de TV pirata gerida pelo ranger e no final, acabou se unindo a ASLC e tentou envenenar a cidade de Chicago com armas químicas.

124 “You’re a potential pip. I Begin to understand what it is in you I find attractive… beyond the cute face and nice body. It’s a vicious streak. A real venality. I guess that’s it. You’re cruel... but fair” (CHAYKIN, 1983, p.28). 125 Republicada em: COSTELLO, Brannon. Howard Chaykin conversations. Mississippi: University of Mississippi Press, 2011. (p.109-115)

126 “Despite the other changes, Reuben Flagg is pretty much the same. “He’s still the basically moral guy who can be seduced by sex or power – so, he’s like anybody else. I’ve said more than once that I don’t do Boy Scout characters because I can’t write somebody who’s morally superior to me, and it’s difficult to write a lead who is morally inferior to me” (CHAYKIN, 2011, p.109).

de sua situação do que Flagg” (2008, s/p. tradução nossa)127. Essa redundância do personagem

seria devido ao fato de que, ao longo das histórias, suas ações, por mais que representem um esforço para combater a Plex, não provocam nenhuma grande mudança. Flagg realiza pequenas ações que atrapalham alguns dos planos secretos da corporação, porém isso não a impede de continuar com suas atividades. Para a Plex, o que o protagonista faz é tão insignificante que ela nem se dá ao trabalho de demiti-lo ou de tomar alguma medida mais drástica contra ele.

O próprio Flagg reconhece que sua situação é contraditória, por mais que não concorde com a empresa, ele não deixa de trabalhar para ela, sua luta contra a Plex é financiada pelo salário e os benefícios que ele recebe da própria. Ao que tudo indica, ele continua sendo um ator, só que está representando um papel de um policial “rebelde” que discorda das ordens de seus superiores, não diretamente, é claro. Ele finge concordar com o status quo para se manter dentro da instituição, mas segue suas próprias regras e secretamente boicota os planos da empresa. Pode-se dizer que Flagg age com cinismo em relação às regras e aos padrões corruptos da Plex e da sociedade. Porém, não chega a romper definitivamente com eles, age entre as brechas de poder que a corporação possui e, através disso, tenta viver de acordo com suas ideologias. Quanto a esse cinismo do personagem, Howard Chaykin, em uma entrevista concedida a Ed Bryant, em agosto de 1985128,

quando questionado sobre se Flagg era um personagem inocente em um mundo cínico e quanto de cinismo havia na revista, o autor deu a seguinte resposta:

Eu sou razoavelmente cínico, mas também tenho uma tendência a ser um pouco ingênuo. É um dos problemas com qual lutei nos quadrinhos desde a primeira palavra. Flagg é, até certo ponto, um pouco de reflexo da minha personalidade, e reflete algum cinismo, mas também é um romântico facilmente iludido, o que me define perfeitamente (2011, p.58, tradução nossa)129.

Outro dado importante é que, além de refletir alguns dos ideais políticos do autor, Reuben também tem a mesma orientação religiosa, ele é judeu, apesar de nas HQs, a religião do personagem não ser muito explorada, só em momentos em que ele confronta personagens neonazistas. Somando os dados expostos, podemos caracterizar Reuben Flagg como um herói com os seguintes atributos: aparência física atraente, carismático, com certas doses de ingenuidade, romantismo e cinismo, moralmente justo, porém passível de ser corrompido por sexo ou poder e, quando necessário, não hesita em agir com violência, e é um judeu não praticante.

127 “Its hero, Reuben Flagg, is not just a preening, self-regarding piece of beefcake – he’s redundant one, having been replaced, […] by a hologram; […]. Nobody is more aware of the irony and implicit satire of his situation than Flagg” (CHABON, 2008, s/p.).

128 Foi publicada originalmente na revista Mile High Futures e republicada em: COSTELLO, Brannon. Howard

Chaykin conversations. Mississippi: University of Mississippi Press, 2011. (p.57-78)

129 “I’m reasonably cynical, but I also have a tendency to be a bit of a naïf. It’s one of the problems that I wrestled with in the book from word one. Flagg is, to a certain extent, somewhat of a reflection of my personality, and reflects some of the cynicism, but also is an easily deluded romantic, which defines me perfectly” (CHAYKIN, 2011, p.18).

Os atributos físicos do personagem fazem com que ele tenha um relativo sucesso com as mulheres. Em quase todas as edições de American Flagg!, Reuben aparece em cenas de sexo com alguma das personagens femininas da série, que também aparecem em cenas de ação armadas e ajudando Flagg a combater algum inimigo. Entre suas parceiras (de cama e combate) recorrentes, destacam-se: a já mencionada, Amanda Krieger, a capitã de zepelim Crystal Gayle Marakova, a Ranger e filha do prefeito, Medea Blitz, a médica neonazista, Titania Weis130, a Ranger texana, Kristen “Bullets” Kisco, Grace DeWolfe, a primeira namorada de Flagg, entre muitas outras. Todas essas personagens têm em comum o fato de serem apresentadas como mulheres fortes e independentes, que pouco necessitam da ajuda do personagem masculino. Em muitos casos, são elas que salvam a vida de Flagg ou são de grande ajuda para o personagem, principalmente, Amanda Krieger, Medea Blitz e Crystal Marakova.

American Flagg!, por ser uma história em quadrinhos com um grande teor de sexo não explícito, muitos críticos a classificam como sexista e machista131, dada a forma como as mulheres são estética e fisicamente representadas: rostos jovens (mesmo as de mais idade como, Gretchen Holstrum e Bullets Kisco), corpos magros, seios fartos, pernas longas e bem definidas. Muitas aparecem com lingeries à mostra ou com roupas muito curtas, indicando uma tendência a objetificação da imagem feminina e o culto a um determinado estereótipo de beleza. Esse tipo de representação visa a atrair a atenção do público masculino para a revista. A opção por desenhar mulheres dessa forma, sugere a predominância de uma visão machista e sexista sobre o corpo feminino. Entretanto, nas HQs é possível identificar que Chaykin procurou, dentro de suas limitações, criar personagens femininas que não são apenas objetos sexuais disponíveis para satisfazer o personagem principal.

As narrativas de American Flagg! sugerem que, no futuro idealizado pelo autor, as práticas sexuais são relativamente livres. Aparentemente, não há nenhum tipo de coação moral sobre a prática, já que é algo constantemente exposto como mercadoria ou como forma de saciar os desejos. Devido a isso, as personagens femininas têm a possibilidade de desfrutar de relações sexuais casuais livremente, sem ter que se preocupar com algum tipo de coerção social ou moral. Contudo, aparentemente, isso não vale para mulheres casadas, como ilustra o caso de Peggy

130 Titania é uma antagonista frequente na série, ela faz parte de um partido político neonazista, os Gotterdammercrats e é especialista em robótica aplicada ao corpo humano, domina a tecnologia para produzir clones, androides e próteses mecânicas avançadas.

131 Entendemos machismo como: “[...] sistema de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração, de dominação, de sujeição entre o homem e a mulher. [...] O machismo enquanto sistema ideológico, oferece modelos de identidade tanto para o elemento masculino como para o elemento feminino” (DRUMONT, 1980, p. 81). Quanto ao sexismo adotamos a definição de que ele: “[...] pode ser entendido como um resquício da cultura patriarcal, isto é, como um instrumento utilizado pelo homem para garantir as diferenças de gênero, que se legitima através das atitudes de desvalorização do sexo feminino que vão se estruturando ao longo do curso do desenvolvimento, apoiadas por instrumentos legais, médicos e sociais que as normatizam” (FERREIRA, 2004, p.120).

Krieger (verdadeiro nome de Gretchen Holstrum132), esposa do Ranger Hilton Krieger e amante

de Charles Keenan Blitz; quando Hilton descobriu que ela mantinha uma relação extraconjugal, ele a expulsou do Plex Mall. Assim, se as mulheres se casam, têm que arcar com um contrato conjugal monogâmico, contudo, a infidelidade masculina é totalmente tolerada.

Em American Flagg!, mulheres solteiras têm uma relativa mobilidade para escolher seus parceiros, mas por causa do grau de corrupção existente na sociedade, muitas vezes elas utilizam o sexo como uma moeda de troca para conseguirem favores ou manipular os personagens masculinos. Ao longo da narrativa, Reuben é constantemente “usado” pelas mulheres, afinal, esse é um dos grandes pontos fracos do personagem que, aparentemente, não chega a se importar muito com isso, já que a satisfação de seus desejos é mais importante. No entanto, em alguns momentos, Flagg tem suas expectativas sexuais frustradas pela intervenção de um terceiro personagem ou por alguma questão moral. Um exemplo disso ocorre na edição 7, quando, ao despir a médica Titania, descobre que ela usa um colar com a suástica nazista. Flagg hesita, pois, enquanto judeu, se sente moralmente ofendido; mas, sendo seu desejo sexual nesse momento superior a suas crenças, retira o colar e dá prosseguimento ao ato (figura 4).

Na edição 20, Flagg, após fazer sexo com Bullets Kisco, questiona como foi seu desempenho e ela diz apenas “very nice” [muito legal]; ao ouvir isso, ele fica frustrado com a resposta (figura 4). Kisco se justifica dizendo:

Controle seus impulsos querido. Eu disse muito legal. Quando você já andou muito por aí que nem eu, os altos e baixos da vida não são tão extremos como costumavam ser. As novidades são muito raras e rápidas... E isso não significa que estou desapontada ou algo assim... Mas você é meu primeiro cavalheiro convidado da persuasão hebraica e eu sempre ouvi que judeus se esforçavam um pouco mais (CHAYKIN, 1984, p.13, tradução nossa)133.

Nessa passagem, fica evidente que Flagg considera muito importante ter um bom desempenho sexual ou ser positivamente avaliado por sua parceira. Os dois casos citados indicam que, para o personagem, sexo é uma das coisas mais importantes da vida, está acima de suas ideias políticas e religiosas, e é algo que tem o poder de gerar sentimentos negativos quanto ao seu papel de homem, pois é uma das poucas atividades em que ele tem mais sucesso ao longo da série. A

132 Peggy e Gretchen são a mesma pessoa; na trama, após ser expulsa do shopping, Peggy se envolveu em diversos problemas e acabou sendo vítima de uma explosão que quase a matou porém ela sobreviveu, perdeu a memória, passou por cirurgias plásticas, adotou a identidade de Gretchen e voltou ao Plex Malls para trabalhar fornecendo sexo aos habitantes. Essa parte da trama é explicada entre as edições 11, 12 e 13 de American Flagg!, publicadas entre agosto e outubro de 1984.

133 “Cool your jets honey. I said very nice. When you’ve been kicking around long as I have, the highs and lows of life aren’t quite as extreme as they used to be... very novelty wears pretty thin pretty quick… and it’s not that I’m disappointed or anything… but you are my first gentleman caller of the Hebraic persuasion… and I’d always heard Jews sweat a lot more” (CHAYKIN, 1984, p.13).

masculinidade de Flagg é essencialmente relacionada a seu órgão sexual, tornar-se impotente, provavelmente seria o maior desastre de sua vida.

Figura 4. Dois momentos em que Flagg se sentiu contrariado antes e após o ato sexual. (American Flagg!,

n.7, p.29, 1984 e American Flagg! n.20, p. 13, 1985)

É no ato sexual que reside a fragilidade do personagem, pois é uma das poucas atividades em que ele depende do julgamento de outras pessoas, ao contrário de sua atuação como policial, em que sua masculinidade é respeitada e mantida, graças ao seu poder de persuasão e da autoridade preestabelecida. Nesse ponto, evidencia-se que as mulheres, em American Flagg!, transmitem ao personagem uma sensação de insegurança e são, ao mesmo tempo, fontes de prazer e de perigo, já que podem expor as falhas do herói. Isso dá às personagens femininas um poder relativo, pois podem denunciar como ineptas as características masculinas do personagem principal. Assim, pode-se afirmar que os quadrinhos contêm algumas representações femininas que podemos considerar como positivas, afinal a maioria das personagens tem uma grande autonomia e personalidade forte. Mas, isso acaba se perdendo em meio a uma profusão de imagens sexualizadas e objetificadas que sugerem que as mulheres representam um perigo em potencial para os homens,

atrapalhando-os a cumprir seus supostos destinos heroicos, ou seduzindo-os para obter alguma vantagem. A mensagem transmitida nas entrelinhas é que as mulheres são úteis nas batalhas e na cama, mas não são confiáveis. A representação feminina em American Flagg!, praticamente, não tem nada de original, visto que só introduz superficialmente alguns elementos que indicam uma relativa liberdade sexual e um maior protagonismo social. Mas, de modo geral, reproduz estereótipos já conhecidos e muito difundidos nos meios de comunicação e nos quadrinhos134.

Voltando ao protagonista, fica evidente que Chaykin construiu um herói androcêntrico, extremamente autocentrado e convencido de suas aptidões fálicas. O sentimento de orgulho de si que Flagg tem está vinculado à sua posição de amante e parceiro sexual. Copular bem e ser bem avaliado por isso é o que mais importa, seu ego e sua ação como herói dependem do reconhecimento e afirmação de sua virilidade. Isso o torna um herói presunçoso, às vezes repulsivo, e ao mesmo tempo, instável e contraditório. Sua personalidade mistura grandes doses de orgulho, vaidade, autoilusão, desejos de poder, com uma grande insegurança que faz com que ele cometa diversos erros, ao longo da narrativa.

Estabelecido isso, vamos analisar a postura política do personagem, que já sabemos ter uma orientação que seu criador definiu como liberal. Um exemplo do pensamento político do personagem pode ser encontrado na terceira edição, quando Reuben, em uma conversa com Amanda Krieger, faz a seguinte declaração:

Cresci em Marte com um amor imprudente por este país... Uma devoção alimentada tanto pela história como pela saudade de meus pais... Quando cheguei aqui descobri que os céus espaçosos eram escuros e as planícies frutíferas estavam apodrecidas por completo. Mas o dano é mais profundo do que o desespero físico... Muito mais profundo. O espírito americano... A honesta e aberta força de solidariedade... Foi castrada. Traído pelos bancos... Pelos grandes negócios... Por ricos asquerosos que usam patriotismo como uma prostituta que usa perfume barato... E traído pela Plex (CHAYKIN, 1983, p.27, tradução nossa)135.

O trecho indica que o personagem expressa um grande sentimento de amor pelos Estados Unidos. Entretanto, esse sentimento é baseado em uma idealização do passado, não apenas uma idealização do passado ficcional da HQ, mas dos EUA real. Percebe-se, também, que ele reconhece que há um inimigo responsável pelas condições degradantes na qual os EUA se encontram na sua