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Capítulo 3: A épistémè clássica e o signo-representação: a Gramática Geral e o Quadro

3.3 A riqueza nos séculos XVII e XVIII

... certas afirmaçãoes básicas nos princípios do pensamento econômico são tão simples, originando-se tão naturalmente do conhecimento prático, quase instintivo, dos processos

econômicos, que o fato de formulá-las não pode ser considerado como uma descoberta.187

Joseph A. Schumpeter

Vimos que, na esteira de Foucault, no Renascimento, o signo estabelecia um elo natural com as coisas designadas, sendo diferente do esquema de signos arbitrários que vai se colocar com o saber clássico em função da busca por uma linguagem perfeita que iniba os desvios da linguagem natural. No século XVI, saber baseado na semelhança, a palavra designa natural e diretamente a coisa da qual fala, porque o sistema linguístico que arma a épistémè pressupõe o liame natural – e, portanto, não-convencional – entre o signo e o referente ou a coisa. Ou seja, há aí uma imbricação entre a palavra e a coisa de que fala, na qual a linguagem faz parte do mundo, sendo vista como coisa entre as coisas, e reciprocamente a coisa como signo e seu correlato. Da mesma forma, no campo das necessidades, no quadro daquilo que os gregos chamavam de oikonomia, na acepção de economia doméstica (de oikos = casa), e agora com a esfera de atuação mais dilatada, ao circunscrever os negócios do rei, das cidades e das em conferência publicada em A verdade e as formas jurídicas, ao resgatar a importância do sofista e sua relação material com a linguagem. O discurso, entendido como jogo, à maneira dos sofistas, se coloca como um jogo de estratégias e práticas que visam não o estabelecimento da verdade, mas o êxito na competição ou no ágon. O discurso, enquanto jogo, já coloca de antemão a ideia de um vencedor e de um vencido. Cf. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas, p.140. E, abertamente, Foucault irá se colocar ao lado dos sofistas, mestres das estratégias discursivas, e não ao lado dos filósofos, aqueles comprometidos com a verdade desde a instauração da empresa socrático-platônica. Considerando sua posição de estrategista, Affonso Romano de Sant’Anna pergunta a Foucault se “seria pertinente aproximá-lo da problemática do phármakon e colocá-lo ao lado dos sofistas (verossimilhança) e não dos filósofos (a palavra da verdade)”, em mesa redonda. E Foucault vai confirmá-lo: “Ah, nisso estou radicalmente ao lado dos sofistas”. Cf FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas, p. 139-140. A relação do sofista com a palavra é material, o que nos remete à ideia de arquivo e de documento, a primeira cara à arqueologia, e a segunda cara à genealogia de Foucault.

187

SCHUMPETER, Joseph. Fundamentos do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 13.

Repúblicas, o metal é um signo, mas um signo que mede riquezas. No século XVI, o metal podia significar a riqueza na medida em que ele próprio era riqueza, uma marca real da coisa designada. Tanto é que o preço dos metais era dado a partir de sua preciosidade, sua raridade, sua utilidade e conforme fossem desejados. Essas qualidades deveriam ser estáveis, para que a marca colocada no metal fosse uma verdadeira assinalação, ou seja, que fosse legível universalmente.

Nossa intenção ao recuar à Renascença, ressaltando que Foucault não tratou da economia como campo do conhecimento em sua “prosa do mundo”, é traçar os contrastes, tomando como referência o “mercantilismo” e, em sua extensão, a circulação dos metais, com a qual Foucault caracteriza os negócios no século XVI. Tentando montar este quadro, veremos que a situação da economia até o século XVI oscilava entre a sua condição de matéria da filosofia moral e saber empírico acumulado nas companhias de comércio e nas contabilidades do rei (fisco), e só mais tarde, já nos séculos XVII e XVIII, aparecem propriamente as questões da medida do valor econômico e da riqueza, tendo como referência e objeto a circulação da moeda e dos metais. Seguindo as pegadas de Foucault, veremos então que foi a partir desse círculo do metal que se gerou o problema de estabelecer os preços e a moedagem, o que motivou a reflexão sobre as riquezas desde Copérnico (1473 a 1543), passando por Bodin (1530 a 1596) até Davanzatti (1529 a 1606). De acordo com Foucault, a moeda, junto à sua realidade material de metal precioso, tem duas funções: a primeira é de ser

medida comum entre as mercadorias e a segunda é ser também medida de substituição nas trocas.

Para que a moeda seja uma medida comum entre as outras mercadorias, ela deve ser estável e de validade universal, servindo como marcação ou assinalação de uma unidade real. De acordo com essa ideia, a moeda cumpre o papel de medir desde que sua unidade seja uma realidade que exista de fato e que possa fazer referência a toda e qualquer mercadoria. Seria isso, na linha de Foucault, a reprise do valor impositus da moeda que os renascentistas teriam “copiado” dos medievais. A massa metálica é então o que regula o valor da moeda, ou melhor, é o que permite a moeda retornar a seu estado anterior, “quando os príncipes não tinham ainda imprimido sua efígie nem seu selo sobre fragmentos metálicos.”188 Nesse momento, como narra Foucault, nenhum metal, ouro, prata ou cobre, podia ser tomado como coisa monetarizada. Ocorria que os metais eram apenas estimados, porque a moeda era uma

justa medida tal como formulavam os medievais, e sendo assim, valiam apenas como forma de medir as riquezas. Nas palavras de Foucault:

Não se fazia valer signos arbitrários por marcas reais; a moeda era uma justa medida, porque não significava nada mais que seu poder de aferir as riquezas a partir de sua própria realidade material de riqueza.189

Assim, os signos monetários eram reconduzidos à sua justa medida. Mas, nem sempre essa justa medida pode ser mantida. Além das concepções de moeda mencionadas, há ainda uma terceira. Esta apareceu na França, como narra Foucault, quando os Estados Gerais de 1575 definiram uma moeda puramente aritmética, a qual se somava ao preço e ao valor. Essa definição era uma estratégia de obscurecer aos olhos dos leigos o fato de que a moeda era objeto de manipulação, e apenas os mercadores dominavam esse jogo. A moeda é então uma mercadoria entre as outras, mas com a diferença que tem valor de troca, e isso é regulado segundo sua raridade e frequência, “a moeda também tem seu preço”.190 A moeda-signo é então a superfície na qual vários fenômenos podem se inserir, e, justamente por isso, sua função de medida pode ser muitas vezes desviada. Um exemplo é a lei de Gresham, conhecida por Copérnico e pelo autor do Compendious191, que diz que quanto menos valiosa a peça, mais ela circulará com rapidez, sendo inversamente proporcional o movimento das peças valiosas, que circularão lentamente ou nem mesmo circularão no mercado. A história da economia pode ser traçada a partir da moeda, interessante colocá-lo. Assim, o valor mercantil dos metais é igual ao poder de compra da moeda e, nessa correspondência, a marca remete tanto a uma quantidade de metal que é medida constante (Malestroit) quanto a essas mercadorias variáveis em quantidade e em preço que são os metais (lei de Bodin). Foucault reconhece aí a mesma disposição epistêmica do regime geral dos signos do século XVI: “os signos, como se sabe, eram constituídos por semelhanças que, por sua vez, para serem reconhecidas, necessitavam de signos192”. Aqui se trata de signos que se definem por seu valor de troca, tal como uma marca, e segundo uma massa metálica que define seu valor entre outras mercadorias.

A troca, modalidade dos negócios no século XVI, como aponta a arqueologia de Foucault, deve ser entendida dentro do campo das necessidades, conceito análogo ao de

189

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 232.

190 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 234.

191 Compendious é uma obra anônima que foi publicada em 1581, mas que já circulava há três décadas antes,

tendo influenciado o governo de Elisabeth, segundo Foucault.

similitude, do qual falamos ao focalizar a épistémè do Renascimento. É importante lembrar

que em MC se trata sempre de uma mesma e única épistémè, neste caso uma épistémè que controlou o saber da natureza e do cosmos assim como a reflexão e as práticas que concerniam à moeda193. Os adivinhos, figuras caras ao Renascimento, lidavam com o jogo

indefinido da semelhança e dos signos através da divinatio, um saber secreto, uma vez que, antes de ser revelado por um ato de fé, não se dá abertamente ao conhecimento de todos os homens. Ora, os mercadores também manipulavam um jogo de semelhanças, não no âmbito da especulação mas da prática, e aí em vez de palavras tem-se as trocas. A moeda, e seu duplo papel de ser tanto a realidade de seu valor material de metal quanto uma unidade de troca ou de substituição, instaura uma função de medida que nem sempre é clara, como vimos acima com os fenômenos que se incidem sobre ela, ficando o domínio dessas práticas reservado aos mercadores.

Mas o século XVII vai modificar o pensamento sobre as necessidades que se dava em uma sociedade ainda “pré-capitalista”, formando o domínio das riquezas, no qual a relação entre o preço e a medida terá a troca como seu fundamento e não como algo derivado, à diferença do século XVI, no qual a moedagem era principal e a troca secundária. A formação crescente de uma sociedade capitalista e os modos de produção industriais vão fazer recuar as

necessidades, típicas de um modelo de vida ainda depositário do feudalismo, para se voltar

para o acúmulo e valorização das riquezas, origem das diferentes teorias do valor que veremos ao longo de nossa dissertação. Sobre este ponto, pode-se dizer também que uma história da economia pode ser traçada a partir das diferentes teorias do valor ao longo do tempo. O grande contraste em relação à Renascença é que no limiar da épistémè clássica o signo monetário não irá obedecer mais ao jogo das semelhanças na prática e na especulação sobre as riquezas, e algo análogo aconteceu com o domínio da linguagem, no qual o signo verbal passará de natural para arbitrário, ou seja, artificial e convencional, adquirindo então a função de representar, como se viu. No século XVI, os metais preciosos tinham pouca utilidade fora da moedagem, mas se escolhidos como estalões, ou seja, se pudessem ser utilizados nas trocas como medida, eles atingiam preço elevado. Isto significa dizer que o

preço era estabelecido primeiramente em função da medida e depois pela função da troca,

porque o metal ele próprio, pelo fato de ser precioso, era marca da riqueza ou antes a própria riqueza, com seu valor intrínseco, ao ser entesourado, saindo da circulação. No século XVII, a

troca será colocada como fundamento do preço e da medida, que são qualidades derivadas de

sua função. E então o “mercantilismo” ficará mais evidente, embora tal fenômeno para Foucault seja algo difuso194.

Embora Foucault nem mesmo aborde a Antiguidade, ou a Idade Média, podemos dizer que os mercantilistas se diferem dos gregos, que desprezavam a materialidade da riqueza, pelo fato de identificarem a riqueza com o dinheiro. Pode-se dizer que os mercantilistas foram os primeiros que se dedicaram a pensar sobre a realidade material da riqueza, numa sociedade que já começa a capitalizar-se. O “mercantilismo” para Foucault, importante dizer, não pode ser definido como “monetarismo”; para o filósofo esta é uma interpretação “obstinada” que confunde riquezas e espécies monetárias, além de ser uma caracterização demasiadamente apressada. Não se trata, em sua interpretação própria, de uma identidade confusa instaurada pelo “mercantilismo”, mas de uma articulação refletida, “que faz da moeda o instrumento de representação e de análise das riquezas e faz, por sua vez, das riquezas o conteúdo representado pela moeda.”195

. Na linha de Foucault, o círculo do “metal precioso” com o qual caracteriza o domínio das necessidades no século XVI se desfaz com o “mercantilismo”. Foucault está tomando o “mercantilismo” como advento do século XVII, no entanto, o fenômeno, de fato, se estendeu aos séculos XVII XVIII, mas seu início pode ser recuado à

épistémè da Renascença, uma vez que a própria “descoberta” das Américas e a colonização

foram engajamentos dos negócios do rei e dos administradores, e homens da vida prática de seu tempo, encontrando Quesnay como seu grande adversário. Na verdade, o termo “mercantilismo” é impreciso, e Foucault mesmo reconhece, uma concepção problemática porque, além de imprecisa, é usada de maneira anacrônica e por isso a cautela não pode ser dispensada ao usar a terminologia, como ponderamos mais adiante com o auxílio de Schumpeter.

Nessa mudança de épistémè, as riquezas vão se tornar objetos das necessidades e desejos, se dividindo pelo jogo das espécies monetizadas que as significam. E as relações de reciprocidade entre a moeda e a riqueza se darão pela circulação e pelas trocas. Como dito, para Foucault, o “mercantilismo”, um fenômeno refletido, não confunde riqueza e moeda.

194 “Essa reviravolta é obra de um conjunto de reflexões e de práticas que se distribuem ao longo de todo o

século XVII (desde Scipion de Grammont até Nicolas Barbon) e que se agrupam sob o termo um pouco aproximativo de ‘mercantilismo’.” FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 239-40.

Ocorre que, em sua extensão, a moeda passa a ter o poder de representar toda riqueza possível, sendo, portanto, seu “instrumento universal de análise e de representação.” Nesse esquema representativo, toda riqueza passa a ser monetizável, portanto, representável ou significável. E será justamente a monetarização da riqueza que promoverá a circulação. De acordo com a “necessidade de conjunto” da épistémè, pode-se dizer que: assim como no domínio da gramática geral todo indivíduo era nomeável e podia entrar numa linguagem articulada; com o “mercantilismo” toda riqueza se torna representável; e na história natural, todo ser natural passa a ser caracterizável, podendo entrar numa taxonomia. Estão na mesma rede arqueológica o signo-representação, a moeda-representação e o caráter-representação. E de forma geral, nos discursos ou nas práticas, toda representação será significável, podendo entrar num sistema de identidades e de diferenças, por se tratar de um saber que pode ser conhecido, colocado em quadro e transparente, à diferença de um saber revelado, caso da

épistémè da Renascença. O Quadro daquilo que se assemelha e daquilo que se diferencia

(identidades e diferenças) é uma tentativa clássica de tornar o saber transparente, aproximando-o de modelos perfeitos, e por isso arbitrários, evitando os desvios que o conhecimento baseado na natureza promove.

Assim, a moeda não valerá pelo material do qual é composto, mas pela forma, isto é, pela imagem ou marca principesca. O ouro é aqui precioso não por seu valor intrínseco como no século XVI, mas por ser moeda, mas moeda-representação. A relação foi invertida, e nessa mutação da épistémè, o valor da moeda não corresponde ao valor do metal, mas ao valor de sua pura função (de representar a riqueza). Duas serão as consequências dessa virada epistêmica na perspectiva de Foucault. A primeira é que não será do metal, ou seja, do ouro, da prata e do cobre, que advirá o valor das coisas, pois este se dará segundo critérios que não são dos metais eles próprios, mas da utilidade, prazer e raridade. Isso ocorre porque, durante os longos anos de “mercantilismo”, a riqueza, além de ser representável, corresponde também aos objetos do desejo que variam segundo tais critérios. A segunda consequência é que o valor se fará sem referência ao metal, assim como um nome representa uma imagem ou uma ideia, mas não a constitui em si. Isso é correspondente ao caráter vicário da representação, como nos esforçamos por mostrar na seção acima. Assim, a relação da moeda com as riquezas

será arbitrária a partir do momento em que ela começa a cumprir a função representativa, uma vez que não se trata mais de seu valor intrínseco196.

Representar, no âmbito das trocas, será então dispor as riquezas segundo uma tábua de valores iguais e valores diferentes. O que não é senão o Quadro das identidades e das diferenças. Nas palavras de Bouteroue, a moeda: “é uma porção de matéria à qual a autoridade pública deu um peso e um valor certo, para servir de preço e igualar no comércio a desigualdade de todas as coisas197”. E assim a moeda ela própria vai passar a ser riqueza, porque, enquanto representação, ela deve ser primeiramente representada para, depois, tornar- se um signo: “Assim como, na ordem das representações, os signos que as substituem e as analisam deve ser, também eles, representações, a moeda não pode significar as riquezas sem ser ela própria uma riqueza.”198 De acordo com esse quadro, o dinheiro se torna uma riqueza real na medida em que cumpre sua função representativa, diferentemente dos metalistas. E Foucault lembra aqui que Thomas Mun identifica o negócio seguro com a fortuna199. Segundo Foucault em sua abordagem, igualmente, em Horneck poderá ser observada a metáfora da moeda como o sangue que circula no corpo200. Essa metáfora será comum a vários autores, podendo ser encontrada inclusive em Hobbes201

. Foucault vai dizer que relacionar metaforicamente a cidade com o funcionamento do corpo é algo comum aos pensadores do século XVII, porque a épistémè teria viabilizado um espaço comum à moeda e aos signos, às riquezas e às representações. As riquezas, segundo o filósofo, tinham o poder de representar a si mesmas202, abrindo em si um espaço em que elas próprias se analisavam, estabelecendo um

sistema de signos e um quadro de diferenças e identidades. Nessa perspectiva, o poder de

permutação e as análises que autorizam as relações de igualdade e de desigualdade que correspondem, no plano epistêmico único, às representações de segundo grau, formando uma

196 “Porque não é o valor intrínseco do metal que dá preço às coisas; todo objeto, mesmo sem preço, pode servir

de moeda; mas é preciso ainda que tenha qualidades próprias de representação e capacidades da análise que permitam estabelecer entre as riquezas relações de igualdade e de diferença. Parece então que a utilização do ouro e da prata está justamente fundada”. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 242.

197 BOUTEROUE. Recherches curieuses des monnaies de France, Paris, 1666, p. 8 apud FOUCAULT, Michel.

As palavras e as coisas, p. 243.

198 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 244. 199

MUN, Thomas. England Treasure by Foreign Trade, 1664, cap. II apud FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 245.

200 HORNECK apud FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 246. 201

HOBBES, Thomas. Leviathan. Cambridge, 1904, p. 179-80 apud FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 246.

202 Vale dizer que a medida, forma de representação das riquezas, não é auto-referente, mas pode medir a si

mesma. Já o valor, para ser medido, não pode medir a si mesmo, sendo necessário para tal um padrão, ou um metron, que pode ser a moeda, ou uma mercadoria como na época clássica, ou o trabalho, na épistémè moderna, que será também uma mercadoria entre as outras, como veremos.

cadeia ininterrupta (RRR). Trata-se do mesmo continuum ontológico das cadeias ininterruptas de significação na linguagem clássica. Acrescenta Foucault:

a moeda pode sempre reconduzir às mãos de seu proprietário o que acaba de ser trocado por ela, assim como, na representação, um signo deve poder reconduzir o pensamento àquilo que ele representa. A moeda é uma sólida memória, uma representação que se reduplica, uma troca adiada.

Nesse esquema, igualmente, não há ato autônomo de significação, mas uma possibilidade ilimitada de trocas: “se interrogado ao nível da epistéme, aparece como o lento, o longo esforço para colocar a reflexão sobre os preços e a moeda na linha reta da análise das representações203”. Vê-se aqui novamente a representação reduplicada, problemática que levantamos no nível do esquema linguístico dos séculos XVII e XVIII, mas servindo agora para o domínio das riquezas, pois se trata da mesma rede arqueológica. Uma das marcas que a moeda-signo ou moeda-mercadoria cumpre uma função representativa é quando esta é entendida como moeda-garantia. Segundo Foucault, na concepção de Locke, Vaugham e Melon, a moeda é uma garantia, o que é o mesmo que dizer que a moeda é um “equivalente ou medida comum de tudo que serve aos homens204”.

Law teve que renunciar à ideia de moeda-garantia em sua experiência fracassada na