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Capítulo 1. Antecedentes históricos da educação popular no Brasil

1.1. Revolução passiva e educação na década de 1930: a Escola Nova e os limites da transformação conservadora

No Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Matteucci e Pasquino assim definem o conceito de revolução: “A revolução é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera sócio- econômica” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2009, p. 1121).

Na teoria geral do Estado liberal, o conceito de revolução aparece como uma alternativa justificável quando o processo de “evolução” do Estado se encontra entravado, seja pela inadequação de sua organização, despreparo, ou ainda, pelos “maus propósitos de seus dirigentes”, impedindo a integração dos “novos fatores de influência”, tornando-se, por vezes, desatualizado econflitante com a realidade (DALLARI, 2009, p. 142).

Como observa Dallari, não se trata de uma mera substituição do grupo dominante e a introdução de modificações superficiais na burocracia do Estado, é preciso que a nova ordem jurídica permita a “expressão livre das ideias” e aspirações, estabelecendo regras gerais e uniformes para a escolha da “vontade preponderante”, institucionalizando-se, assim, os conflitos sociais, por meio da criação de canais regulares para a expressão das discordâncias e aferição das diferentes vontades. Somente assim o Estado será a expressão da vontade social preponderante, ainda que tendo de se adaptar em aspectos particulares (ibidem).

Distanciando-se metodologicamente do caráter a-histórico da acepção liberal de Estado, Coutinho interpreta a partir do marxismo os diferentes contextos históricos de

transformação da sociedade brasileira. Apoiando-se nas categorias gramscianas de “revolução passiva” e Estado ampliado, os diferentes momentos de modernização conservadora e desenvolvimento do Estado brasileiro são analisados a partir dos determinantes históricos, distanciando-se da acepção idealista, que em última instância entende o Estado como instrumento de universalização de uma vontade geral estabelecida a partir do consenso.

Coutinho também se distancia de uma certa tradição “marxista-leninista” que apostava no modelo jacobino de ruptura, acreditando que tendencialmente o desenvolvimento capitalista no Brasil resultaria em uma revolução democrático-burguesa ou de “libertação nacional”. Diferentemente dessa aposta, no Brasil:

[...] o latifúndio pré-capitalista e a dependência em face do imperialismo não se revelaram obstáculos insuperáveis ao completo desenvolvimento capitalista do País. Por um lado gradualmente e “pelo alto”, a grande propriedade latifundiária transformou-se em empresa capitalista agrária; e, por outro, com a internacionalização do mercado interno, a participação do capital estrangeiro contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em país industrial moderno, com uma alta taxa de urbanização e uma complexa estrutura social. Ambos os processos foram incrementados pela ação do Estado: ao invés de ser resultado de movimentos populares, ou seja, de um processo dirigido por uma burguesia revolucionária que arrastasse consigo as massas camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação capitalista teve lugar graças ao acordo entre as frações das classes economicamente dominantes, com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado. Nesse sentido, todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a Independência política ao golpe de 1964, passando pela proclamação da República e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e antipopular (COUTINHO, 1992, p. 121).

Diferentemente das revoluções populares, marcadas pela participação efetiva dos “de baixo”, as revoluções passivas são caracterizadas pela “ausência de uma iniciativa popular unitária”, desdobrando-se em dois momentos: o da reação à possibilidade de transformação a partir “de baixo”, resultando no processo de restauração; e o da “renovação”, quando as demandas populares são assimiladas pelas velhas camadas dominantes (ibidem, p. 122). Apoiado no estofo teórico-metodológico gramsciano, Coutinho assim interpreta o contexto da Revolução de 1930:

Naquele período, o movimento operário lutava pela conquista de direitos políticos e sociais, enquanto as camadas médias urbanas emergentes exigiam uma maior participação política nos aparelhos de poder. Essas pressões de “de baixo” (que raramente assumiam a forma de um “subversivismo esporádico, elementar, desorganizado”) fizeram com que um setor da oligarquia agrária dominante, o setor mais ligado à produção para o mercado interno, se colocasse à frente da chamada Revolução de 1930. O triunfo dessa revolução levou à formação de um novo bloco de poder, no qual a fração oligárquica ligada à agricultura de exportação foi colocada numa posição subalterna, ao mesmo tempo em que se buscava cooptar a ala moderada da liderança político-militar das camadas médias (os tenentes). Mas o caráter elitista desse novo bloco de poder fazia com que os setores populares

permanecessem marginalizados. Eles ainda não estavam suficientemente organizados; eram representados apenas pelo débil Partido Comunista e por um pequeno grupo de tenentes de esquerda, entre os quais Prestes, que haviam se recusado a participar da Revolução de 1930. Nessas condições, o resultado do protesto contra o caráter elitista da Revolução foi a adoção (ou retomada) de um “subversivismo elementar”, cuja manifestação mais evidente foi o putsch de 1935, uma desastrosa iniciativa comum dos comunistas e dos tenentes de esquerda (ibidem, p. 123).

A revolução de 1930 foi o ponto culminante de um processo revolucionário iniciado após a guerra de 1914, do qual emergiram também as ideias novas em educação, representando para os renovadores o desfecho de um processo revolucionário orquestrado por “homens novos”. Segundo Fernando de Azevedo, ainda que não possuísse um programa político definido de ação escolar e cultural, a revolução possibilitou:

[...] uma rápida mudança social, a desintegração dos costumes tradicionais do velho padrão cultural e maior complexidade nas relações sociais; e, rompendo as linhas da clivagem social entre os vários grupos e classes, contribuiu poderosamente não só para uma “democratização” mais profunda como também para uma intensidade maior das trocas econômicas e culturais (AZEVEDO, 1964, p. 659).

Mas não tardou para que as expectativas dos reformadores da educação se vissem frustradas, devido à demora na tomada de medidas educacionais no sentido de se desenvolver uma política nacional de educação. Tal descontentamento levou os reformadores a lançarem o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932 (RIBEIRO, 2003, p. 106). Alertavam

os renovadores:

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade o da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade (MEC, 2010b, p. 33).

Apesar do conflito de ideias a partir de 1932, não devemos confundir a reivindicação de uma escola pública gratuita, laica e estatal, o que certamente era bastante progressista à época, com uma aproximação dos escolanovistas dos ideais comunistas. Como reconhece Fernando Azevedo, diferentes concepções faziam parte de um momento crítico e renovador, muitas delas de forma imprecisa confundidas com a “educação nova”. Os renovadores propunham-se a ser uma “terceira via”, distante do “extremismo ideológico”, seja de direita ou de esquerda, presentes neste contexto. Segundo Azevedo:

Não se pode, porém, circunscrever o domínio dessas lutas, no terreno pedagógico, a uma discordância entre a política escolar da Igreja e a nova política de educação, que adotava, como pontos de programa, alguns princípios repelidos por aquela, como a coeducação e a laicidade do ensino. Essas lutas complicaram-se, sem dúvida,

tornando-se mais ásperas e acesas, no seu desenvolvimento com o conflito de ideologias, de esquerda e de direita, comunistas e fascistas, que fundaram na Europa, sobre o regime de um partido e em nome de um ideal de classe, de raça ou de nação, o Estado totalitário destinado a fazer guerra ao capitalismo ou ao marxismo e que então repercutiu no Brasil mais ou menos violentamente, pela organização e pelas atividades de partidos extremistas (AZEVEDO, 1964, p. 670).

As “ideias novas”, assim adjetivadas pelo confronto com as ideias tradicionais, estavam distantes, sobretudo, do comunismo do qual deviam os renovadores distanciar-se. Assevera Azevedo:

Não só se alargava, por essa forma, como se tornava cada vez mais sensível a zona de “pensamento perigoso”, que existia em qualquer sociedade e que, variando conforme as épocas e os lugares, tende sempre a ampliar-se, nos períodos críticos, de mudança e de transformações sociais. A zona de pensamento perigoso, entende- se, ameaçava abranger agora, dentro de sua fronteiras, as aspirações da “escola nova” e, de um modo geral, as novas ideias de educação (ibidem, p. 672).

No entanto, o suposto “neutralismo tecnicista” dos renovadores havia sido posto em xeque pela Revolução de 1930, pois, como observa Paiva, aqueles que permanecem acreditando nele, entre esses o próprio Fernando de Azevedo, terminam por comprometer-se politicamente com a ditadura de Vargas, enquanto aqueles que, como Anísio Teixeira, se desiludem, acabam por não conseguir dar continuidade à sua atuação técnica (PAIVA, 2003, p. 116). Assim:

[...] a tecnificação do terreno educacional correspondeu a um empobrecimento do seu enfoque; o afastamento dos políticos e diletantes do campo educacional – que por seu “entusiasmo” chamavam a atenção para o aspecto político das decisões em matéria de instrução popular -, correspondeu uma visão deformada da realidade educacional e dos seus objetivos. Esta tese defendida por Jorge Nagle denuncia, na verdade, o caráter ideológico do “tecnicismo” educacional que, em última instância, compromete-se com a ordem vigente, seja ela qual for. O “otimismo pedagógico” correspondia realmente a uma restrição cada vez maior do campo de visualização do processo educacional. À tentativa de segregá-lo de coordenadas histórico-sociais concretas, desvinculando o educativo do social e da história10 (ibidem, p. 117). Os renovadores e o governo Vargas identificavam-se no que se refere ao combate ao comunismo, elemento que, para além da defesa dos princípios educacionais, os unificava. Mais do que o monopólio do Estado no que se refere à educação, advoga-se uma sociabilidade fundamentada no “monopólio do indivíduo”, ao qual caberia fazer a opção (RIBEIRO, 2003, p. 112).

Ainda que houvesse divergência entre as forças tradicionais da educação, representadas pelos católicos, e os renovadores, defensores da modernidade, ambos compactuavam a defesa da sociedade capitalista (ibidem, p. 113). Isso possibilitou aos

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Ressalva Paiva a atuação de intelectuais como Anísio Teixeira, que ao final da década de 1920 evidencia sua defesa dos ideais democráticos liberais, e Paschoal Lemme, defensor dos ideais da revolução proletária ( ibidem, p. 119).

católicos o reconhecimento dos avanços proporcionados pela escola nova, colocando a criança no centro do processo educativo, desenvolvendo uma racionalidade fundamentada na “iniciativa” como elemento central do processo educativo, além das contribuições dos novos métodos pedagógicos e dos fundamentos da psicologia experimental (SAVIANI, 2010a, p. 299). Assim, conforme o movimento renovador expandia sua influência, forçava também a renovação da pedagogia católica (SAVIANI, 2012a, p. 91).

Em síntese, o processo de desenvolvimento das forças produtivas que levou à aceleração da industrialização e a transição da sociedade agroexportadora para a sociedade urbano-industrial resultou na ascensão das massas urbanas e a necessidade de proposições políticas por parte do governo, ainda que a repressão popular continuasse sendo um instrumento recorrente. A aproximação do governo das massas populares resultou no advento do populismo, orientação política acompanhada de perto pela emergência da ideologia nacional-desenvolvimentista, cuja ideia-guia passou a ser o desenvolvimento nacional, cabendo ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado pelo Decreto n. 57.608, de 14 de julho de 1955, a tarefa de desenvolvê-la, difundi-la e aplicá-la (SAVIANI, 2010a, p. 311).

A derrota do movimento operário europeu e a ascensão dos regimes nazi-fascistas, acompanhados pelo processo de stalinização da URSS, influenciaram a teoria social desenvolvida nos anos de 1930. A descrença em relação ao proletariado como sujeito histórico capaz de conduzir o processo revolucionário, assim como, a crítica à modernidade e a crença no potencial humanizador da ciência e da tecnologia, levaram teóricos como Horkheimer e Adorno, representantes da Escola de Frankfurt, à critica dos resultados do processo iniciado com o Iluminismo.

Enquanto a Europa iniciava sua autocrítica ao processo de massificação a que fora conduzida a população devido aos efeitos colaterais da modernidade, fundamentada na produção industrial, no Brasil emergia a sociedade urbano-industrial, que dava passos significativos com a mudança estrutural iniciada com a Revolução de 1930. O que impunha às novas elites econômicas ligadas à indústria a necessidade de aperfeiçoamento das forças de contenção da efervescência social proveniente do anseio da classe trabalhadora por participação política. O populismo getulista havia sido eficaz no controle das massas operárias, cooptando os sindicatos por meio de uma eficiente legislação trabalhista, inspirada no fascismo de Mussolini.

Apesar do estrangulamento do nacionalismo varguista pelas forças imperialistas, sobretudo, norte-americanas, associadas a elites nacionais, representadas pela UDN de Carlos Lacerda, culminando no suicídio de Vargas em 1954, as ideias nacionalistas tiveram continuidade, destacando-se o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) na tarefa de aperfeiçoamento de uma ideologia compatível com o projeto nacional-desenvolvimentista. É no interior do caleidoscópio de ideologias de que era composto o ISEB que se situam as raízes da problemática da educação popular em Paulo Freire.

1. 2. O ISEB e a organização das massas: Paulo Freire e o nacional-desenvolvimentismo

Como observa Caio Navarro de Toledo, as ideologias isebianas se constituíram em um quadro econômico-político, social e ideológico marcado pela formação social brasileira na década de 1950. O ISEB se propunha a lançar as bases de um “pensamento brasileiro” autêntico, por meio de um projeto teórico-ideológico de natureza totalizante, nele confluindo disciplinas e ciências diversas (TOLEDO, 1997, p. 26-27).

O ISEB era composto pelo Conselho Consultivo, Conselho Curador e Diretoria Executiva. Além desses órgãos dirigentes, havia cinco departamentos, aos quais cabia a organização dos cursos e atividades científico-culturais por ele promovidas. Sua composição era bastante heterogênea, contando com intelectuais com perfis ideológicos bastante diversos.

Toledo distingue três fases do ISEB, até a sua extinção em 1964, devido ao golpe civil-militar. A primeira fase é caracterizada por posições ideológicas ecléticas e conflitantes. Na segunda fase o nacionalismo desenvolvimentista passou a preconizar o desenvolvimento do país sob a direção da burguesia e da inteligência esclarecida11. Por fim, no período que se estende de 1962 a abril de 1964, o ISEB passa a identificar-se com o movimento pelas reformas de base do governo Jango12 (cf. SAVIANI, 2010a, p. 312-313).

A partir de 1962, o ISEB adquiriu uma conotação de esquerda. Nesse momento, dos isebianos “de primeira hora”, ou “isebianos históricos” (Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Guerreiro Ramos, Cândido Mendes, Álvaro V. Pinto e Nelson W. Sodré), apenas A. V. Pinto e N. W. Sodré permaneceram no grupo (ibidem).

O educador que melhor expressou a influência do nacional-desenvolvimentismo sobre a educação foi Anísio Teixeira, tradutor de Dewey em terras brasileiras, criando em 1955 o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), mesmo ano em que fora criado o ISEB,

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À exceção de Álvaro V. Pinto, atribuindo às massas capacidade de discernimento (ibidem, p. 312). 12

órgão do qual participou diretamente, assumindo o papel no Conselho Curador. Destaca-se em A. Teixeira o tema da “consciência”, retomado por Paulo Freire. Observa Saviani:

Para Anísio o “nacionalismo é, fundamentalmente, a tomada de consciência pela nação de sua existência, de sua personalidade e dos interesses de seus filhos. Por isso o nacionalismo é mais do que a defesa contra inimigos externos: “é um movimento da consciência da nação contra a divisão, o parcelamento dos seus filhos entre ‘favorecidos’ e ‘desfavorecidos’ e contra a alienação de sua cultura e de seus gostos [...]” (idem, ibidem). E o instrumento para atingir-se esse nível de consciência é exatamente a escola, pois só ela, na medida em que se constituir, de fato, como o lugar do estudo e do conhecimento do Brasil, poderá mostrar o caminho da emancipação nacional: “tal escola não poderá ser a escola privada mas a escola pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema missão pública, a de nacionalizar o Brasil” (ibidem, p. 316).

No período que se estendeu do final dos anos de 1940 a 1963, foram realizadas as campanhas ministeriais de alfabetização, desatacando-se: a) Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) (1947-1963); b) Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) (1952-1963); c) Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958-1963); d) Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA) (1962-1963). Criada dias antes da renúncia de Jânio Quadros, a MNCA foi viabilizada a partir do Decreto n. 51.470, lançado por Jango em maio de 1962, incorporando as campanhas federais anteriores, juntamente com a Campanha de Construção de Prédios Escolares, a Campanha de Extensão da Escolaridade e Educação Complementar e a Campanha de Merenda Escolar (PAIVA, 2003, p. 254).

A concepção de educação popular que esses movimentos expressavam era aquela até então dominante, abrangendo as questões relativas à instrução pública, correspondendo à educação elementar destinada seja às crianças (ensino primário), seja aos adultos (programas de alfabetização) (SAVIANI, 2010a, p. 316).

Na década de 1960, o conceito de educação popular passou a ter como centro a preocupação com a participação popular, para além da instrução pública e a erradicação do analfabetismo:

A expressão “educação popular” assume, então, o sentido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente (ibidem, p. 317). É nesse contexto dinâmico de reorientação do conceito de educação popular que um jovem pernambucano assumiu o papel estratégico de organização da cultura nacional. Em um período de transição ainda inacabada para a sociedade urbano industrial, a educação popular por intermédio da práxis freireana deixou de ser um projeto de elites, expressando no campo da pedagogia a práxis dos povos oprimidos enquanto lutam por sua libertação, entendida

como a superação dos entraves que inviabilizam o desenvolvimento dos homens enquanto trabalham, ou o seu “ser mais”.

Equivocam-se aqueles que, ao realizarem uma leitura apressada da obra de Paulo Freire, afirmam ser a Pedagogia da Libertação uma concepção multiculturalista ou “pós-moderna” de educação. Gradativamente, a prática pedagógica da libertação se delineou em torno de um projeto de superação consciente da dominação capitalista, por meio da construção coletiva de um projeto societário socialista. Não como um projeto pronto e acabado a ser “ofertado” aos trabalhadores por uma vanguarda lúcida, mas como construção de suas próprias mãos, resultado de sua práxis revolucionária. Assim, a Pedagogia da Libertação torna-se um instrumento eficiente de organização da cultura, forjado estrategicamente no processo de transformação radical da sociedade.

1.3. As raízes da Pedagogia da Libertação: da escola liberal redentora à “escola com os

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