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A REVISÃO CRIMINAL NO DIREITO COMPARADO

Sob várias terminologias o objetivo central da revisão criminal é previsto em legislações estrangeiras.

Os doutrinadores, com poucas diferenciações têm trazido um resumo do que ocorre em Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha e Argentina.63

Em Portugal a revisão criminal é tida como um direito do cidadão, direito este expresso na Constituição Federal64 cujo texto tem melhor redação do que o já citado sobre erro judiciário e indenização no Brasil, visto que faz menção expressa à ação de revisão criminal como meio para reparar erro judiciário ou injustiças latentes.

O recente Código de Processo Penal português de 1998 coloca a revisão criminal como recurso extraordinário com previsão nos Arts. 449 a 466.

Os fundamentos de admissibilidade da revisão criminal no direito português têm diferenciações com o direito brasileiro em alguns aspectos, visto que admite a revisão criminal pro societate.

Segundo Sérgio de Oliveira Médici, o Art. 499, indica referidos fundamentos como sendo:

a) uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) os fatos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) descoberta de novos fatos ou meios de prova que, de per si

63 Vide as obras mais famosas sobre revisão criminal de Sérgio de Oliveira Médici, já citada, e a de 2005, recentíssima de Carlos Roberto Barros Ceroni, Revisão criminal: características, conseqüências e abrangência, da editora Juarez de Oliveira, sendo que esta última obra não abrange o direito alemão e argentino, sendo no mais idêntica à primeira, no tocante aos países citados, até mesmo a seqüência, sendo que tentaremos fazer uma junção das duas obras naquilo que, resumidamente, interesse ao nosso trabalho.

64 Vide Art. 19, nº 06, que disciplina os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever à revisão da sentença e à indenização pelos danos sofridos.

ou combinados com os que foram apreciados no processo,

suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.65

Observe-se que nas duas primeiras hipóteses fala-se em decisões o que engloba não só sentenças absolutórias, como condenatórias, que faz com que haja em tal ordenamento, como salientando anteriormente, a possibilidade da revisão pro societate.

Têm-se daí que muito embora o dispositivo constitucional tenha melhor redação que o brasileiro ao expressamente mencionar a revisão criminal como instrumento para reparação do erro judiciário criminal, entendemos que a possibilidade de revisão criminal pro societate destoa de nosso ordenamento jurídico, sendo por nós rechaçada, já que não admitimos a reformatio in pejus.

Outro ponto de destaque é que no direito português a decisão atacada não precisa ser exclusivamente sentença, portanto, quaisquer pronunciamentos jurisdicionais, independentes de julgar o mérito, colocando fim ao feito, podem ser atacados pela via da revisão criminal, desde que presentes os requisitos legais.

Por fim, quanto à legitimidade para a interposição da ação, o direito português se assemelha muito ao direito pátrio, com os mesmos legitimados, inclusive os herdeiros, para a revisão visando à reabilitação moral do sentenciado. O que difere é que lá, expressamente é dada legitimidade ao órgão do Ministério Público, acreditamos, porque a revisão é aplicável, também, às sentenças absolutórias.

Na Espanha, identicamente ao direito brasileiro, a revisão criminal é recurso exclusivo do condenado, com os mesmos legitimados, excluindo-se, como aqui, o Ministério Público da disposição expressa legal.

Muito embora a reforma processual de 1992 tivesse mantido a revisão entre os recursos, a jurisprudência espanhola66 que a qualificava de recurso extraordinário ou excepcional, passou a nominá-la como processo excepcional ou processo de revisão.

A redação do Art. 594 da lei processual criminal espanhola informa os casos de revisão criminal:

65 MÉDICI, 2000, p. 72. 66 Cf. ibidem, p. 112.

• existência de sentenças contraditórias, contra duas ou mais pessoas, provando-se que o crime somente poderia ser cometido por um agente; • condenação por homicídio de pessoa que esteja comprovadamente viva;

• sentença prolatada com base em falsidade documental, falso testemunho, ou confissão obtida por coação;

• apresentação de novos fatos ou novas provas que evidenciem a inocência do condenado.

Em comparação com a legislação brasileira, temos que admitir que a redação do Código de Processo Penal pátrio é de melhor qualidade e maior amplitude, visto que a nossa legislação, conforme o Art. 626, admite a possibilidade de alteração da classificação da infração penal e modificação da sanção.

Por seu turno, na Itália a revisão criminal possui fundamentos bem parecidos com a legislação pátria.

Já no corpo da Constituição, como aqui, não faz menção expressa à revisão criminal. Entretanto, faz menção a que lei infraconstitucional determinará as condições e procedimentos pelos quais se fará a reparação dos erros judiciários.

Dessa forma o Código de Processo Penal de 1989, substituto do Código fascista de 1930, disciplina a revisão criminal nos Arts. 629 a 647, sendo que a mesma é nomeada como instrumento extraordinário de impugnação de decisões transitadas em julgado.

Não existe no direito italiano, a constituir fato relevante idêntico ao direito brasileiro, a possibilidade de revisão pro societate, sendo que os casos de cabimento da mesma, em consonância com a nossa lei processual penal, estão descritos no Art. 630 e são:

• sentenças contraditórias em que os fatos que serviram de fundamento ao édito condenatório não se conciliam com os de outra sentença penal irrecorrível;

• sentença condenatória fundada em questão prejudicial civil ou administrativa, cuja decisão foi, poseriormente revogada;

• descoberta de prova nova, que demonstre a inocência do condenado, e;

• demonstração de que a sentença condenatória foi pronunciada em conseqüência de falsidade.

A diferença maior entre a legislação italiana e a brasileira com relação à revisão criminal diz respeito aos legitimados, sendo que a legislação estrangeira amplia o rol encontrado na nossa legislação, admitindo o Ministério Público como legitimado para a revisão. Dessa forma tanto o réu ou seus herdeiros, como o Poder Público podem interpor revisão criminal visando corrigir a injustiça de seus julgados.

Na França não temos expressamente na Constituição Federal a previsão da revisão criminal. Entretanto, o Código de Processo Penal a disciplina nos Arts. 622 a 626, sendo que o primeiro disciplina as hipóteses de cabimento da revisão, a saber:

• se o réu foi condenado por homicídio, demonstrando após a decisão condenatória que a suposta vítima encontrava-se viva;

• existência de duas condenações pelo mesmo fato, ou a existência de decisões inconciliáveis, como por exemplo, uma absolvição e uma condenação pela mesma prática delituosa;

• existência de condenação posterior a decisão revidenda contra a testemunha que depôs contra o réu, pelo crime de falso testemunho;

• é levada ao órgão judiciário a noticia sobre a existência de prova nova sobre a inocência absoluta do condenado.

Ressalte-se que a redação brasileira é mais bem redigida com maior amplitude de possibilidades, mais abrangentes, sendo totalmente dispensável

cingir-se, no caso de homicídio, a revisão criminal tão somente ao crime consumado. A redação brasileira não faz distinção entre as infrações penais cometidas. Havendo erro judiciário ou injustiça na decisão, com base nas hipóteses legais, a revisão pode ser interposta.

Como no Brasil a legislação francesa não admite a revisão pro societate. Sérgio de Oliveira Médici, ainda, disciplina sobre a revisão criminal na Alemanha e Argentina, sendo que nos pontos principais sobre a revisão criminal, informa que na Alemanha a revisão criminal vem disciplinada desde o Código Processual Penal Imperial de 1877, que começou a vigorar em 1879.

Muito embora localizada em capítulo fora dos recursos, a legislação alemã disciplina que os preceitos gerais dos recursos regem as formas de requerimento da revisão do processo.67

Existem divergências, como no Brasil sobre a natureza jurídica da revisão criminal. Uns a entendem como recurso68 e não uma ação, por ser lá cabível toda

a renovação da fase probatória. Por outro lado, a StPO denomina a revisão como processo, sendo estudada pela doutrina na última parte dedicada aos meios de impugnação.

Admite expressamente o direito alemão tanto a revisão pro reo como a revisão pro societate.69

As hipóteses de cabimento da revisão se diferenciam em requisitos para a revisão pelo réu e requisitos para a revisão em prejuízo do mesmo.

Ao réu que tiver interesse em interpor revisão criminal, se impõe:

• que sua condenação tenha sido fundada em instrumento falso ou adulterado;

• no processo que originou sua condenação testemunha ou perito, tenha sido considerado culpado por falso testemunho;

67 Conforme § 365.

68 MÉDICI, 2000, invoca a posição de Claus Roxin. 69 Conforme os §§ 359 e 362, respectivamente.

• que o magistrado que tenha prolatado a sentença que condenou o réu-requerente tenha sido condenado por crime relacionado com o dever funcional;

• que tenha havido a anulação de sentença civil que fundamentou a condenação penal;

• que tenha ocorrido a descoberta de novos fatos ou elementos de prova que, sozinhos ou em conjunto com os demais elementos probatórios amealhados para o bojo dos autos, demonstrem a total inocência do acusado.

Em caso de admissão de revisão pro societate os requisitos de sua admissibilidade são:

• a comprovação de que o instrumento, qualquer que seja, apresentado em benefício do acusado fosse falso ou adulterado;

• nos mesmos moldes do segundo item anterior, que testemunha ou perito que tenham prestado depoimento favorecendo o réu, sejam condenados por falso testemunho;

• da mesma forma que o juiz sentenciante seja condenado por crime relacionado com o dever funcional;

• que se tenha a confissão, quer judicial ou extrajudicial, porém, digna de fé, por parte do acusado absolvido, reconhecendo sua culpa nos fatos criminosos.

Por derradeiro, o direito argentino coloca a revisão como recurso extraordinário no Código de Processo Penal da Nação, adotando-se o modelo francês.

No direito argentino como no brasileiro, não existe prazo definido para a interposição da revisão criminal, sendo que tem por finalidade obter a absolvição do condenado, uma pena mais favorável ou em caso de sua morte a reabilitação de sua memória.

Os legitimados são os mesmos do direito brasileiro, o próprio condenado, procurador, representante legal em caso de incapacidade, seus herdeiros, nos moldes da legislação brasileira em caso de morte. Acresce-se, entretanto, a tal rol a legitimidade do Ministério Público.70

As hipóteses de cabimento estão assim disciplinadas, segundo o Código Nacional Argentino:

• na hipótese dos fatos estabelecidos como fundamento da condenação forem inconciliáveis com os fixados por outra sentença penal irrevogável; • a sentença impugnada for fundada em prova documental ou testemunhal cuja falsidade houver sido declarada em decisão posterior irrevogável;

• a sentença condenatória houver sido pronunciada em conseqüência de prevaricação, suborno ou outro delito cuja existência for declarada em decisão posterior irrevogável;

• se após a condenação do réu sobrevierem ou forem descobertos novos fatos ou elementos de prova que, isoladamente ou em conjunto aos já examinados no processo, evidenciem que o fato criminoso não existiu, que o condenado não o cometeu, ou que o fato cometido se enquadra em norma penal mais favorável;

• corresponda aplicar uma lei retroativamente, desde que seja mais benéfica ao réu do que a aplicada na sentença revidenda.

Dessa forma, podemos concluir em comparação com as legislações de alguns outros países que nossa legislação muito embora mais concisa nas hipóteses de cabimento possui maior amplitude de aplicação do instituto da revisão criminal.

Evidente que faríamos reparos apenas quanto à impossibilidade do Ministério Público, enquanto órgão promotor de justiça, de ter legitimidade para

interpor revisão criminal, em nome do Poder Público a favor do réu, num dos objetivos deste que é promover o bem social e a paz social.

Aliás, a doutrina e a jurisprudência têm como exemplo a legitimidade para a ação de habeas corpus onde é admitida a atuação do Ministério Público para interpô-la a favor do paciente, também tem admitido, ao alvedrio da letra da lei, a possibilidade do Ministério Público interpor revisão criminal, quando for para beneficiar o condenado e na falta daqueles legitimados legalmente e que se encontram no Art. 623 do Código de Processo Penal.

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A REVISÃO CRIMINAL E O ATUAL CÓDIGO DE