grador impacto sôbre considerável parte da população judaica.
Uma vez que tantos judeus, na Rússia, eram humildes comer
ciantes, artesãos, especuladores, Luftmenschen, a revolução das
necessidades procurou refazer a inteira estrutura de suas vidas.
O que os socialistas queriam era conseguir a chamada produti
vidade dos judeus, sua conversão em operários de fábricas, em
fazendeiros, em moderna fôrça de trabalho. O pequeno comer
ciante se achava à beira do abismo: a nova estrutura não os
favorecia. Isso os libertava, na verdade, do temor dos pogroms
e das perseguições, mas ameaçava seu tradicional modo de
vida como homem simples e como comerciante primitivo. Na
década de 1920, os bolcheviques começaram a encorajar os
judeus a se dedicarem à terra, em colônias judaicas na Criméia,
em Kherson e no Birobdjan. Visitei aquelas colônias na época
e testemunhei o extraordinário esforço que alguns ‘ goijin■idea
listas e alguns judeus entusiastas faziam para transformar, pelo
menos parte da população, em bons fazendeiros. Fizeram-se
consideráveis investimentos e tremendo empenho nessa tarefa
de mudar a mentalidade dos Luftmenschen. Esperava-se que
êles se libertassem da arte e dos truques do pequeno comércio
e, vagarosamente, fôssem aprendendo a arte de arar e lavrar
o solo. Mas, todos êsses esforços de transformar comerciantes
em fazendeiros falharam. Os judeus simplesmente não estavam
preparados para esta quebra de rotina, para tão radical e com
pleta mudança no seu modo de vida. Mesmo hoje, em Israel,
apenas a minoria vive da terra, nos Kibbutzim; a grande maioria
dos judeus ainda se dirige para as cidades e prefere formar uma
população urbana a trabalhar como camponeses1. Não é de
admirar. Durante séculos, os judeus foram habitantes de cida
des e a tradição urbana tomou-se uma segunda natureza para
êles. Apenas os sionistas mais idealistas, aquêles que desejavam
í 1) Em Israel, em 1965, mais de dois milhões de judeus viviam nas cidades e apenas 267.000 no campo.
estabelecer-se no solo sagrado de Sion, emigraram da Rússia e foram para o arado. Aqueles que ficaram na União Soviética não tinham mesmo vocação para fazendeiros. Tomaram-se operários da indústria moderna. Foi a solução. Muitos, muitos dêles viraram operários de grandes fábricas, mas, mesmo assim, ainda eram minoria. A grande maioria, com sua tradição urba na e um nível geralmente mais alto de educação do que a população russa, passou a trabalhar como funcionários espe cializados e entrou en masse nas fileiras da burocracia pós- revolucionária, no partido, nas repartições públicas e nas insti tuições. Êles ainda representaram importante papel no mundo acadêmico. Mesmo hoje, a despeito dos gritos de alerta, às vêzes justificados, contra a discriminação anti-semita, existem bem mais de vinte e cinco mil judeus como professores acadê micos na URSS. Este processo de educação mais elevada, por atacado, começou, é claro, apenas depois de 1917, quando o
numerus clausus foi abolido e as portas das Universidades
russas abriram-se de par-em-par aos estudantes judeus. A despeito de tudo isso, mesmo nos períodos mais heróicos da revolução, havia, no fundo, uma corrente oculta, velha e persis tente, de anti-semitismo entre a população russa. Onde pode ríamos buscar as fontes dêsse amaldiçoado veneno? Primeira mente, no atraso, na ignorância e no analfabetismo das massas dos mujiques russos, assim como em algumas partes dos operá rios das cidades. Havia, também, influência perniciosa da Igreja Ortodoxa Grega, a mais obscurantista das igrejas da Europa. Havia o mito profundamente arraigado de serem os judeus os crucificadores de Cristo; mito êste que penetrou na mente de tôda a civilização cristã de forma muito mais profun da do que se poderia imaginar há cinqüenta anos. (No limiar do século XX, o século da ciência, havia esperança de que, nes sa era modema, o homem se emancipasse dos preconceitos religiosos e das maléficas influências dos mitos e lendas ou, pelo menos, os minimizasse!) Como em outros lugares, também na Rússia, o preconceito e o ódio, que durante séculos e mesmo milênios se inculcaram na mente dos povos, não podiam ser extirpados num período de alguns anos ou mesmo décadas. Isto não era tudo. Outro ingrediente alimentou o anti-semitismo nas massas. O pobre camponês russo olhava com desconfiança
para o vendeiro e os donos de estalagens, cujos negócios fre qüentemente eram fraudulentos. Na profunda miséria em que viviam, talvez tivessem tentado minorar sua pobreza às expen- sas dos mujiques, que eram tão desgraçados quanto êles. Aí é que se deve ver a raiz do antagonismo do pobre camponês ou do operário contra o seu vizinho judeu.
Em outro nível, os intelectuais judeus ou os funcionários graduados, que ocupavam altas posições no partido, no Es tado, no Exército e nas instituições civis, no sistema educa cional, e aquêles que se destacavam na imprensa, no cinema, no teatro atraíam certa inveja e jalousie du métier. Na corres pondência de Trotski com Lênin, durante a guerra civil, havia vivida descrição dessa atmosfera. Trotski, quando chefe do Exército Vermelho e Comissário da Defesa, escreveu uma men sagem confidencial do front da guerra, ordenando que todos os judeus, que estavam nos serviços administrativos, seguros, fôssem tirados de seus postos e mandados para a guerra. Co mentam os soldados, escreveu o judeu Trotski, que há mais judeus nos lugares seguros e remotos do que nas frentes de batalha. Mesmo durante a Guerra Civil, quando a Guarda Vermelha defendia os judeus dos massacres da Guarda Branca, havia essa tensão, fatal, mas humana e compreensível, na ati tude do homem russo contra o mais ou menos “privilegiado” judeu.
Os bolcheviques, na época de Lênin, desenvolveram inten sa propaganda anti-nacionalista, anti-religiosa e anticlerical. Conduziram-na com plena imparcialidade, condenando, denun ciando e tentando erradicar qualquer tipo de nacionalismo e proclamando a igualdade de pequenas nações e de minorias nacionais. Permitia-se aos judeus e mesmo se os encorajava a publicar jornais e literatura em iídiche e a desenvolver o seu próprio teatro — e o teatro iídiche foi um dos melhores que tive oportunidade de ver. Já se esqueceu, provàvelmente, que o primeiro grande teatro hebreu da história, o Habima, foi fundado na Rússia sob a iniciativa do Comissário da Edu cação, A. V. Lunacharsky. (E, por falar nisso, o Habima muito cedo deixou a Rússia pela Palestina). Havia uma in congruência aí: os bolcheviques estavam, a princípio, contra a ressuscitação do hebreu, então uma língua morta; e, quando
o Habima levou a cena o Dybbuk, peça mística de Ansky, ou viram-se protestos em tôda a Rússia Vermelha contra a repre sentação de lendas religiosas khassidistas no palco. Mas, o poder da criação artística foi insubmisso naquela breve e tor
mentosa idade de ouro da arte de após-revolução.
Os bolcheviques tiveram, evidentemente, uma visão muito otimista das possibilidades de solução do problema judaico. Êles não eram os únicos a subestimar a profundidade do senti mento anti-semita no folclore cristão. Pensaram que sua revolução seria um levante com proporções continentais. Ima ginavam que tôdas as fôrças progressistas da Alemanha e da França os ajudariam a prosseguir; que o mal do anti-semitismo desapareceria numa Europa socialista, sadia, racionalmente or ganizada. Isto não aconteceu. A revolução russa permaneceu isolada; a alemã foi derrotada; a Europa não a socorreu. A Rússia ficou sozinha remoendo o atraso que herdou do czaris- mo, dos séculos de Ortodoxia Grega, de analfabetismo, de pobreza e de barbarismo. Nessas condições, todos os antago
nismos da sociedade russa acentuavam-se, inclusive o antago nismo entre os judeus e os não-judeus. Ninguém pode ima ginar que o problema judaico existia por assim dizer, no vácuo, que fôsse independente do que havia no resto da sociedade soviética. Êle se sedimentava na estrutura daquela sociedade, firmemente ligado ao seu desenvolvimento e evolução, ao cres cimento e ao progresso, à regressão e ao nôvo progresso.
Precisamente porque o problema que analisamos forma parte orgânica do quadro soviético total, não existem fórmu las para apreciar seus vários aspectos numa ou mesmo em várias conferências. Farei agora uma pausa e tentarei mostrar como o desenvolvimento do sistema de partido único afetou o destino dos judeus.
O partido monolítico era inadmissível na época de Lênin. Mas o sistema de partido único já lançava, agoureiramente, sua sombra para o futuro. Até 1924, e mesmo nos dois ou três anos seguintes, havia um franco e aberto debate entre os bolcheviques e a supressão dos outros partidos se processou de modo gradual. Para exemplificar: a esquerda Poaley Zion, o Partido Sionista Socialista, existiu legalmente na Rússia até
1925 ou 1926. Embora os bolcheviques se opusessem ao sio