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O surgimento das ciências humanas: a psicologia, a sociologia e a análise das literaturas e

Capítulo 3: A épistémè clássica e o signo-representação: a Gramática Geral e o Quadro

4.4 O surgimento das ciências humanas: a psicologia, a sociologia e a análise das literaturas e

Talvez fosse melhor falar a seu propósito de posição “ana” ou “hipoepistemológica”; se libertássemos este último prefixo do que se pode ter de pejorativo, ele explicaria sem dúvida as coisas: faria compreender que a invencível impressão de fluidez, de inexatidão, de imprecisão que deixam quase todas as ciências humanas não é senão o efeito de superfície daquilo que permite defini-las em sua positividade. 360

Michel Foucault

O projeto da modernidade, como se viu, voltou-se à positividade da vida, do trabalho e da linguagem, as quais Foucault relaciona com o que chama de analítica da finitude, em detrimento do saber da épistémè clássica, entendido como metafísica do infinito361. Neste contexto moderno, tomando a empiricidade como matéria da observação, as reflexões sobre a

vida, o trabalho e a linguagem manifestam o fim da metafísica. Tais reflexões, elas mesmas

analíticas da finitude na visão de Foucault, configuram um quadro em que tal metafísica do infinito é colocada de lado: “a filosofia da vida denuncia a metafísica como véu da ilusão, a

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FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 491.

361 As expressões “metafísica do infinito” e “analítica da finitude” fazem parte dos esquemas que Foucault arma

para entender as mudanças epistêmicas que se deram entre o saber clássico e o saber moderno. No entanto, há de se entender tais expressões dentro do horizonte de interpretações foucaultianas, o qual, como já dissemos, pretende-se descolar da história tradicional das ideias.

do trabalho a denuncia como pensamento alienado e ideologia, a da linguagem, como episódio cultural362”. Segundo a arqueologia do saber de Foucault, no início do século XIX a nova configuração da épistémè fez recuar a representação, substituindo-a por outro modo de ser, mas não a afastando por completo do horizonte epistêmico. Foi o recuo da representação que fez nascer as positividades com as quais trabalham a linguística histórica e a economia política, como se pormenorizou. No entanto, é ainda na análise desse mesmo modo de ser que se assenta filosoficamente a possibilidade do saber das ciências humanas, no qual se verá a volta da representação. O saber moderno, assim, não contorna completamente a representação como disposição epistêmica, uma vez que as ciências humanas, nascidas a esse tempo, lidarão não com as positividades elas mesmas, mas com a representação dos conceitos das ciências positivas, sendo então uma espécie de avatar da épistémè clássica.

A representação na forma moderna, se dando na mente do homem, confere a esta entidade, que já é empírica, a dimensão transcendental. E será esse par empírico- transcendental um postulado antropológico, que vai inclusive confundir o saber moderno, uma herança que Kant teria deixado para a cultura. O problema do homem segundo Foucault reporta à sua ideia de que a cultura ocidental dormiria num sono antropológico – não dogmático, como o de Kant antes de ler Hume, e inaugurado a partir do filósofo alemão, quem teria adicionado à sua trilogia tradicional a formulação de uma nova questão, a qual direcionou toda antropologia a partir do século XIX. Segundo Foucault, comentando Kant, as três questões críticas “O que posso eu saber?”, “O que devo eu fazer?”, e “O que me é permitido esperar?” foram reportadas a uma quarta questão, “O que é o homem?”: “Essa questão, como se viu, percorre o pensamento desde o começo do século XIX: é ela que opera, furtiva e previamente, a confusão entre o empírico e o transcendental, cuja distinção, porém, Kant mostrara363” – problema que Foucault já levantava em sua Tese complementar e que aparece reprisada em MC. Dessa forma, finalmente, na história arqueológica de Foucault, pode-se falar em homem, quem representa tanto o objeto diante de si quanto a si mesmo, noção fornecida por Kant, de quem Foucault aprende que o homem é um duplo empírico- transcendental, pois o filósofo alemão, diferentemente de Descartes, não ignorou a estrutura reduplicativa da representação364, apresentando o homem, como esse duplo - fundamento e

362 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 437. 363 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 471. 364

O sujeito para Foucault pode se aproximar das concepções heideggeriana e kantiana, porque estas incorporam a estrutura reduplicativa da representação na qual o primado não é apenas do sujeito, contemplando inclusive a

fenômeno de si mesmo, suporte das representações. O homem, ou seja, o intelecto, passa a conferir à significação o estado de um fenômeno mental – o que Foucault barrou na idade clássica, uma vez que a representação, dentro de um esquema de signos autônomos, foi colocada como correlata da coisa e da ideia, não havendo aí uma consciência que sirva como suporte das representações.

O homem nasceu, portanto, para a filosofia e para a ciência. E o problema das ciências humanas reporta à mesma falha da filosofia na modernidade, e na base dos dois domínios do saber se verá Kant, mostrando que filosofia e ciência não foram separadas, porque na

épistémè clássica elas já andavam juntas. Como nosso tema é especialmente as ciências

humanas, faz-se importante falar mais detidamente da maneira pela qual Foucault as apresenta em MC: o triedro dos saberes, problemática forma das ciências humanas. Na arqueologia de Foucault, devido ao estatuto complexo das ciências humanas, tais domínios do saber não podem ser vistos como ciências independentes, e sim como saberes em vizinhança ou em relação de proximidade com outros. As ciências humanas seriam perigosas por ameaçarem os domínios dos quais se compõem e estariam em perigo por serem muito instáveis. A consideração do filósofo francês sobre as humanidades é bem particular, e vale dizer que o domínio coberto pelas assim chamadas ciências humanas ele próprio também não é muito preciso, sendo esta uma classificação flexível. O que se toma em MC como ciências humanas são a Sociologia, a Psicologia e a Análise das literaturas e dos mitos365. Na medida em que as ciências humanas pedem de empréstimo os modelos das ciências empíricas, se colocando como representação reduplicada das primeiras, a Sociologia utiliza os conceitos da Economia para postular seus processos e estabelecer suas categorias; a Psicologia faz o mesmo com relação à Biologia; e, igualmente, opera a Análise das literaturas e dos mitos no que diz respeito à linguística (filologia, tal como a concebemos na seção anterior). Trata-se objetivação deste, um “cogito me cogitare”. Cf. HEIDEGGER, Martin. Nietzsche II. Barcelona: Ediciones Destino, 2000, p. 128. O sujeito de Foucault é, à maneira heideggeriana, não o soberano, sendo, no entanto, uma espécie de subordinado, de súdito (sujet em francês e subject em inglês) como na filosofia política, um sujeito sujeitado a regras discursivas, como fica bem claro em A verdade e as formas jurídicas. Tal concepção de sujeito, seja à maneira heideggeriana ou kantiana, se coloca para longe do cogito de Descartes, centralizado no sujeito. Vejamos a seguinte observação de Domingues sobre Descartes e a representação. Para o autor, “Descartes deixa em recesso, além da dependência da coisa e do sujeito vis-à-vis da representação, é exatamente a estrutura reduplicativa do processo reflexivo, em razão da própria estrutura reduplicada da representação, em sua qualidade de elemento próprio do pensamento, representação que, antes de ser um modo ou uma nota da coisa, é um modo ou uma marca do sujeito”. DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das Ciências Humanas - Tomo 1, p. 637.

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Quando Foucault fala de Análise das literaturas e dos mitos provavelmente está se referindo às pesquisas antropológicas de Lévi-Strauss, relação que ocupou algum espaço em nosso primeiro capítulo.

então de reduplicar os conceitos das ciências empíricas, sendo esta a forma moderna do problema da representação reduplicada sobre o qual falamos ao focalizar a épistémè clássica.

Falar em ciências humanas e não falar em história é tanto quanto estranho, já que ela é um dos saberes mais consolidado dentro do bloco das assim chamadas ciências humanas. No entanto, em Foucault, história é sim uma ciência humana, mas é também outra coisa. Como se viu ao longo de nossa dissertação, a história aparece numa situação de ambiguidade em Foucault, sendo tanto parte das ciências humanas, na verdade a mais antiga delas, quanto modo de ser da modernidade, e também via para o método arqueológico. Devido a essa fluidez conceitual, optou-se por não pormenorizá-la junto às ciências humanas. Segundo Ivan Domingues, Foucault tanto diferencia a história-disciplina da história-realidade quanto as embaralha, tomando-as ao mesmo tempo como modo de conhecimento e modo de ser das coisas, e muitas das vezes não se sabe se quem fala é o historiador-filósofo ou o filósofo- historiador. Domingues afirma que tudo isso indica que em Foucault a história se transforma em outra coisa: “algo como uma experiência de pensamento, uma sorte de historiografia imaginária, e a possibilidade de desviar-se do devir real...”366

Na forma do já mencionado triedro dos saberes projetado pelas ciências empíricas, pela formalização matemática e pela reflexão filosófica, Foucault apresenta as ciências humanas como constituídas a partir do próprio volume dessa figura. As ciências humanas vão surgir como projeção ou representação das ciências positivas do homem (biologia, economia e filologia). Como ciências reduplicadas, na visão de Foucault, as ciências humanas se deparam com esse problema de fundamentação, não por carência de rigor, mas pela forma epistêmica mista. Dessa forma, as ciências humanas são frágeis não somente porque falham ao teorizar o que não é passível de teorização, o homem, uma dobra ou um duplo no saber ocidental como se viu, mas porque não se descolam das ciências empíricas e da representação de seus conceitos. Assim, as ciências humanas podem ser entendidas como ciências da reduplicação, ou, segundo Foucault, ciências que estão numa posição “ana”, “hipo” ou “metaepistemológica”, de maneira não pejorativa, mas fazendo menção à inexatidão, à fluidez e à imprecisão367, como nossa epígrafe adianta. Na linha de Foucault, talvez o nome mais apropriado para as ciências humanas seja pseudociências, ciências da reduplicação de

366 DOMINGUES, Ivan. O continente e a ilha: Duas vias da filosofia contemporânea. São Paulo: Edições

Loyola, 2009, p. 81-2.

outros saberes (ciências empíricas, formalização matemática e filosofia) ou ciências da representação, como dissemos acima, ao evocar a épistémè clássica e entender que a épistémè moderna é ainda depositária desta de alguma forma.

Foi importante percorrer o trajeto da épistémè clássica para compreender a épistémè moderna, que finalmente assiste ao nascimento de ciências autônomas como a economia, a linguística e a biologia, as quais semearam os conceitos sobre os quais as ciências humanas se constituíram na linha arqueológica. Contudo, as ciências humanas, reconstruindo as bases das ciências empíricas, na tentativa de construir o homem, só podem formar um domínio metaforizado. A consequência disso é que, sendo então uma representação da economia ou da linguística ou da biologia, as ciências humanas não contém em si mesmas seu fundamento, crítica que Foucault direcionará à análise da literatura e dos mitos, à psicologia e à sociologia. E assim as ciências humanas importam os conceitos das ciências empíricas e fazem com que eles circulem e se cruzem num domínio do saber que, pretendendo compor o homem como objeto do conhecimento, acaba por se confundir e fundir a si mesmas e os campos positivos os quais se reportam.

Como ciências representacionais, para Foucault, as “nebulosas” ciências humanas não passam de saberes em vizinhança, frágeis em sua forma epistêmica sempre projetada e mista, representando também a ameaça da “antropologização” para os outros domínios do conhecimento: a sociologia “sociologiza”, a análise das literaturas e dos mitos “mitologiza” e a psicologia “psicologiza”:

É talvez essa repartição nebulosa num espaço de três dimensões que torna as ciências humanas tão difíceis de situar, que confere tal irredutível precariedade à localização destas no domínio epistemológico, que as faz aparecer ao mesmo tempo como perigosas e em perigo. Perigosas, pois representam para todos os outros saberes como que um risco permanente: por certo, nem as ciências dedutivas, nem as ciências empíricas, nem a reflexão filosófica, desde que permaneçam na sua dimensão própria, arriscam-se a “passar” para as ciências humanas ou encarregar-se de sua impureza (...)368

.

Como adiantado, a confusão entre os pólos empírico e transcendental, cuja falha resulta no problema do antropologismo das filosofias modernas e também das ciências humanas. Por tal razão, Foucault acusa toda a modernidade de uma ilusão antropológica, entendendo por antropologia toda reflexão voltada ao homem. Em MC, a disposição da épistémè moderna data de fins do século XVIII até meados do século XX, justificando tacitamente a inclusão de Husserl e de Sartre (cuja presença segundo Eribon era massiva na versão original de MC

entregue para publicação, tendo sido depois expurgado369), ao mesmo tempo patrocinando e vitimados pela ilusão referida. Segundo a perspectiva de Foucault, Nietzsche370 teria colocado um basta na pergunta pelo homem, conforme ele ressalta no final de sua TC, porém a verdade é que a pergunta continuou sendo feita pela fenomenologia e o existencialismo. E assim, foi apenas quando se constituiu o que o autor chama de “duplo empírico- transcendental”, na esteira de Kant, que o homem apareceu como figura epistêmica, ou seja, quando começou a desempenhar duas funções concomitantemente, a de existência como

coisa empírica e a de fundamento filosófico, a um tempo objeto e sujeito da investigação, o

que tanto promoveu a abertura para várias filosofias humanistas quanto para as ciências humanas, todas elas fruto da antropologia, a qual, como se disse, não é senão a disposição geral da épistémè moderna – mas uma disposição frágil371.

Essa duplicidade empírica e transcendental do homem, como postulado antropológico para o pensamento moderno, aparece de diversas formas. Diferentemente do cogito cartesiano, o cogito moderno implica em outra coisa: eu sou o que sou enquanto não sou, pois que há todo um domínio da experiência que me precede, ou seja, uma linguagem, um trabalho e uma vida que me são exteriores e que me atravessam em meu modo de ser dual. O “eu penso” não conduz a uma evidência do “eu sou”, estando o homem em uma situação não de plena vigília como queria Descartes, mas sob uma espécie de vigília sonolenta. Como já dizia na TC:

369 Trata-se das observações de Didier Eribon sobre a polêmica relação de Foucault com Sartre. Em sua obra

Michel Foucault, lê-se que Raymond Bellour, em ocasião de um colóquio em 1988 em Paris, disse que teve acesso aos manuscritos de Les mots et les choses. Bellour, segundo a narração de Eribon, diz que a obra comportava inúmeros ataques endereçados a Sartre, mas que Foucault acabou suprimindo. A fala de Bellour veio logo após a conferência de Gérard Lébrun, quem ressaltou o caráter combativo e endereçado da obra (aos filósofos da consciência como Husserl, Merleau-Ponty e, sobretudo, a Sartre). ERIBON, Didier. Michel Foucault: Uma biografia, p. 161.

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Cumpre-nos dizer aqui que, talvez, a grande ousadia da Tese Complementar seja justamente apresentar a vertente nietzschiana como continuação do projeto crítico, motivo pelo qual Foucault foi aconselhado a não publicá-la. Como observa Sardinha: “a modernidade pós-kantiana fica marcada por um esquecimento da lição crítica que limita as pretensões do conhecimento, sendo Nietzsche o único autor de relevo que desmistifica as pretensões das novas antropologias filosóficas e que, ao fazê-lo, retoma o gesto crítico de Kant. Como se vê, a ambição do escrito de Foucault é quase desmesurada, o que explica em parte a decisão do seu autor em não a publicar.” SARDINHA, Diogo. “Kant, Foucault e a Antropologia Pragmática” Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 6, n. 2, p. 43-58, jul-dez, 2011, p. 44.

A antropologia é este caminho secreto que, na direção das fundações de nosso saber, religa, por uma mediação não refletida, a experiência do homem e a filosofia. Os valores insidiosos da questão Was ist der Mensch? são responsáveis por este campo homogêneo, desestruturado, indefinidamente reversível, onde o homem oferece sua verdade como alma da verdade. As noções polimorfas de “sentido”, de estrutura, de “gênese” – qualquer que seja o valor que possam ter e que seria justo restituir-lhes em um pensamento rigoroso – por ora só indicam a confusão do domínio onde assumem seu papel de comunicação. O fato de que circulem indiferentemente em todas as ciências humanas e na filosofia não funda um direito a pensar esta e aquelas como que em um único bloco, mas somente sinaliza a incapacidade em que encontramos de exercer contra esta ilusão antropológica uma verdadeira crítica.372 Devido a esse escapamento do homem com relação a si mesmo, pode-se dizer que sua situação no mundo é de desconhecimento, o qual se dá sob a forma do impensado, sobre o qual a fenomenologia não cansou de se debruçar. Para Foucault, a fenomenologia, no limiar da modernidade, não cessa de se resolver numa descrição do vivido que é empírica, sendo também uma ontologia do impensado que põe fora de circuito a primazia do “eu penso”. No entanto, essa reflexão sobre o impensado não teria sido feita ainda de forma autônoma, podendo ela ser encontrada sob nomes diferentes, como o Em-si (An sich) diante do Para-si (Für sich) em Hegel, ou o inconsciente (Unbewusste) de Freud reinterpretado por Schopenhauer, ou o homem alienado em Marx, ou ainda o implícito, o inatual, o sedimentado, o não-efetuado em Husserl373. Na esteira de Foucault, a absorção do Cogito

372 FOUCAULT, Michel. Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant. São Paulo: Loyola, 2011, p. 110-11. 373 Béatrice Han observa um ponto importante sobre o antihumanismo da arqueologia de Foucault e sua tentativa

de ser diferente da fenomenologia husserliana, a qual não evita o cogito, partindo exatamente dele e se servindo amplamente de ideia de uma “subjectivé constituante” (subjetividade constituinte). A arqueologia, segundo Han, acaba caindo no mesmo erro que Foucault quer atribuir à fenomenologia de Husserl, ou seja, dar valor transcendental aos conteúdos empíricos. Mas não será na obra de Husserl que Beátrice Han vai buscar as chaves para entender o pensamento de Foucault, mas na obra de Heidegger, filósofo que também representa a tradição fenomenológica, afirmando que a ontologia heideggeriana seria um “impensado” na obra de Foucault. Para a autora, a ontologia hermenêutica de Heidegger é uma chave de leitura para a problemática da subjetividade em Foucault, e mais tarde, também uma matriz para se pensar no projeto foucaultiano de uma ontologia histórica de nós mesmos. Cf. HAN, Béatrice. L’ontologie manquée de Michel Foucaut. A propósito dessa influência heideggeriana sobre Foucault, deve-se ponderar sobre sua ambiguidade. Em uma das últimas falas do filósofo francês, em 1984, concedida a G. Barbedette e A. Scala, Foucault deixa clara a relação com o pensamento do filósofo alemão em sua trajetória filosófica: “Definitivamente, Heidegger sempre foi para mim o filósofo essencial. Eu comecei lendo Hegel, depois Marx, e me coloquei a ler Heidegger em 1951 ou 1952; e em 1953 ou 1952, eu não me lembro, eu li Nietzsche. Eu ainda tenho aqui as notas que tinha tomado de Heidegger no momento que o lia – tenho toneladas! -, e elas são muito mais importantes do que aquelas que tomei de Hegel ou de Marx. Todo meu futuro filosófico foi determinado por minha leitura de Heidegger. Mas reconheço que foi Nietzsche quem ganhou. Eu não conheço suficientemente Heidegger, não conheço praticamente Ser e tempo nem as coisas editadas recentemente.” (tradução nossa) Do original: "Certainement. Heidegger a toujours été pour moi le philosophe essentiel. J'ai commencé par lire Hegel, puis Marx, et je me suis mis à lire Heidegger en 1951 ou 1952 ; et en 1953 ou 1952, je ne me souviens plus, j'ai lu Nietzsche. J'ai encore ici les notes que j'avais prises sur Heidegger au moment où je le lisais - j'en ai des tonnes ! -, et elles sont autrement plus importantes que celles que j'avais prises sur Hegel ou sur Marx. Tout mon devenir philosophique a été déterminé par ma lecture de Heidegger. Mais je reconnais que c'est Nietzsche qui l'a emporté. Je ne connais pas suffisamment Heidegger, je ne connais pratiquement pas L'Être et le Temps, ni les choses éditées récemment."FOUCAULT, Michel. “Le retour de la morale”. .Dits et écrits IV (1980-1988). Paris: Gallimard, 1994, p.696. Edição brasileira: FOUCAULT, Michel. “O retorno da moral”. In: Ditos e Escritos V, p. 252-63.

pelo impensado e seu inverso é mais uma forma de manifestação do duplo insistente do