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3 NEOLIBERALISMO E HEGEMONIA BURGUESA NO BRASIL

3.4 O transformismo petista

Não poderíamos terminar esse capítulo sem uma abordagem mais específica sobre o Partido dos Trabalhadores enquanto instrumento político hegemônico da esquerda brasileira durante as duas décadas que tratamos23. O

23A análise mais geral da história do PT e o balanço dessa experiência excedem os limites da presente tese. É importante acrescentar que há um extenso debate e bibliografia sobre a história dessa ferramenta, bem como sobre seu processo de integração à ordem capitalista. Os primeiros trabalhos de maior relevância sobre a constituição do PT e as particularidades que ela trouxe à tona datam já da década de 1980. Durante a década seguinte os trabalhos passaram a uma abordagem crescente sobre o processo de adaptação do PT e as contradições a ele subjacentes, principalmente a partir da comparação de sua trajetória com a da social-democracia europeia (particularmente a experiência do Partido Operário Social Democrata Alemão). Nos últimos anos, multiplicaram-se trabalhos que buscam investigar quais as principais determinações do processo de adaptação dessa ferramenta à ordem institucional burguesa e seu reflexo sobre os governos petistas. O centro das investigações tem oscilado entre o processo de adaptação programática do PT à ordem (seja no abandono do Programa Democrático Popular da década de 1980, seja imputando justamente aquele programa os limites da estratégia petista). Para uma consulta sobre o processo de constituição do PT ver as dissertações de BERBEL (1991), KECK (1991) e MENEGHELLO (1989). Obras importantes que estabelecem uma comparação, ainda durante a década de 1990, entre a trajetória petista e a social-democracia europeia podem ser encontradas em GUIMARÃES (1990) e OZAÍ (1996). Obras mais recentes nos permitem uma abordagem mais geral da trajetória programática e de seu reflexo nos rumos do PT e da esquerda brasileira até anos mais recentes, sobre isso consultar COELHO (2005) e IASI (2006).

que nos interessa particularmente é perceber a relação entre as mudanças assinaladas nas relações de força entre as classes a partir do processo de implementação do neoliberalismo como bloco histórico e seu reflexo na representação da classe trabalhadora expressa na experiência do PT. Nos limitaremos a assinalar, no interior desse debate, que o processo de adaptação do PT à ordem capitalista e sua futura adesão à uma plataforma de reforma do neoliberalismo assenta-se sobre determinantes ao mesmo tempo políticos, econômicos e sociais que não podem ser ignorados.

A crítica à transformação do projeto político subjacente à experiência do PT deve ser feita levando em conta não apenas as opções de seus grupos dirigentes, mas as transformações operadas no interior da correlação de forças da qual eles faziam parte. Isto não significa que as ações do partido e das forças que o dirigiram sejam apenas um reflexo mecânico dessa relação de forças. A própria existência, no interior do PT, durante sua trajetória, de forças dissonantes aos caminhos adotados, sinalizam que o abandono do horizonte de superação do capitalismo não era uma necessidade imposta pela conjuntura ou pelas transformações sofridas no modo de produção do capitalismo. Elas eram uma necessidade imposta aos novos interesses e objetivos que passaram a comandar aquela agremiação. São esses novos interesses e objetivos que devem ser explicados a partir do contexto material que os cercam. Em outras palavras, o que se transformou, particularmente durante a década de 1990 foi a concepção de mundo daquele agrupamento e, portanto, também seu programa e horizonte políticos a partir da relação de forças entre as classes.

Em primeiro lugar, é necessário considerar que o PT não se tornou

reformista na década de 1990. A defesa de mudanças sociais sem a

construção de uma ruptura com o capitalismo esteve presente nas fileiras petistas desde a fundação dessa ferramenta política. O que diferenciava o PT durante a década de 1980 não era uma compreensão precisa do Estado e do poder e uma estratégia revolucionária clara. A diferença em relação aos anos

1990 deve ser buscada na conjuntura de ascenso das lutas sindicais e populares proporcionada pelo desenvolvimento capitalista anterior levado à cabo pela ditadura militar e a efervescência social alimentada pelo período de redemocratização da sociedade brasileira.

A base social que constituiu o PT era composta fundamentalmente por operários da indústria, como metalúrgicos, químicos, petroleiros, coureiros, vidreiros, e do setor de serviços, como os empregados em empresas de transporte, bancários, pequenos proprietários e trabalhadores rurais sem terra, além de funcionários públicos, como professores das redes municipais e estaduais de ensino. [...] Essa nova ossatura da sociedade civil era filha da urbanização e da industrialização amplificada sob o “milagre econômico” dos governos militares. A ditadura produziu uma nova base social e, logo, sua crise de legitimidade adicionou o fermento para a contestação política e social da década de 1980 (Martinez, 2007, pp. 246-247).

A isso é importante acrescentar a incompatibilidade entre o ascenso das lutas sindicais e populares no continente latino-americano e o refluxo das lutas da classe trabalhadora em âmbito mundial durante os anos 1980. Em outras palavras, nosso ascenso de lutas coincidiu com o início do descenso no âmbito mundial. Em nosso continente vivíamos o triunfo da Revolução Nicaraguense (em julho de 1979), a ofensiva militar em El Salvador, além dos êxitos econômicos e sociais em Cuba. Isso fornecia um clima ideológico diferenciado que impulsionou, no Brasil, a retomada da luta de massas expressa na reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Central de Movimentos Populares (CMP), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, obviamente, na própria fundação do PT. O ápice desse processo, enquanto expressão da luta de massas – a Campanha pelas Diretas Já – quando, pela primeira vez as massas urbanas concentradas nas imensas metrópoles mostraram seu potencial de alterar a correlação de forças, se deu quando os projetos de desmonte do Welfare State avançavam na Europa, iniciando as privatizações e dando os contornos da fase neoliberal. Soma-se a esse clima ideológico

diferenciado o impacto do processo revolucionário Chileno e seu desfecho. O Chile de Salvador Allende representava no imaginário a primeira tentativa de construção do socialismo pela via das sucessivas vitórias eleitorais e fora interrompido a 11 de Setembro de 1973 por um golpe militar impulsionado pelos interesses imperialistas norte-americanos.

O PT se construiria pela convergência de três segmentos fundamentais da luta contra a ditadura em fins da década de 1970. O primeiro e mais evidente, o forte movimento sindical da região do ABCD paulista, que seria o principal pólo de atração do partido e que seria determinante na conformação de seu grupo dirigente. Além deste, embora com uma influência bem mais restrita no movimento operário, estavam as organizações e militantes remanescentes do ciclo anterior à ditadura e também da esquerda armada. Tal setor era entendido como a “esquerda tradicional” no interior do PT e conformaria as diversas tendências internas que comporiam ainda na década de 1980, a oposição de esquerda. O terceiro segmento importante era a esquerda da igreja católica, cuja aproximação ao movimento pró-PT se deu a partir das campanhas contra a carestia e por movimentos de base territoriais ou até mesmo em oposições sindicais.

Essas três vertentes se aproximaram em meio a um clima ideológico comum às principais forças políticas na década de 1980 marcado, como dissemos, pelo anti-estatismo nascido da crítica não só à ditadura, mas também e principalmente, ao ciclo anterior de lutas hegemonizado pelo PCB e ao populismo.

Para os setores do “novo sindicalismo” paulista, tratava-se da defesa do

sindicalismo autêntico e independente, contraposto ao controle não apenas do

Estado, mas também dos partidos políticos. A recusa do sindicalismo atrelado ou do sindicalismo pelego não se dava, portanto, identificando somente como alvo o trabalhismo ou o estilo populista de tipo varguista, mas também a própria experiência do PCB, principalmente durante o interregno democrático de 1945 a 1964. Tanto os políticos populistas quanto o partido leninista teriam em comum à manipulação das massas trabalhadoras através de bandeiras

políticas alheias aos reais interesses expressos no chão de fábrica. Tal recusa aparecia constantemente no discurso do principal dirigente do novo

sindicalismo. Em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC, ao ser

questionado sobre a importância dos trabalhadores na luta pela redemocratização e, particularmente, na revogação do AI-5, Lula estabelecia uma surpreendente relação de distanciamento em relação às pautas democráticas. Estas deveriam subordinar-se às demandas econômico corporativas do movimento sindicalista em ascensão:

Algumas pessoas imaginam que deve haver a redemocratização para poder haver uma liberdade sindical, uma modificação na estrutura sindical brasileira. Então eu pergunto a mim mesmo quem disse que primeiro não tem de haver a briga do trabalhador pela modificação da estrutura sindical brasileira, para haver a redemocratização? [...]Para nós, democracia é liberdade sindical e a partir daí não tenho dúvidas de que alcançaremos uma democracia plena. Aí está a reforma do governo democratizando o país, com o fim do AI-5, com o fim do 477, que não tem nenhum interesse para a classe trabalhadora. Alguns artigos da CLT são muito mais graves para a classe trabalhadora do que o AI-5. Quem disse que mudando esses artigos a gente não conseguirá não uma democracia relativa, mas uma democracia plena?24

Esta passagem revela a um só tempo a clareza do dirigente quanto aos limites do processo de transição pactuada e o aprisionamento da visão de mundo à dimensão econômico-corporativa dos interesses de classe. Note-se que as bandeiras democráticas como a ruptura do AI-5 deveriam estar subordinadas aos interesses imediatos da luta sindical.

Essa tendência de negação da política entendida como disputa pelo poder de Estado, remetendo necessariamente a elaboração de um projeto político que transcenda os limites dos interesses imediatos de classe, era também reforçada pelos setores oriundos da esquerda militante da igreja católica. Os principais intelectuais e dirigentes dessa vertente manteriam certa distância ao envolvimento nas instâncias partidárias do PT, mas sua influência para a participação das bases militantes da igreja católica na construção desse 24Entrevista ao Diário do Grande ABC, 23 de julho de 1978. In: Lula, 1980, 129-30

partido seria de grande relevância25.

A outra vertente constitutiva do PT, os intelectuais de esquerda oriundos das correntes marxistas da luta armada, os intelectuais do PCB, mas também e não menos importante, as correntes trotskystas, embora defendessem a identidade do PT como partido socialista e disputassem os rumos da agremiação nesse sentido, mantinham uma relação contraditória com a adoção de uma concepção estratégica mais clara na condução do PT. Isso porque, pela pouca influência que detinham no movimento operário, sua capacidade de disputar os rumos do partido dependia de manter suas concepções coesas nas tendências de que faziam parte. Uma concepção e projeto políticos claros por parte do PT diminuiriam consideravelmente a autonomia de tais grupos na disputa interna de rumos.

Segundo Montenegro (2009), essa tendência de recusa à experiência histórica anterior produzia uma auto-imagem característica da militância petista e de uma primeira geração de intelectuais ligados ao PT que descreviam-no como uma completa novidade em relação à esquerda brasileira: um partido democrático (o que implicava a designação de autoritarismo aos partidos comunistas tradicionais) e que visava uma autêntica representação dos reais interesses da classe trabalhadora (oposta à manipulação dos interesses de classe pelas estratégias impostas pelo partido “de cima para baixo”). Este aspecto é central para entender a conformação do que ficou conhecido como “campo majoritário” no interior do PT e que seria determinante nos seus rumos. Tal campo apresentava-se como o petismo autêntico já durante a década de 1980 e essa suposta autenticidade era justificada a partir da expressiva base sindical e popular que o formara.

Partindo do léxico gramsciano, Montenegro elabora a hipótese de que essa negação da política e de uma identidade que transcendesse os aspectos 25Entre os principais intelectuais dessa vertente convém destacar Frei Beto cuja influência na militância petista de base católica é bem conhecida e que foi também um dos quadros chamados a compor o primeiro governo Lula, principal formulador do programa Fome Zero, programa esse que não sairia do papel o que o levaria a afastar-se do governo; e Herbert de Souza, oriundo da Ação Popular no período da ditadura e que orientaria sua atuação durante a década de 1990 principalmente à construção do terceiro setor.

da ação imediata dos trabalhadores no âmbito das lutas econômicas levou a recusa da idéia de partido como moderno príncipe, ou seja, como instrumento de mediação necessária à constituição da classe na superação do momento econômico-corporativo para a formulação de um projeto societário, o momento ético-político central para a conquista do poder de Estado. A conjuntura de redemocratização do país alimentava a predominância, nos dirigentes que construíam o PT, da temática da representação dos interesses de classe como substituto do partido dirigente do movimento da classe.

Já vimos que essa recusa do Estado implicava numa sobrevalorização do termo “sociedade civil” que, ao contrário da impostação gramsciana, era entendido à esquerda e à direita do espectro político como esfera em separado do Estado e a ele contraposta. Não apenas o nascimento do PT mas também do PSDB teria marcante influência da crítica ao populismo que se desenvolveria fortemente em fins da ditadura militar. Nesse sentido, no caso do PT, esse desvínculo em relação à experiência acumulada pela esquerda brasileira era também reforçada por uma intelectualidade que se aproximara do PT, nele valorizando os aspectos diferenciadores em relação à “esquerda tradicional”.

Um dos intelectuais mais influentes no campo majoritário do PT nesse período era Francisco Weffort, um dos construtores, junto com Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Gianotti, Boris Fausto, Octávio Ianni, Paul Singer e Francisco de Oliveira, do projeto inicial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). O tema central destes autores era a análise do nacional-desenvolvimentismo e a crítica ao populismo. A elaboração de Weffort foi, segundo Montenegro, a mais influente nos quadros fundadores do PT. Mais tarde, ele formaria juntamente com Lúcio Kowarick e Marilena Chauí, entre outros, o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). Juntos, o CEBRAP e o CEDEC foram fundamentais para difundir as análises do

populismo típicas daquela geração da Universidade de São Paulo. As análises

majoritário no interior do PT26.

A singularidade do caso de Weffort é facilmente compreensível: suas análises do período histórico que vai de 1930 a 1964, bem como suas reflexões acerca da necessidade da emergência da classe operária como ator social e político autônomo com relação ao Estado e aos partidos tradicionais da esquerda, apresentavam uma impressionante afinidade com a imagem que os dirigentes do novo sindicalismo viriam a construir de si mesmos e de seu papel histórico. A ampla influência das teses de Weffort junto à intelectualidade brasileira dos anos 70 e 80 contribuiu decisivamente para a construção de uma

narrativa da história do movimento operário brasileiro que atribuía ao

PT o papel de agente mais importante para a superação da herança

populista (MONTENEGRO, 2009, p. 142-143).

Para Weffort, o caráter autoritário da transição capitalista no Brasil produziria entraves para a formação da classe trabalhadora enquanto sujeito histórico, uma heteronomia de seus interesses, fazendo com que sua entrada na cena política apresentasse menos a formação de um interesse coletivo de classe do que um comportamento típico das massas. Sua interpretação do conceito de populismo continha uma leitura do período democrático de 1945 a 1964 caracterizada pela predominância de uma relação entre Estado e classe trabalhadora marcada pela manipulação esta última, em prol de interesses que lhe são alheios. Este mesmo autor apontava, ainda, que a esquerda desse período teria contribuído decisivamente para a consolidação do pacto populista ao aceitar a participação nos sindicatos atrelados ao Estado. Mais do que isso, a crítica era dirigida à própria intromissão das reivindicações políticas no domínio sindical, já que para o PCB os sindicatos eram pensados “menos como instrumentos para a representação dos interesses econômico- corporativos da classe operária que como um instrumento de mobilização política dos operários” (cf. WEFFORT apud MONTENEGRO, 2009, p. 162).

26A influência de Weffort não era externa à experiência do PT. Na primeira década de sua construção (de 1980 a 1990) ele ocupou postos chave na organização do partido de forma ininterrupta. Foi suplente da Comissão Provisória em junho de 1980, segundo secretário da Executiva Nacional do PT eleita em seu primeiro encontro nacional em 1981, secretário geral de 1983 a 1987 e vice-presidente de 1988 a 1990.

Surge aí com toda a força a idéia de que a autonomia efetiva do movimento operário se expressa antes por uma ação de defesa dos seus interesses econômico-corporativos (“subordinados a uma concepção de construção da democracia no país”) do que pela vinculação político-ideológica a um projeto que transcenda a esfera particular de sua ação. É utilização do léxico gramsciano, com valoração invertida: confere-se um caráter positivo à afirmação do econômico-corporativo e rejeita-se a política, em seu sentido de esfera em que se manifesta o projeto universal, por considerá-la deturpadora dos reais interesses da classe operária (MONTENEGRO, 2009, p. 162).

Para que a classe trabalhadora não fosse agora manipulada por interesses a ela alheios fazia-se necessário evitar a extrema “politização” e “ideologização” do partido, algo que esteve bastante presente no discurso que conformava o campo majoritário já durante aqueles anos27. Esse descrédito do tema da política e da construção de um projeto emancipatório de caráter mais universal atesta haver já desde o início da construção do PT uma forte tendência à adaptação ao sistema democrático burguês. Para construírem-se como autêntica representação de classe, tratava-se de priorizar a entrada da classe trabalhadora nas instâncias de poder, compreendidas como os fragmentos do Estado colocados em disputa nos processos eleitorais. Essa redução do político ao econômico indicava a necessidade do programa do partido priorizar mais as possibilidades de avanços imediatos nas reivindicações dos trabalhadores a partir das possibilidades colocadas pelas regras do jogo da política.

A dinâmica que iria se impor de forma preponderante no caráter do partido não era uma dinâmica de extrema-esquerda. O novo

sindicalismo, que acolheu Francisco Weffort com ardor, foi o

segmento que deu origem ao agrupamento majoritário no interior do PT e que lhe imprimiu sua marca de forma perene e profunda. E, neste segmento, o que prevalece não é uma política ou um programa mais ou menos extremista. O que prevalece é a anterioridade da

27Sobre a conformação do campo majoritário do PT, fruto da combinação entre o “sindicalismo autêntico” ligado à Lula e a transformação ideológica do Partido Revolucionário Comunista (PRC), futura tendência Democracia Radical, ver a tese de Coelho (2005).

esfera econômica sobre a política; do interesse particular sobre o projeto totalizante; e, creio, a aceitação, em última instância, de um horizonte em que trabalhadores e empresários exerçam papéis complementares, ainda que contraditórios (Idem, p. 174).

Isso se refletia nas formulações do PT à época nas tentativas de combinar a luta de massas e a valorização da sociedade civil (aqui entendida como a construção da autonomia dos trabalhadores frente ao Estado) com um caminho alternativo para o poder. Embora não ficasse claro de que forma esse “acúmulo de forças” e construção da “alternativa popular” se confrontariam com o Estado capitalista, a meta-síntese Lula-lá, ou seja, a conquista do governo com um programa democrático e popular que continha reformas estruturais capazes de polarizar a sociedade alimentavam, ao menos para os agrupamentos de esquerda no PT, a possibilidade de ruptura com a ordem burguesa.

Essa indefinição estratégica e programática se faria sentir cada vez mais a partir do aumento do peso da tática eleitoral e da presença do PT no aparelho de Estado, particularmente das câmaras de vereadores e prefeituras ainda na década de 1980. Paradoxalmente, o intuito de preservar a identidade de classe e a “verdadeira representação” dos interesses da classe trabalhadora acabava distanciando o discurso petista da diferenciação desses mesmos interesses na cena política.

Analisando a disputa eleitoral para o governo municipal de São Paulo em