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Capítulo 4 – Uma Participação Cultural Ativa

4.1. O Teatro Documental

4.1.1 Rimini Protokoll

Vistos na Europa como figuras incontornáveis do Teatro Documental, este coletivo berlinense é considerado como um dos pioneiros na arte de fazer um “teatro-verdade”, sem atores, onde os protagonistas são pessoas comuns, cidadãos de determinada cidade que vão a palco contar a sua própria história, envolvendo o público numa experiência completamente diferente e interativa.

Stefan Kaegi, Helgard Hauge e Daniel Wetzel são os elementos que compõem o grupo Rimini Protokoll, foram colegas e começaram a trabalhar juntos logo depois de se formarem no Instituto de Teatro de Ciências Aplicadas de Giessen, Interessam-se pelas fronteiras que existem entre a realidade e a ficção e o foco do seu trabalho, é utilizar ferramentas de cena para fazer aparecer o real.

Nos seus espetáculos colocam em palco mecanismos bastante interativos criativos e originais. As obras deste coletivo funcionam com variados estratos da sociedade que, através da empatia que criam, expõem a sua própria identidade ao conviverem e ao mostrarem curiosidade por conhecer o outro.

“Desde o seu início, que os Rimini Protokoll apenas trabalham com não-actores, tentando alcançar uma realidade tão apurada e directa quanto possível. Nas palavras de Jorg Karrenbauer: Se há uma história para contar, porque não deixar a pessoa que viveu e experienciou essa história, contá-la? Para quê termos alguém a fingir ser essa pessoa, a contar a história?” (Moreira, C. 2017.p. 21)

O tipo de abordagem que escolheram tem tanto de arrojado como de cativante, pois trata- se de contar histórias reais das próprias pessoas que estão em palco, que expõem a sua intimidade a um público. Na perspetiva deste coletivo só através destas pessoas, os verdadeiros entendedores da sua própria realidade é que é possível passar esta “teatralidade” natural. Diferenciam-se dos restantes coletivos, por não terem uma ligação comum com o teatro, pois evitam aquela relação, habitualmente conhecida como “dominador-dominado” entre encenador e ator.

E é a partir daqui que começa a ser difícil distinguir a realidade da ficção, pois o público não consegue perceber onde inicia a ficção e onde acaba o que é real, logo a ideia é não se perceber mesmo onde está a linha que as separa.

A base do seu trabalho está no interesse que demonstram sobre a perceção e conhecimento do mundo, particularmente sobre o conhecimento do ser humano. O grande objetivo é descodificar o complexo que forma a realidade, mostrando ao público várias perspetivas, de maneira a que estes possam tirar as suas próprias conclusões.

“Foram amplamente premiados ao longo de sua trajetória, conquistando o Prémio de Teatro Europeu de Novas Realidades Teatrais, em 2008; o Leão de Prata na 41ª Bienal de Veneza, em 2011; o prémio de Excelência no 17º Japan Media Festival, pela vídeo- instalação “Situation Rooms”, um trabalho sobre a indústria de armamento, em 2013; e o Grande Prémiode Teatro da Suíça, em 2015, entre tantos outros. Os Rimini Protokoll estão baseados na HAU, Berlim, desde 2003.” (Arezes, J, Monteiro, R.X. & Carneiro, S. (Eds), 2019. p.7)

4.1.2. 100% City

Este coletivo que assina os seus trabalhos como Rimini Protokoll, a partir do espetáculo 100% City, recria uma série de espetáculos em diferentes cidades seguindo o mesmo conceito. Estes espetáculos são apresentados em grandes cidades, onde os seus cidadãos retratam a sua imagem através da própria voz e do seu retrato estatístico.

“O espectáculo foi apresentado pela primeira vez em Maio de 2014, como forma de celebrar o 100º aniversário do Berlin Kreuzberg’s Hebbel Theater, tendo a companhia após a estreia recebido uma série de solicitações para o apresentar noutras cidades. Decidiram não fazer um "franchise" do mesmo, mas sim aproveitar a estrutura simples que o compõe para o poder adaptar e fazer circular.” (Moreira, C. 2017.p. 23)

O espetáculo começa a ser apresentado em diversas cidades a pedido das mesmas, sendo que a companhia nunca o propôs a nenhuma. O 100% City já foi colocado em palco em cerca de 35 cidades por todo o mundo, “(…) de Paris a Penang, de São Paulo a Brisbane, de Montreal a Stellenbosch”24. Mais recentemente passou por Portugal, começando na cidade do Porto e acabando em Lisboa.

O objetivo desde espetáculo é reunir em palco 100 participantes locais, de forma a que cada um possa representar 1% da sua cidade, resultando num retrato demográfico da cidade em cima do palco, ao que chamam de “teatro realidade”. Que nas palavras de Meg Mumford é:

“uma forma de teatro/performance que tem vindo a prevalecer desde o início da década de 90 [...] caracterizada por: um interesse em ampliar a compreensão do público sobre os indivíduos seus contemporâneos e a sociedade; um foco em representar e/ou colocar pessoas verdadeiras pessoas em palco; e uma estética de "autenticidade de efeitos", estratégias artísticas construídas para gerar ( e em alguns casos, destabilizar) uma impressão de um contacto próximo com a realidade social e as pessoas "reais".”(Moreira, C. 2017.p. 23)

O elenco é formado por 100 pessoas, 100 conhecedores de 100 quotidianos diferentes, que não são atores profissionais e onde muitos nunca tiveram a oportunidade, de pisar um palco antes. E aqui tem a possibilidade de integrar uma encenação da demografia da sua própria cidade, interpretando estatísticas e relatando as suas próprias atitudes e crenças enquanto elementos de uma sociedade.

A seleção dos participantes que a companhia faz, parte de uma reação em cadeia onde o primeiro participante é convidado a participar, sendo que de seguida este tem de propor outro participante que, por conseguinte, faz surgir um novo participante e por aí em diante. Os critérios utilizados para esta seleção são baseados nos censos nacionais mais recentes que a cidade sofreu, onde consta a idade, o género, a nacionalidade, estado civil, freguesia e tipo de família.

Durante o espetáculo os participantes vão sendo agrupados e reagrupados, de forma a que seja possível criar uma espécie de coreografia. É solicitado a estas pessoas, em determinados momentos do espetáculo que através das respostas “SIM” e “NÃO”, demonstrem a sua opinião, sobre temas como: o aborto, a crise, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, política, assédio sexual, etc.

O 100% City é caracterizado como um evento comunitário, que contribui positivamente para a comunidade a que é apresentado.

“Primeiro que tudo, encoraja pessoas que nunca tinham sequer pensado ou tido interesse em teatro, a fazerem teatro. Contribui para que pessoas que habitam na mesma cidade, provenientes de diferentes meios, se cruzem e tomem conhecimento uns dos outros, independentemente da faixa etária, das crenças, da nacionalidade, da classe social,...(motivos que muitas vezes são responsáveis pelo facto das pessoas não se relacionarem naturalmente).” (Moreira, C. 2017.p. 24-25)

Muitas vezes, mesmo em palco, continuam-se a sentir as diferenças que existem entre os participantes, porque elas existem realmente na sua própria sociedade, mas o espetáculo acaba por unir a cidade como um todo, mostrando ao público que estas diferenças tal como existem também podem coexistir dentro da mesma comunidade.

5. Espetáculo 100%Porto

“100% Porto: um encontro que é uma cidade, um grupo que começa a experimentar-se, um coro que nunca ensaiou, uma entidade impossível com muitas caras – reunidas em novas fotos de um grupo em constante mudança– retratos fugazes, retratos de pertença. Quem é que está a faltar? Quem acha que podem dar respostas diferentes em palco daquelas que dariam numa sondagem por telefone ou na urna de voto? O que é que as estatísticas não conseguiram guardar? Quem mora num Porto completamente diferente? Quem pensa que esta cidade é diferente porque faz parte dela?

100% Porto traduz as estatísticas oficiais da cidade e dá-lhes um rosto humano, colocando no palco uma centena de habitantes que representa a população da cidade, dividida em categorias como género, idade, nacionalidade, agregado familiar e área de residência. Cada um dos participantes também fala por si próprio: sobre as suas vidas, as suas alegrias e tristezas.” (Arezes, J, Monteiro, R.X. & Carneiro, S. (Eds), (2019). p.5)

5.1. Estudo de caso

Este estudo de caso tem como mote o papel que a comunidade tem no contexto de uma cidade criativa, através da análise do Espetáculo 100%Porto, que decorreu nos dias 19 e 20 de janeiro no Teatro Rivoli. Este foi um projeto do coletivo Rimini Protokoll, em coprodução com o Teatro Municipal do Porto que contou também, com o apoio da Câmara Municipal do Porto, com o objetivo de convidar os portuenses a ter uma participação cultural mais ativa na sua cidade. E desta forma fazer uma representação etnográfica da cidade do Porto em cima do palco do Teatro Rivoli.

Diretor Artístico do Teatro Municipal do Porto, Tiago Guedes:

“Achámos que a melhor forma de comemorar o aniversário do Rivoli seria com um espetáculo onde os habitantes do Porto fossem os protagonistas. 100% Porto foi o mote para construir uma programação feita inteiramente sobre o Porto ou com pessoas que são ou trabalham a partir do Porto. O100% Porto, projeto dos Rimini Protokoll, faz uma radiografia da cidade e dos seus costumes através das pessoas que a habitam. Pareceu-me interessante pôr em evidência aquilo que de mais autêntico ou, se quisermos, mais típico caracteriza a nossa cidade: os seus habitantes.” (Arezes, J, Monteiro, R.X. & Carneiro, S.

(Eds), (2019). p.11)

O elenco é composto por 104 habitantes da cidade do Porto que foram escolhidos mediante critérios, como a idade, o género, a freguesia, a nacionalidade e o tipo de família. Estes critérios foram elaborados em proporção com os censos de 2011. Trata-se assim de um espetáculo onde os participantes representam os cidadãos portuenses e vão estar envolvidos naquilo que se define como um evento cultural da cidade.

Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira:

“Este é certamente um projeto que vai dar expressão a um mosaico de gentes que habitam um espaço geográfico e territorial que eu conhecia bem e, desde que sou Presidente da Câmara, passei a conhecer melhor ainda. Por conseguinte, espero que a representatividade do Porto, por um lado, e a representação no palco, por outro, constituem uma visão da cidade com a força agregada e agregadora das gentes e das freguesias que a compõem.” (Arezes, J, Monteiro, R.X. & Carneiro, S. (Eds), (2019). p.9)

5.2. Metodologia

A metodologia utilizada é de natureza quantitativa, pois a ideia é perceber qual é a opinião de uma amostra de conveniência dos cidadãos portuenses sobre o papel que a comunidade tem num contexto de uma cidade criativa, através da sua participação no evento cultural que foi o espetáculo 100%Porto.

A ferramenta de investigação utilizada para se conseguir estas opiniões foi o inquérito por questionário, utilizando escalas de likert para medir a satisfação destas pessoas, relativamente a equipamentos que a cidade do Porto dispõe e sobre a sua participação no Espetáculo 100% Porto.

A escolha deste estudo de caso reside no facto destas pessoas que subiram a palco serem cidadãos que, segundo a organização, formam uma amostra representativa dos portuenses. E sendo este um evento cultural que envolveu a comunidade, pressupomos que seria interessante observar as suas opiniões sobre esta temática das cidades criativas

e o papel que a comunidade tem, nesta área. Ter acesso aos contactos de um número considerado de pessoas, já é pouco comum, ainda mais é, se estas já tiverem sido escolhidas criteriosamente para serem uma amostra da população portuense. Por isso fazia todo o sentido que estas pessoas fossem também a nossa amostra, principalmente porque nos podiam responder às três questões de investigação que resultaram da análise teórica efetuada anteriormente. Será que os portuenses acham que a cidade do Porto é uma cidade criativa?Qual a importância do envolvimento dos cidadãos nos projetos de uma cidade? Deverão as instituições preocuparem-se em fornecer as condições necessárias para que a comunidade desempenhe um papel ativo na vida cultural de uma cidade?

Para obtermos estas respostas, foi disponibilizado o link deste questionário no grupo do Facebook criado com todos os participantes do 100%Porto e ainda enviado por email para os seus endereços eletrónicos. No entanto, nem todos tinham redes sociais nem email, o que levou a que alguns questionários fossem efetuados via telefone.

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