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A Revolução Burguesa no Brasil e a formação da burguesia dependente “O Presente contém todo o passado.”

2 CICLO IDEOLÓGICO DESENVOLVIMENTISMO E AUTOCRACIA BURGUESA

2.2 A Revolução Burguesa no Brasil e a formação da burguesia dependente “O Presente contém todo o passado.”

Antônio Gramsci “No Brasil, como já vimos, trata-se de resolver a crise crônica da estrutura. Esta hoje consiste num fato novo: seu conteúdo e sua evolução são engendrados pelo crescimento do capitalismo nas condições de dependência do imperialismo e da manutenção do latifúndio. É o crescimento do capitalismo, em tais circunstâncias, que vem determinando todo o processo político brasileiro” Carlos Marighella

A configuração das classes e frações de classe depende sempre, a cada momento histórico, da formação social em que elas se inserem. A existência de uma burguesia nacional6 e suas relações com o imperialismo estão diretamente ligadas à dinâmica do desenvolvimento capitalista nas particularidades de uma formação social específica. Ao que tudo indica a via de transição para o capitalismo no Brasil (a chamada via não clássica da Revolução Burguesa) circunscreve os limites e possibilidades desse desenvolvimento, bem como a fisionomia das classes e frações de classe em luta no interior de nossa formação social.

O debate em curso sobre o novo desenvolvimentismo acaba remetendo ao processo histórico da industrialização brasileira e reascende antigas polêmicas acerca da estrutura de classes de nossa sociedade. Há uma retomada do pensamento crítico sobre nossa formação social a partir da necessidade de caracterização do ciclo desenvolvimentista (parâmetro 6Falar em burguesia nacional não é, como veremos, o mesmo que dizer burguesia anti-imperialista ou nacionalista (cf. BOTTOMORE, 2001, p. 39).

inevitável de comparação com o suposto desenvolvimentismo dos primeiros anos do século XXI) e das estratégias burguesas que, no fechamento daquele ciclo, conformaram a adaptação da economia e sociedade nacionais ao capitalismo monopolista de Estado.

No âmbito das ciências sociais brasileiras, durante largo período, o debate sobre a formação de uma burguesia nacional girou em torno dos resquícios pré-capitalistas persistentes em nossa formação social. Resquícios estes que condicionavam e limitavam o surgimento de relações tipicamente capitalistas e do espírito empreendedor característico da iniciativa da burguesia nos países centrais. Além disso, a interpretação amplamente difundida nos círculos de esquerda durante o período de nossa industrialização tardia. A tese clássica que condicionava as análises teóricas e as concepções estratégicas do Partido Comunista Brasileiro era a da “etapa nacional democrático-burguesa” da Revolução Brasileira, que deveria contar com uma burguesia nacional e anti-imperialista como sujeito fundamental da transformação econômico-social. Tal caracterização continha peso grande das formulações da Internacional Comunista sobre os países latino-americanos e de sua adaptação ao contexto brasileiro. O principal intelectual ligado ao PCB que se vinculava à interpretação hegemônica do período era Nelson Werneck Sodré. Sua principal obra, Formação Histórica do Brasil, sustenta a tese da necessidade da aliança dos setores populares com a burguesia nacional, por ele contraposta ao latifúndio agroexportador, tido pelos comunistas à época como principal sustentáculo do imperialismo e de “relações semifeudais de produção” (cf. SODRÉ, 1962, p. 396).

O parâmetro a partir do qual sociólogos e intelectuais de diversas matizes discorriam sobre esse processo era, naturalmente, o modelo clássico de Revolução Burguesa dos países centrais que, como vimos, embora sejam pontos de partida inevitáveis na análise do padrão de dominação burguês estão longe de constituir uma “lei universal” capaz de explicar o conjunto das transições ao capitalismo. Daí a importância do conceito de revolução passiva ou revolução pelo alto como critério de interpretação para as transformações

capitalistas, em particular para países da periferia do sistema imperialista. Segundo Coutinho (2003), o conceito de revolução passiva enriquece a concepção marxista do Estado, trazendo contribuição central para entender a construção de nossa sociedade civil, entrecortada por períodos de ditadura militar. Trata-se, como vimos, de um processo de adequação da realidade aos objetivos capitalistas por uma via “anti-jacobina”, ou seja, de uma “revolução burguesa” operada pelo alto, sem arrastar atrás de si as massas camponesas e os trabalhadores urbanos. Tal processo combinaria sempre dois momentos: o de “restauração”, que compreende a reação às possibilidades de transformação mais efetivas e radicais “vindas de baixo”; e o de “renovação”, onde parte das demandas populares são incorporadas pela transformação em curso. Trata-se de apreender o movimento que se dá dentro das estruturas sociais através de “modificações moleculares que são base de novas transformações na correlação de forças entre as classes” (COUTINHO, 2003, p.199).

O Brasil teria segundo Coutinho, passado por dois processos de revolução passiva: de 1930 a 1945 e de 1964 a 1980. As duas ditaduras representariam esse momento de “restauração” necessário diante do crescimento de movimentos contestatórios (ainda que dispersos) e da adoção de um “subversivismo elementar” pelas classes exploradas diante do caráter elitista das mudanças (idem, p.200 a 203). Como exemplo poderíamos citar, de um lado, o programa de reformas apresentado pela Aliança Nacional Libertadora e o levante de 1935, que precede a instalação da ditadura Vargas e, de outro, o crescimento do movimento pelas reformas de base que antecedeu o golpe de 1964.

Embora essa mudança “pelo alto” sublinhe o caráter de coerção do Estado, isso não impede que desenvolva também mecanismos na busca de aprovação de outras classes excluídas do domínio político. Não é difícil visualizar isso durante o período Vargas, mas mesmo no período 1964 a 1980 podemos observar a conquista de significativo grau de consenso entre amplos setores das camadas médias, justamente por esse papel protagonista de um

movimento de modernização, “ainda que se tenha tratado de uma modernização que, ao mesmo tempo, conservou e reproduziu elementos de atraso’ (COUTINHO, 2003, p.202).

Gramsci utiliza a metáfora geográfica de sociedades “orientais” e sociedades “ocidentais” para entender as mudanças no comportamento do Estado em diferentes épocas e países. Por sociedades orientais, entende o tipo de dominação que acentua o elemento de coerção do Estado em detrimento da busca do consentimento das classes subalternas. Por sociedades ocidentais, entende a realidade onde já se operou a socialização da política para além do aparelho estatal, ou seja, onde encontramos esse Estado ampliado através de aparelhos privados de construção de hegemonia na sociedade civil, onde há equilíbrio entre direção e domínio dos grupos dominantes.

Como o Brasil operou sua transição para a sociedade capitalista “pelo alto”, ou seja, através dos aparelhos de dominação e coerção (sociedade política) em detrimento da sociedade civil, tudo nos levaria a classificar nossa realidade como mais próxima do “Oriente” do que do “Ocidente”. Entretanto, esses conceitos não definem, em Gramsci, realidades estáticas, mas são usados para entender o movimento da realidade: “a ‘ocidentalidade’ de uma formação social é para ele o resultado de um processo histórico” (id, p. 209).

Dessa forma, o processo de ocidentalização da sociedade brasileira foi, segundo Coutinho, paradoxalmente construído sob regimes ditatoriais. Acontece que a modernização operada em momentos de “revolução passiva” foi criando as condições objetivas necessárias à socialização da política. O ascenso das lutas de classe no período de abertura do regime demonstraram, tanto após 1945 quanto na década de 1980, uma diversificação da sociedade civil cujas bases materiais haviam amadurecido nos períodos anteriores.

Pondo em prática uma política econômica fortemente modernizadora, a ditadura promoveu um espetacular desenvolvimento das forças produtivas: sob a égide de uma “revolução-restauração”, o Brasil ingressou na fase do capitalismo monopolista de Estado. E essa modernização, mesmo sendo “conservadora” – na medida em que

manteve e aprofundou a dependência ao imperialismo, as disparidades regionais e a distribuição desigual de propriedade e de renda –, consolidou de modo irreversível os pressupostos objetivos da “ocidentalização” da sociedade brasileira. (COUTINHO, 2003, p. 217)

Para um marxismo não determinista, contudo, pressupostos objetivos não significam seus resultados subjetivos, ou seja, os rumos de construção de nossa sociedade civil estão ainda por ser definidos. É a própria luta de classes que deve alargar o espaço de socialização da política, criando possibilidades de construir um maior protagonismo das massas trabalhadoras. Trata-se de um processo em aberto, na medida em que combina as pressões populares vindas “de baixo” com operações pelo alto cujo ponto de chegada pode ser tanto a criação de uma democracia real de massas e um caminho para a construção de uma sociedade socialista ou a restauração de um liberalismo elitista e excludente (Cf. COUTINHO, 2003, p. 217-218).

Na análise da formação social brasileira, convém destacar a importância da renovação do pensamento crítico de inspiração marxista nas obras de Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, bem como a similitude existente na compreensão da revolução brasileira presente em ambos com a categoria da revolução passiva ou revolução pelo alto. A boa utilização da dialética marxista permitiu a esses autores apreenderem o movimento ao mesmo tempo de conservação e superação daqueles traços pré-capitalistas em nossa economia e as consequências implicadas para as relações de classe no Brasil.

Criticando a ortodoxia do marxismo-leninismo do Partido Comunista Brasileiro, Caio Prado Jr., em seu “A Revolução Brasileira”, sustenta não somente a inexistência do modo de produção feudal no Brasil, mas a funcionalidade da colonização para a constituição do modo de produção capitalista nos países centrais. Daí a inexistência e impossibilidade de uma burguesia anti-imperialista, já que o advento do próprio imperialismo é inseparável das circunstâncias do surgimento da sociedade colonial:

O processo da colonização brasileira de que resultariam o nosso país e suas instituições econômicas, sociais e políticas, tem sua

origem nessa mesma civilização e cultura ocidentais que seriam o berço do capitalismo e do imperialismo. (...) O imperialismo não é senão o sistema internacional do capitalismo em sua fase contemporânea, e tem suas raíses (sic) no capitalismo mercantil dentro do qual e por influxo do qual o Brasil e todos os seus elementos constitutivos plasmaram e evoluíram. (PRADO JR, 1977, p. 80-81)

A obra de Caio Prado Jr. segue como parada obrigatória daqueles que pretendem apropriar-se do movimento de construção das relações capitalistas no Brasil. Entretanto, é importante registrar que sua recusa da tese feudal de Nelson Werneck Sodré e dos intelectuais do PCB, acabou levando-o a priorizar a esfera da circulação em detrimento das relações de produção na definição das classes. Isso lhe valeu o adjetivo de “circulacionista” entre seus críticos7. Isso, contudo, não o impediu de utilizar o arcabouço conceitual marxista de maneira rigorosa e criativa na análise da transição do período colonial para a moderna sociedade capitalista no Brasil. É fato que Caio Prado Jr. faz uso da categoria burguesia para identificar classes que, do ponto de vista das relações de produção nativas, ainda não possuíam, em sua essência, relações de produção capitalistas (cuja característica fundamental é a exploração da força de trabalho assalariada), mas há que se considerar que o uso dessa categoria tem por função indicar a permanência de certas características coloniais na formação do capitalismo no Brasil ou, dito de outra forma, a maneira pela qual a classe dominante brasileira formou-se no cerne das contradições da sociedade colonial.

Daí a semelhança apontada por Coutinho (Idem, p. 205) entre a via

prussiana utilizada por Lênin para descrever a transformação da estrutura

agrária em moderna empresa capitalista em processos de constituição do capitalismo pelo alto, e a forma como Caio Prado Jr. descreve a estrutura da grande exploração rural voltada para fora e sua renovação a partir da substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado.

Atenção importante é dada por Caio Prado Jr. à modalidade brasileira 7Incluso o próprio Sodré, que o acusou de afirmar a gênese capitalista brasileira desde os primórdios da colonização, antes mesmo do advento da Revolução Industrial. (Cf. REIS, 2007, p.177)

de ruptura com o estatuto colonial que, diferente de outros países da América Latina, não contou com a participação das massas populares nem com o recurso à violência. Seria a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, que dinamizaria os conflitos subjacentes à sociedade colonial que já opunham os interesses dos grandes proprietários rurais locais aos interesses da metrópole. Dessa forma, o próprio governo metropolitano, primido pelas ameaças oriundas do espraiamento da revolução burguesa de 1789 na Europa, lançaria as bases para a autonomia da economia brasileira em relação à Portugal. Nossa independência surge marcada pela resolução dos conflitos inerentes às classes dominantes.

Resulta daí que a independência se fêz por uma simples transferência pacífica de poderes da metrópole para o novo governo brasileiro. E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poder é todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contacto direto com o Regente e sua política. Fêz-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou sacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto (PRADO JR., 1961, p. 49-50).

Essa transferência pacífica do poder não determinou somente o atraso ideo-cultural das classes subalternas, ele impacta também a visão de mundo típica dos setores dominantes. Isso se expressava na primeira constituição redigida na Assembleia de 1823. Segundo Prado Jr, ela era a síntese do equilíbrio político entre o poder dos grandes proprietários rurais e a nascente burguesia comercial composta em sua grande maioria pelos portugueses partidários da coroa. O texto da nova constituição refletia a adaptação do liberalismo clássico ao contexto brasileiro. Se no velho continente o papel central daquelas idéias era o de enfrentamento revolucionário à nobreza feudal; no Brasil elas afirmavam os objetivos de soberania nacional nos limites do poder dos grandes proprietários rurais escravocratas.

Assim a ideologia da Assembléia de 1823 – que era a da classe dominante, por ela representada em grande maioria – reflete perfeitamente seus interesses. Isto explica porque, apesar de todo o seu tão apregoado liberalismo, não se embaraça com a questão dos escravos, adaptando-lhes a situação às exigências da filosofia rousseauista (sic.), de que fazia timbre em não se afastar, com a eufêmica disposição do art. 265 do projeto: “A constituição reconhece os contratos (!) entre os senhores e escravos; o governo vigiará sobre sua manutenção.

É este o mais perfeito retrato do liberalismo burguês... (PRADO JR., 1961, p. 54).

O fato de terem sido excluídas do cenário principal em que se desenrolavam as lutas pela independência, cenário esse restrito às classes possuidoras, não quer dizer que as massas populares estivessem ausentes ou não influíssem nos acontecimentos que levaram à ruptura com a metrópole e, posteriormente, à proclamação da república. A agitação aberta pelos conflitos entre frações das elites repercutia fortemente nos setores populares e nas classes excluídas do usufruto do poder. Contrariando a tendência dominante na historiografia de seu tempo, cuja descrição dos acontecimentos marcantes prendia-se às “grandes figuras individuais” e ao protagonismo dos poderosos, Caio Prado Jr. confere atenção especial às revoltas do primeiro reinado, particularmente à revolta dos cabanos no Pará (de 1833 a 1836), dos balaios no Maranhão (1838-1841) e a agitação praieira em Pernambuco (1842 a 1849). Surge na análise a característica reativa ao protesto popular, algo que posteriormente converteria-se em modus operandi das classes proprietárias brasileiras e que explica tanto o alcance limitado da revolta popular, quanto o caráter francamente conservador da mudança social levada à cabo pela nascente burguesia brasileira:

Tôda esta agitação, todos estes movimentos, embora desconexos, que ora aqui, ora acolá abalam o país, têm contudo entre si um traço comum de evolução. A pressão revolucionária começa nas camadas logo abaixo da classe dominante. Daí se generaliza por toda a massa, descendo sucessivamente de uma

para outra camada inferior. Isto provoca uma contramarcha das próprias classes iniciadoras do movimento, e que de revolucionárias, sob pressão que as arrasta para onde não querem ir, passam a reacionárias, ou pelo menos abandonam o movimento. Deixam assim à sua sorte os últimos a entrarem na luta, que por esta forma enfraquecidos, são esmagados pela reação do poder central (PRADO JR., 1961, p. 62)

Escusado seria insistir sobre a semelhança desse processo e as características de uma “revolução-restauração”, conforme a definia Gramsci a partir do conceito de revolução passiva. Embora não utilize em seus trabalhos a noção de revolução burguesa, fica claro nos textos de Caio Prado Jr. os elementos chave que determinam a passagem da estrutura social e econômica da sociedade colonial para a construção de relações sociais tipicamente capitalistas. Ele faz constante alusão aos efeitos das transformações do capitalismo internacional sobre a economia nacional. Não é à toa que o período de progressiva autonomização da sociedade brasileira coincida com o fortalecimento da Inglaterra e a constituição do fenômeno do Imperialismo em nível internacional. Fato marcante nessa narrativa é a abolição do tráfico de escravos a partir da década de 1880. Esse fato é da maior importância por ser determinante na derrota dos setores conservadores no fim do Império, mas não apenas por isso. Ele representava um passo fundamental em direção às relações contratuais de trabalho necessárias para a consolidação da sociedade do capital, dando ritmo e dinâmica à transição para a sociedade industrial (Cf. PRADO JR, 1961, p. 91).

Estes dois momentos considerados centrais na obra de Caio Prado Jr., a ruptura formal com o estatuto colonial e a abolição do trabalho escravo, são também pontos de partida para a análise do processo de modernização conservadora da sociedade brasileira, empreendida por Florestan Fernandes em A Revolução Burguesa no Brasil.

A suposta ausência de uma revolução burguesa em nossa história ou o argumento de sua incompletude partia, segundo Florestan Fernandes (2005), de uma transposição mecânica do modelo clássico europeu de Revolução

Burguesa para a realidade brasileira, cuja consequência seria obviamente a negação do caráter socialista da revolução, seja na procura de uma burguesia que pudesse corresponder àquele papel clássico em nossa realidade, seja imputando ao proletariado a tarefa de completar as tarefas de um capitalismo em atraso para só depois passar às tarefas de sua própria revolução. Em Florestan, o conceito de Revolução Burguesa denota “um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas” que alcança um patamar histórico irreversível na “consolidação do poder burguês e da dominação burguesa” (FERNANDES, 2005, pg.329). O que interessa é entender tais transformações nas particularidades da formação social brasileira e, principalmente, que tipo de burguesia e que tipo de classe trabalhadora se desenvolvia por meio dele. Interessava saber a dinâmica da sociedade de classes tanto em seus determinantes estruturais quanto o potencial de consciência revolucionária que cada classe poderia desenvolver a partir desses determinantes.

Existe grande correspondência entre o conceito de “revoluções pelo alto” e a análise feita por Florestan Fernandes a respeito da constituição da

autocracia burguesa no Brasil. Embora o autor não utilize expressamente a

noção de Lênin a respeito da “via prussiana” ou a noção gramsciana de revolução passiva, o processo de transição ao capitalismo no Brasil analisado pelo autor reproduz em larga medida as características centrais de uma revolução pelo alto: exclusão das massas do processo revolucionário, alianças com as elites arcaicas, dependência externa e modernização conservadora. Segundo Coutinho, a recusa do autor em utilizar a categoria gramsciana se dava por uma interpretação limitada do conceito como se ele descrevesse um processo inconcluso. Contudo, Gramsci assim como Florestan Fernandes, não se refere à um processo inconcluso ou frustrado, mas a um tipo específico e exitoso de transição ao capitalismo:

trata-se para ele de um tipo específico de revolução exitosa, ainda que feita através de conciliações pelo alto e da exclusão do protagonismo popular, o que gera um processo de transformações

político-sociais do qual resulta, em suas palavras, uma “ditadura sem hegemonia”. Ora, é precisamente este o tipo de revolução burguesa que Florestan julga ter ocorrido no Brasil, sendo evidente, ademais, a analogia entre a “ditadura sem hegemonia” de Gramsci e sua própria noção (...) de “autocracia burguesa”. (Coutinho, 2011, p. 226).

O central é que a Revolução Burguesa no Brasil, ou seja, o processo pelo qual a burguesia brasileira se consolida enquanto classe e molda suas instituições de dominação, se operou sem ruptura com seu passado colonial, através de uma série de mudanças e processos de renovação da dependência em relação aos centros hegemônicos do capitalismo dos países centrais. A ausência de ruptura com o passado não permite, contudo, imputar ao