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A via da escola de epistemologia francesa: a identificação com Canguilhem e a busca de

Capítulo 1: Foucault e a cena francesa

1.2 A via da escola de epistemologia francesa: a identificação com Canguilhem e a busca de

Muito da historiografia de Foucault cai no gênero da “história dos conceitos”, como esta foi

entendida por seu amigo e mentor Georges Canguilhem. 69

Gary Gutting

A ideia de uma “escola de epistemologia francesa” pode não ser familiar a várias interpretações canônicas sobre a história da filosofia ou história das ciências continentais. A fim de entender o que é exatamente essa forma de se referenciar a um certo bloco de autores, julgamos importante definir alguns de seus aspectos. Como nos narra Jean-François

Frankfurt. Isso coloca inclusive um problema histórico que me apaixona e que ainda não consegui resolver: todos sabem que muitos representantes da Escola de Frankfurt chegaram a Paris em 1935 para buscar refúgio e que eles partiram muito rapidamente, aparentemente escorraçados – alguns o disseram -, de qualquer forma tristes, magoados por não terem encontrado mais eco. Depois chegou 1940, mas eles já tinham partido para a Grã-Bretanha e para a América, onde foram efetivamente melhor recebidos. O entendimento, que poderia ter sido estabelecido entre a Escola da Frankfurt e um pensamento filosófico francês através da história das ciências, e portanto da questão da história da racionalidade, não se deu. E posso assegurar-lhes que, quando fiz meus estudos, jamais ouvi nenhum dos professores pronunciar o nome da Escola de Frankfurt.” FOUCAULT, Michel. “Estruturalismo e pós-estruturalismo”. In: Ditos e Escritos II, p. 315.

69 “Much of Foucault’s historiography falls in the genre of ‘the history of concepts’, as that had been understood

by his friend and mentor Georges Canguilhem. GUTTING, Gary. “Introduction”. In: The Cambrigde Companion to Foucault. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 7.(tradução nossa)

Braunstein70, é possível observar um certo “ar de família” num pensamento que teria começado a partir de Gaston Bachelard – porém já altamente influenciado pelo pensamento de Auguste Comte – e que teria sido seguido por pensadores como Canguilhem, Koyré, Foucault e outros – apesar das diferenças entre eles. Segundo Braunstein, tal linha de pensamento permitiu a Gary Gutting, por exemplo, apresentar aos leitores anglo-saxões certo pensamento francês que pode ser destacado dentro do bloco da filosofia das ciências continental. Igualmente, Pietro Redondi vai editar uma série de textos de historiadores da ciência franceses para leitores indianos, falando de um “debate francês” em história das ciências. Tais análises e interpretações foram possíveis porque alguns traços em comum podem ser notados em certos pensadores franceses (ou não), e outros também o fizeram, como Vincent Descombes, quem não duvida de que haja uma escola positivista francesa, a qual pode ser largamente associada a uma história dos conceitos. Dessa forma, não é estranho falar de uma “epistemologia pós-bachelardiana” marcada pelo historicismo e pelo regionalismo epistemológico e é possível chamar tal forma de pensamento de “escola de epistemologia francesa”. Como dito acima, Canguilhem é um dos representantes dessa escola e, assumindo tal filiação71, identifica-se com Bachelard, mas indo mais longe ainda, resgata a origem comtiana desse “estilo francês”.

Esse tipo de filosofia, a qual tem Comte em sua base, orienta-se para a epistemologia, mas para a epistemologia histórica, ou, melhor ainda, para a história filosófica, ou seja, uma história crítica72. Buscar na ciência os fundamentos da investigação filosófica e, por extensão da filosofia científica ou positivista, é uma das marcas de Comte, para quem a ciência é o resultado da ação do espírito humano, sendo a única forma de conhecê-lo efetivamente, uma vez que um conhecimento direto de suas leis não é possível. Nesse horizonte, a filosofia de Foucault, ainda que abra mão da categoria de ciência, está mais próxima conforme ele mesmo o disse de uma filosofia do saber, da racionalidade e do conceito do que de uma filosofia da

70 Cf. BRAUNSTEIN, Jean-François. “Bachelard, Canguilhem, Foucault; ‘le style français’ en épistémologie”.

In: WAGNER, Pierre (Org.). Les philosophes et la science. Paris: Gallimard, 2002, p. 920-963. Acompanharemos este texto de perto nessa segunda seção de nosso capitulo.

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Nas palavras do autor, Auguste Comte é a “fonte daquilo que foi e deveria permanecer, do nosso ponto de vista, a originalidade do estilo francês em história das ciências.” CANGUILHEM, Georges apud BRAUNSTEIN, Jean-François. “Bachelard, Canguilhem, Foucault; ‘le style français’ en épistémologie”, p. 925. (tradução nossa)

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Braunstein destaca quatro traços para descrever a epistemologia à la française que nos parecem importantes: “São então quatro traços que parecem dever caracterizar a epistemologia francesa: ela parte de uma reflexão sobre as ciências, esta reflexão é histórica, esta história é crítica, e esta história é igualmente uma história da racionalidade. BRAUNSTEIN, Jean-François. “Bachelard, Canguilhem, Foucault; ‘le style français’ en épistémologie”, p. 923. (tradução nossa)

experiência, do senso e do sujeito – a qual teria não Comte como origem, mas Maine de

Biran, e que inspira pensadores como Merleau-Ponty e Sartre.

Outros pensadores mais ou menos conhecidos podem ser inscritos nessa linhagem de pensamento à la française como Abey Rey, Cavaillès, Koyré, François Dagognet, Michel Serres, Ian Hacking, Lorraine Daston, Wolf Lepenies, franceses ou não, e todos possuindo uma ascendência comtiana, é importante dizer. À la française, a história é descontínua e, marcada pelas rupturas, nega qualquer tipo de evolucionismo, e nesse ponto vale marcar um afastamento com relação a Comte, para quem, à maneira tradicional, a história é contínua e evolutiva. É importante dizer ainda que, segundo tal estilo francês, a história só pode ser regional e local, uma vez que se coloca contra a ideia de uma história filosófica da razão universal que teria sua inspiração em Hegel. Tal apelo a um regionalismo epistemológico certamente rende aos autores dessa linhagem acusações de relativismo e de niilismo, sendo Foucault mesmo grande alvo de críticas como estas. Em que pese o “nietzschéisme” de Canguilhem e mais ainda o de Foucault, interessa-nos uma associação de tais pensadores à escola de epistemologia francesa, embora concordemos com Braunstein quando diz que seria muito reducionismo fazer deles simples continuadores da filosofia de Bachelard e mesmo da de Comte, cuja centralidade é reconhecida por Canguilhem conforme observamos acima.

Como vimos, a filosofia inaugurada por Gaston Bachelard, desclassificando toda a pretensão de formular um racionalismo geral, se apresenta como um racionalismo regional, o qual coloca em evidência a inexistência de critérios válidos para todas as ciências. Há aqui a exigência da investigação minuciosa das várias regiões de cientificidade. Daí a concentração da pesquisa bachelardiana nas áreas da física e da química, ciências constituintes da natureza e da matéria. A seu modo, Georges Canguilhem, na esteira das principais categorias metodológicas elaboradas por Bachelard, interessa-se por biologia, anatomia, medicina e fisiologia, as ditas “ciências da vida”. Já Foucault, em sua arqueologia, retendo a noção de corte epistemológico de Bachelard e a ideia de história conceitual de Canguilhem, foca sua análise no homem, mais propriamente, na constituição histórica das ciências do homem. A consideração dos três leva Braunstein, em quem estamos nos apoiando, a falar de uma “trinca” na escola de epistemologia francesa. Porém, eles não podem ser tomados em pé de igualdade, havendo inflexões e ascendências em suas diferentes linhas de pensamento. Vejamos então.

A proposta bachelardiana de racionalismo regional inspira Foucault e, baseado neste critério de Bachelard, no caso de MC pode-se dizer que a região de cientificidade de interesse de Foucault são as ciências humanas. Mas a ascendência maior é ainda o pensamento de Canguilhem, sendo Foucault identificado como seu discípulo, mas um discípulo heterodoxo, como ele próprio o disse uma vez. Foucault foi um grande admirador da obra de Canguilhem, não faltando aqueles que descobriram as marcas na obra seminal de Foucault NC, e a recíproca também é verdadeira, pois o mestre, conhecendo o pensamento de seu discípulo, passa a admirá-lo, num movimento de inversão dos papeis. Canguilhem chega até a defender Foucault das fortes acusações de Sartre, escrevendo o famoso texto: “A morte do homem ou o esgotamento do cogito? 73”. Sobre este artigo, publicado na revista Critique, em 1967, vale dizer que se trata de um posicionamento de Canguilhem em função das fortes acusações que sofreu Foucault com a publicação de MC, anos depois de NC, algo distanciada do mestre – no contexto de sua recepção, e não só por Sartre, ao sofrer ataques de todos os lados, inclusive das hostes marxistas. Segundo Canguilhem, a épistémè pode ser entendida como razão de ser de um programa de subversão da história e não como objeto para a epistemologia. Parece-nos que Canguilhem, na posição de historiador das ciências, nota as diferenças do programa arqueológico com relação à epistemologia; no entanto, “inocenta” Foucault, reconhecendo em seu pensamento uma forma legítima de se pensar a história e um objeto de estudo que não se dá à epistemologia tradicional. Georges Canguilhem74

se ocupará a responder aos ataques sartrianos75 e humanistas em geral, sobretudo o de Simone de Beauvoir mencionado acima. Canguilhem76

defende Foucault tanto política quanto teoricamente, evocando os

73 CANGUILHEM, Georges. “Mort de l’homme ou épuisement du Cogito?” Critique, Paris, n. 242, p. 599-618,

1967.

74 “Humanistas de todos os partidos, uni-vos? (...)

Aí está uma das razões da perplexidade que a leitura de Foucault suscitou em vários de seus censores. Foucault não cita nenhum dos historiadores desta ou daquela disciplina, e só se refere a textos que dormiam nas bibliotecas. Falaram de “poeira”. É exato. Mas a camada de poeira sobre os móveis mostra a negligência das arrumadeiras, a camada de poeira sobre os livros mede a frivolidade das mulheres de letras.” CANGUILHEM, Georges apud ERIBON, Didier. Michel Foucault e seus contemporâneos, p. 105.

75 Depois dos anos de 1970, talvez tenha havido uma “reconciliação” com Sartre, não no plano intelectual, mas

pessoal. Lembrando que a partir deste momento, Foucault já começa a voltar seu pensamento para questões políticas, chegando a assumir inclusive um ultra-esquerdismo bem mais radical do que o marxismo de Sartre. Vale dizer que o marxismo centraliza o poder no Estado, o que incomoda a Foucault em sua “analítica do poder”, uma vez que enxerga as malhas do poder em todas as instituições, na prisão, na escola, no hospital, etc. O poder para Foucault é invisível, microfísico e está em todas as partes da sociedade e não concentrado no Estado, como enxerga o marxista.

76 “Para muitos, essas palavras pareceram um enigma. Hoje, podemos compreender que o enigma valia por uma

anunciação. Cavaillès marcou os limites do trabalho fenomenológico, antes mesmo que ele exibisse, na própria França, isto é, com um atraso indubitável, as suas ambições ilimitadas, e definiu, com vinte anos de antecipação, a tarefa que a filosofia está hoje reconhecendo como: substituir a consciência vivida ou refletida pela primazia do

procedimentos de Jean Cavaillès que já operava com um método que suspendia a consciência, de forma a se opor ao trabalho fenomenológico. O grande mestre de Foucault nos lembra que o filósofo não quis escrever a teoria geral de uma arqueologia do saber, mas sim sua aplicação às ciências humanas, a qual é válida para identificar quando e como o homem passou a ser objeto de ciência, no caso de MC. A ideia é de substituir a primazia da consciência vivida ou reflexiva, tão cara à fenomenologia de Husserl, a qual parte do Cogito cartesiano, pelo

conceito, ou sistema, ou estrutura. A fenomenologia, tomando o homem como sujeito

fundante, pretende trazer à luz a consciência do vivido e do refletido. Já a arqueologia, se colocando contra qualquer sonho humanista de uma filosofia do sujeito doador de sentido, pretende tratar das condições práticas de possibilidade do saber. Estamos de acordo com Gary Gutting77 quando compara o trabalho de Foucault à história conceitual de Canguilhem: “Muito da historiografia de Foucault cai no gênero da ‘história dos conceitos’, como esta foi entendida por seu amigo e mentor Georges Canguilhem.”, epígrafe desta seção. Mas em que medida a arqueologia de Foucault pode ser entendida como uma história conceitual?

Segundo Gutting78, de todos os trabalhos de Foucault, o NC se aproxima ainda mais de uma história dos conceitos, obra na qual o conceito em questão é a doença física tal como desenvolvida do final do século XVIII até o primeiro terço do século XIX. Sobre MC, Gutting diz que se trata da análise de conceitos relevantes desenvolvidos pelas ciências empíricas no século XVIII e XIX. No entanto, a análise de Foucault vai além da ideia canguilhemiana de história conceitual, transformando-a. Por isso podemos reconhecer a heterodoxia de Foucault com relação ao mestre Canguilhem. Para Canguilhem, os conceitos correspondem a disciplinas, e a história do conceito é escrita de acordo com o desenvolvimento dessa disciplina especificamente. Diferentemente, Foucault associa disciplinas aparentemente muito diferentes, apontando para similaridades em seus conceitos básicos – os conceitos atravessariam toda a épistémè, sendo válidos para todas as disciplinas reconhecidas em bloco, ainda que os discursos sejam sortidos. Foucault argumenta, por exemplo, que as disciplinas e ciências clássicas como a gramática geral, a história natural e a análise das riquezas, e a conceito, do sistema ou da estrutura. E ainda há mais. Fuzilado pelos alemães por ter participado da Resistência, Cavaillès, que se dizia spinozista e não acreditava na história no sentido existencial, refutou antecipadamente, pela ação que realizou, sentindo-se levado por sua participação na história tragicamente vivida até a morte, o argumento daqueles que procuram desacreditar o que chamam de estruturalismo, condenando-o a gerar, entre outros malefícios, a passividade diante do fato consumado” CANGUILHEM, Georges apud ERIBON, Didier. Michel Foucault e seus contemporâneos, p. 106.

77 GUTTING, Gary. “Introduction”. In: The Cambrigde Companion to Foucault, p. 7. 78 Cf GUTTING, Gary. “Introduction”. In: The Cambrigde Companion to Foucault.

filosofia, compartilham uma mesma estrutura conceitual, um solo comum que faz com que mais se aproximem umas das outras do que com as figuras epistêmicas que irão sucedê-las na linha temporal e isso verificaremos nos próximos capítulos. Este deslocamento de Foucault com relação à via de Canguilhem se justifica pelo fato do filósofo abrir mão da categoria de ciência, ampliando seu horizonte de análise através do conceito de saber – não se trata de uma ciência ou de outra, mas do saber, o qual perpassa várias ciências e não-ciências79. Desta forma, segundo a linha de pensamento de Gutting80, pode-se dizer que a história arqueológica

apresentada em MC pode ser lida como uma história crítica do conceito moderno de homem. Primeiramente, Foucault mostra que o conceito de homem não exercia nenhuma função na idade clássica, a qual identificava seu saber com a representação. Chegando na épistémè moderna, Foucault ainda explora as várias maneiras em que o conceito de homem na modernidade foi pensado. Conclui o filósofo que a reflexão que obteve mais êxito nas ciências humanas foram as contraciências, tal como a psicanálise de Lacan, a etnologia de Lévi-Strauss e a linguística moderna, as quais contornariam o conceito de homem, se alojando apenas em seus limites exteriores – a discussão sobre as ciências humanas e as ciências estruturais será resgatada no desenvolvimento de nossa dissertação;por ora basta associarmos o projeto de MC com uma história crítica do conceito de homem.

Ao tentar inscrever Foucault na linha da epistemologia, percebemos que o filósofo esforça-se em abrir um caminho para a filosofia que seja diferente do empirismo lógico e da filosofia analítica, sendo sua fonte a história da filosofia, numa relação dual de embate e filiação. Analogamente, em se tratando de ciências, à história da filosofia deverá ser acrescentada, senão a história das ciências, ao menos a história das ideias, como no caso das assim chamadas ciências humanas, cujo pendant será a história da pseudo-ideia de homem. A via encontrada por Foucault será, portanto, a história, mas não fazendo uso da historiografia clássica. Vale lembrar que a periodização usada por Foucault em MC não segue a mesma da história das ciências ou da história da filosofia, mas das artes e da literatura: Renascença (século XVI), Idade clássica ou Época Barroca (século XVII), e Modernidade (séculos XVIII-XX) – o que, muitas vezes, confunde o leitor desavisado.

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Sobre este tema, Roberto Machado confere um estatuto de originalidade ao método foucaultiano, justificando o afastamento da arqueologia face à epistemologia e à história das ciências como um deslocamento legítimo. Cf. MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. Nossa perspectiva, no entanto, é diferente, uma vez que pretendemos buscar pelas implicações epistemológicas da arqueologia das ciências humanas – tema de nossa dissertação.

Observamos dessa maneira que o autor opta por um uso pouco tradicional, e também muito próprio, das cronologias, das fontes e das periodizações, motivo o qual gerou muita controvérsia e questionamento por parte dos historiadores, sendo necessária alguma reserva quanto ao calendário da arqueologia – e também quanto ao vocabulário. Essa relação ambígua com a história da filosofia, relação de embate e filiação, receberá uma atenção no desfecho de nossa pesquisa na qual tentaremos mostrar que a arqueologia do saber de Foucault se distancia da história tradicional das ideias bem como da epistemologia, mas se vê às voltas com elas o tempo todo. Mas apesar das liberdades que toma Foucault com alguns temas e suas apropriações da história, Paul Veyne, importante historiador, dedicou-lhe um artigo intitulado “Foucault revoluciona a história”, um ensaio publicado como apêndice da famosa obra Como se escreve a história81. Se há de fato o que se pode chamar de escola de epistemologia francesa, como Braunstein e outros propuseram82, certamente Foucault se inscreve nessa tradição, a qual une pensadores enviesados na história da ciência como Bachelard, Canguilhem, Cavaillès e Koyré. No entanto, como observa Domingues, se compararmos nosso autor com estes epistemólogos, ainda que historicistas, teremos que constatar que suas ambições extrapolam os limites estabelecidos pela epistemologia e pela história da ciência, sobrepondo-lhes as ambições do filósofo que assumiu o risco de pensar por si mesmo, ao franquear para a filosofia novos objetos, como a loucura e o confinamento, e sendo seu pensamento orientado também para a filosofia política e a ética, para a filosofia da linguagem e a literatura e para incursões estéticas83. Como diz Richard Rorty, Foucault, assim como Nietzsche, foi um filósofo que reclamou para si privilégios de poeta84, inclusive se permitindo o deslocamento de si mesmo, fazendo da escrita e do pensamento uma experiência de si85.

81 Cf. VEYNE, Paul. “Foucault revoluciona a história”. In: Como se escreve a história. Brasília: Editora UNB,

1998, p. 235-285.

82 Sobre esse modo francês de se fazer epistemologia: Cf. WUNENBURGER, Jean-Jacques (Dir.). Bachelard et

l’épistémologie française. Paris: PUF. 2003; BRENNER, Anastasios. Les Origines françaises de la philosophie des sciences. Paris, PUF, 2003; BITBOL, Michel; GAYON, Jean. (Ed). L'épistémologie française: 1830-1970, Paris: PUF, 2006.

83

Cf. DOMINGUES, Ivan, “A via da tradição continental franco-alemã e a história da filosofia”, p. 72-82.

84

Cf. RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: escritos filosóficos 2. Rio de Janeiro. Relume Dumará, 1999, p. 263.

85 Como na famosa frase: "Não me pergunte quem sou e não me peça para permanecer o mesmo: é uma moral do

estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever". FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber, p. 20.