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Riquezas e pobrezas no Brasil e Chile: das Conquistas às Repúblicas

No documento Brasil e Chile : riquezas e pobrezas (páginas 89-123)

O capítulo começa com a Conquista ibérica e com o genocídio praticado contra os povos originários no Brasil e séculos depois no Chile. O contingente e a conformação de diferentes etnias estão, grosso modo, contemplados, a exemplo da presença de milhões de escravos negros transplantados da África para o Brasil, diferentemente do Chile que contou somente com poucos imigrantes europeus (poucos comparados aos muitos que vieram ao Brasil em fins do século XIX e início do século XX). É fundamental conhecer melhor a força de trabalho que esteve empregada na realização de múltiplas tarefas exigidas, seja nas extrações de madeira, prata, ouro, diamantes, salitre, cobre, borracha, seja nas produções de açúcar, tabaco, algodão, café, cacau, trigo, nas criações de gado, carneiro, ou no trato com as peles, o couro, o sebo, o leite, o charque...

Fundamentais são as análises de Caio Prado Júnior sobre o sentido da colonização tropical e em particular da colonização brasileira e de Celso Furtado sobre a Formação Econômica do Brasil. A descrição sobre o caso Brasil até princípios do século XX se deu fundamentalmente com eles. Valemo-nos também de outras observações, todas completamente relevantes, como as de Francisco de Oliveira que nos dá a dimensão do genocídio no Brasil entre outros registros; de Josué de Castro sobre a conversão de uma extensa e rica faixa do litoral brasileiro em savana e em região de fome; de Manoel Bomfim sobre a imensa drenagem de riqueza extraída não apenas do Brasil, mas em toda a América Latina, e durante séculos, e o que aqui restou de riqueza materialmente transformada quando das Independências, afora o parasitismo de gerações de milhões de índios e negros. Fundamentais na reconstrução do caso chileno foram os registros de Peter Winn, Tomás Moulian, Moniz Bandeira, Eduardo Galeano e Emir Sader. Foi com todos esses que aqui reconstruímos a produção e reprodução das riquezas e pobrezas no Brasil e no Chile, num movimento contínuo que ressalta resultados econômicos, sociais e políticos (e explicações para os mesmos) no longuíssimo prazo: o que foi criado, em que ritmos e por quem; quem comandou interna e externamente o trabalho das gentes submetidas à escravidão e ao assalariamento nascente; o que ficou internamente e o que foi drenado para fora e onde; os contornos da política no longuíssimo prazo, que aqui se estende do período colonial, passando pelas Independências, até à instauração de uma Republica Parlamentar no Chile e de uma Primeira República no Brasil, posteriormente chamada de República Velha.

90 Das Conquistas às Independências

Talvez não seja forçoso afirmar que antes da Conquista (e mesmo depois) tanto o „Brasil‟ como o „Chile‟ possivelmente não sofriam de tanta pobreza e miséria a ponto de abandonar suas crianças e seus velhos a sorte de animais selvagens. Quer dizer, essas duas „nações‟ não bem se encaixam na descrição das nações selvagens de caçadores e pescadores de Smith. A assertiva de Polanyi de que o princípio de independer da carência era conhecido em quase todos os tipos de organização social até aproximadamente o início do século XVI na Europa, deve valer também para essas bandas, ao menos até antes da Conquista.

O Brasil e o Chile, assim como os demais países da América, nasceram dos processos de formação do Novo Mundo, só que pela via da colonização ibérica, cujos objetivos eram a exploração de riquezas materiais, conquistas territoriais, implantação de feitorias comerciais e a propagação da fé cristã. No caso do Brasil, em relação ao seu contingente populacional quando da Conquista, as estimativas variam entre cerca de 2,5 a 10 milhões de autóctones, dispersos ao longo de vastos espaços, frações do que posteriormente corresponderia ao imenso território brasileiro54. No transcurso de algumas décadas,

um genocídio os reduziu a pouco mais de 340 mil indígenas – apelido decorrente da suposição de ter-se chegado às Índias pelo Ocidente. Os sobreviventes concentraram-se, sobretudo, na Amazônia – cerca de 180 mil. Os parcos, esquálidos mesmo,

remanescentes no restante do país formam, em geral, pequenos grupos, na maior parte completamente aculturados, inseridos no mais baixo estrato social, vivendo sob pobreza extrema. Uma catástrofe epidemiológica que se ombreia com todas as grandes

pestes europeias e asiáticas. (Oliveira, 2006, p.206, grifos meu).

Em Histórica econômica do Brasil Caio Prado Júnior assinalou que o sentido de nossa colonização foi antes de tudo mercantil, expressando-se inicialmente na extração da madeira, pau-brasil, posteriormente num empreendimento produtivo de exploração da cana-de-açúcar, e mais tarde na extração de metais preciosos, ouro e diamantes, seguido pelas plantações de algodão e café, tudo voltado para o comércio europeu.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da

54 O território brasileiro tem atualmente uma extensão de 8,5 milhões de Km2 e é o quinto maior país no

mundo. No âmbito das Américas, o Brasil perde em extensão apenas para o Canadá e os Estados Unidos. Corresponde a cerca de um quinto do território total da América, mais de um terço da América Latina e quase a metade da América do Sul.

91 colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá seus cabedais e recrutará a mão-de-obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elementos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira. (Prado Jr., 1998, p.22-23 [1945]).

As atividades produtivas movidas pelos escravos indígenas e negros juntamente com o comércio mantiveram e reforçaram a concentração fundiária. A posse da terra fora inicialmente definida pelas capitanias e depois pelas sesmarias de providência real portuguesa. A concentração de terras logo se tornou uma das bases fundamentais da estrutura econômica, social e política da colônia, prolongando-se por séculos. A outra foi o comércio de escravos negros, quer pela necessidade de mão de obra (dado à inaptidão da população autóctone para trabalhos regulares e sua fuga para lugares mais longínquos55), quer pelas oportunidades oferecidas por este grande negócio que foi o comércio de escravos africanos. Estima-se que mais de 4 milhões de africanos negros aportaram ao Brasil no decorrer de princípios do século XVI a meados do século XIX. Foi duro o percurso até que o país desaguasse na abolição da escravatura, ocorrida somente no ano de 1888. E quantos não pereceram prematuramente ao longo do caminho? A expectativa de vida de um escravo brasileiro não ultrapassava muito os trinta anos.56

No caso da mais remota das colônias americanas da Espanha, o Chile, sua população autóctone fora sempre menor e menos dispersa e diversificada do que a do Brasil. O processo de colonização também fora violento, mas a resistência do maior grupo indígena chileno, os mapuches57, foi muito mais efetiva. Durante mais de três séculos resistiram com sucesso à conquista espanhola, pois nunca foram conquistados ou subordinados durante o período colonial. A colônia espanhola ficara limitada ao

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A escravidão dos índios foi abolida em meados do século XVIII, mas manteve-se de forma disfarçada mesmo depois.

56 Ver: Oliveira, 2006. 57

“Hoje, mais de um milhão dos quinze milhões de chilenos que habitam o país reclamam ancestralidade mapuche”. (Winn, 2010, p.28).

92 território ao norte de sua fértil terra florestal58. Para o império espanhol o Chile fora, sobretudo, um posto estratégico, cujo papel era o de impedir que inimigos estrangeiros atacassem o Peru e conquistassem a prata que no fim ficava com os sucessivos monarcas de Madri. Durante todo o período colonial, o Chile não foi tido como uma colônia de grande valor econômico. Somente nos séculos XIX e XX é que suas riquezas minerais (prata, nitratos e o cobre) tornam-se cobiçadas.59

Diferentemente do Brasil, país que transplantou milhares de africanos negros e recebeu uma maciça imigração europeia ao final do século XIX e princípios do século XX, o Chile contou somente com um limitado contingente de europeus que migraram durante o período colonial (alemães, italianos, eslavos, também árabes e judeus), e não teve uma população de descendência africana. No princípio coube aos índios capturados ou escravizados formarem a força de trabalho da qual se valeram seus colonizadores, até que a mistura racial criou, já no século XVIII, uma força de trabalho mestiça subordinada.

A economia chilena inicial foi a agricultura de subsistência, sucedida no tempo por uma economia de criação de gado, que precisava de pouca mão de obra e que encontrou um mercado próspero nas peles de carneiro que carregavam o mercúrio tóxico de Huancavelica, no Peru, para refinar o minério de prata em Potosí, enquanto caixas de couro transportavam as barras de prata de Potosí para o porto de Arica, de onde eram baldeadas para a Europa ou a Ásia. Mas os vales férteis e abundantes em recursos hídricos do Chile continham rica terra agrícola, e quando um terremoto devastou a agricultura peruana no final do século XVII, as fazendas chilenas preencheram o vazio e assumiram o suprimento da capital do vice-reino com grãos e outros produtos alimentares. A isso acrescentou-se a modesta renda das minas de cobre do norte e a venda de alimentos e produtos artesanais ao Exército espanhol sediado ao sul da colônia, na fronteira mapuche.

Como não se considerava que o Chile tivesse as riquezas do Peru, para atrair colonos para essa colônia estrategicamente importante, Madri estava disposta a lhes conceder privilégios negados aos colonos que se dirigiam a outros lugares. A encomienda, sistema que garantia que os colonos pagassem o tributo e as cobranças de impostos da Coroa, foi desativada na maior parte do império espanhol no século XVIII, o que permitiu aos colonos constituir a base das grandes fazendas do país. A escravidão dos índios, também banida na maior parte do império, era permitida no Chile, e os prisioneiros das guerras com os mapuche ou os hauarpe eram alocados no lado argentino dos Andes e levados de volta ao Chile, vindos da região de Cuyo, sob a administração da cidade de Santiago. No século XVIII, no entanto, a maior parte da mão de obra das propriedades rurais chilenas provinha dos inquilinos mestiços, peões

58 Um combatente soldado espanhol nas guerras araucanianas, Alonso de Ercilla, produziu a primeira

ficção do país, As guerras araucanianas, que conta as virtudes dos inimigos “bárbaros” do império espanhol, bem como a história de seus fracassados esforços para conquistar os mapuche e os araucanianos do sul do Chile. O herói da obra é Lautaro, líder mapuche, e não Pedro de Valdivia, seu comandante espanhol.

93 residentes que trocavam sua força de trabalho por casa e um pouco de terra para plantar, mas que continuavam dependentes da boa vontade do dono da terra.

Nessa época, uma elite chilena se consolidou com base na terra, suplementada pela mineração e pelo comércio. Durante o século XVIII, tornou-se cada vez mais rica graças à força de trabalho dependente e aos lucros combinados de suas fazendas, minas e exportações. (Winn, 2010, p.28-29).

Já o Brasil não se afigurou como um posto estratégico de defesa para o império português. E se bem que sua economia inicial também fora modesta com o tráfico ativo do pau-brasil na costa brasileira até meados do século XVI60, não serviu até esse período para fixar qualquer núcleo de povoamento no território. Mas o negócio com a produção e comercialização do açúcar, um produto de grande valor comercial na Europa, logo fez com que o território despertasse um interesse até então inexistente. Desde a segunda metade do século XVI que a produção de açúcar passara a ser cada vez mais uma empresa em comum com os flamengos, notadamente os holandeses. A produção do açúcar, sobretudo em Pernambuco, Bahia e São Vicente, representou durante mais de um século e meio praticamente a única base em que se assentou a economia brasileira. Até meados do século XVII o Brasil fora o maior produtor mundial de açúcar. Seu monopólio foi perdido no momento em que começam a aparecer à concorrência das colônias da América central e das Antilhas.61

Além do açúcar, o tabaco também foi desde princípios do século XVII cultivado, principalmente na Bahia (no contorno do Recôncavo) e em menor quantidade em Sergipe e Alagoas, mas no geral em escala modesta quando comparado ao açúcar. Sua utilização se deu por conta do tráfico de escravos. No começo do século XIX, momento em que começam a estabelecer restrições ao tráfico, à produção e comercialização paralelamente entram em crise. O açúcar e o tabaco, os dois grandes produtos de

60 Segundo Caio Prado, “foi rápida a decadência da exploração do pau-brasil, poucos decênios, até 1530.

Logo esgotaram-se o melhor das matas costeiras que continham a árvore, e o negocio perdeu interesse. Assim mesmo a exploração esporádica do pau-brasil continuará até o início do século XIX, sem importância em termos absolutos e mesmo relativos a outros setores da economia brasileira” (1998, p.27 [1945]).

61 Celso Furtado registra que “durante sua permanência no Brasil, os holandeses adquiriram o

conhecimento de todos os aspectos técnicos e organizacionais da indústria açucareira. Esses conhecimentos vão constituir a base para a implantação e desenvolvimento de uma indústria concorrente, de grande escala, na região do Caribe. A partir desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre os portugueses e os grupos financeiros holandeses que controlavam o comércio europeu. No terceiro quartel do século XVII os preços do açúcar estarão reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo durante todo o século seguinte. (...) O volume das exportações médias anuais da segunda metade do século XVII dificilmente alcança cinqüenta por cento dos pontos mais altos atingidos em torno de 1650. (...) Tudo indica que a renda real gerada pela produção açucareira estava reduzida a um quarto do que havia sido em sua melhor época”. (2000, p.15-16 [1959]).

94 exportação da colônia, foram apoiados por suas atividades acessórias voltadas a manter em funcionamento essa economia exportadora. A chamada economia de subsistência consistiu basicamente em atividades fornecedora dos meios de subsistência à população empregada na atividade de exportação. De um modo geral, a população rural da colônia (que representava quase a totalidade da população) dedicada à produção nas grandes lavouras foi capaz de prover suficientemente a sua subsistência com diversas culturas alimentares62, sem ter que recorrer a importações. Em condições distintas estavam a pequena população urbana (registre-se que nos primeiros cento e cinquenta anos de colonização os centros urbanos serão todos pequenos), voltada à administração e ao comércio. Para abastecê-la estabeleceram-se pequenas lavouras especializadas, de exploração rural semelhante à do camponês europeu, separadas e distintas da grande lavoura. Naquelas pequenas lavouras são os proprietários e suas famílias que se ocupam da produção, ajudados por índios escravos. Adotando os hábitos e costumes europeus em mistura com suas tradições, os índios (caboclos) formarão o embrião de uma classe média entre os grandes proprietários e os escravos.

Desde o princípio da colonização brasileira que a insuficiência alimentar esteve presente, mas no século XVII tornou-se quase sempre a regra nos núcleos de povoamento mais densos, dado o papel secundário que a agricultura de subsistência ocupava no sistema econômico do país. E agravou-se ainda mais no século XVIII quando os centros urbanos adquiriram importância maior. E apesar das medidas legislativas tomadas, tais como a obrigação do plantio de alimentos, o problema persistiu dado às atenções voltadas para a produção do açúcar, cujo retorno era sempre muito maior. Assim, a população colonial, com exceção das classes mais abastadas, viveu num crônico estado de subnutrição, sendo que a população urbana sofrera mais do que a rural pela falta de alimentos.

Em Formação econômica do Brasil Celso Furtado destacou o fato da colônia açucareira ser “excepcionalmente rica”, mas que sua renda estivera “fortemente concentrada” nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana.

Sobre o monte da renda gerada por essa economia não se pode ir além de vagas conjecturas. O valor total do açúcar exportado, num ano favorável, teria alcançado uns

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Entre as diversas culturas alimentares, estiveram presentes, sobretudo, a mandioca, o milho, o arroz e o feijão; as verduras foram pouco consumidas, ao contrário das frutas, sobretudo a banana e a laranja; a pecuária se deu no sertão nordestino, sobretudo a carne de vaca em pouca quantidade e baixa qualidade. Em Campos dos Goitacases e no sul de São Paulo e Paraná a carne era de melhor qualidade e maior quantidade. (Prado Júnior, 1998, p.43 a 46 [1945]).

95 2,5 milhões de libras. Se se admite que a renda líquida gerada na colônia pela atividade açucareira correspondia a 60 por cento desse monte, e que essa atividade contribuía com três quartas partes da renda total gerada, esta última deveria aproximar-se de 2 milhões de libras. Tendo em conta que a população de origem europeia não seria superior a 30.000 habitantes, torna-se evidente que a pequena colônia açucareira era excepcionalmente rica. (...) A renda que se gerava na colônia estava fortemente concentrada em mão da classe de proprietários de engenho. (...) pelo menos 90 por cento da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana. (Furtado, 2000, p.47-48 [1959]).

Ademais, Furtado sugere que a indústria açucareira era suficientemente rentável para autofinanciar uma duplicação de sua capacidade produtiva a cada dois anos. A excepcionalidade com que essa potencialidade fora utilizada indica, segundo ele, que o crescimento da indústria foi governado pela possibilidade de absorção dos mercados compradores, “que houve excepcional habilidade na etapa de comercialização, e que era desta última que se tomavam as decisões fundamentais com respeito a todo o negócio açucareiro” (idem, p.49). O destino dos recursos financeiros sobrantes, ou seja, àqueles que não eram investidos na indústria açucareira, não foram usados dentro da colônia, pois a atividade econômica de subsistência absorvia ínfimos capitais. E como tampouco consta que os capitais poupados foram investidos em outras regiões e atividades, a conclusão a que chega é a de “parte substancial” dos capitais aplicados na produção açucareira pertencera aos comerciantes. Assim, “uma parte da renda, que antes atribuímos à classe de proprietários de engenhos e de canaviais, seria o que modernamente se chama de renda de não-residentes, e permanecia fora da colônia”; e assim se explica “a íntima coordenação existente entre as etapas de produção e comercialização, coordenação essa que preveniu a tendência natural à superprodução” (ibidem).

Mas ainda que se prevenindo da tendência à superprodução, a economia açucareira brasileira não pode evitar a perda de seu monopólio diante à concorrência das colônias da América central e das Antilhas, como argumentou Furtado63. Na segunda metade do século XVII, a rentabilidade da colônia brasileira baixou substancialmente, tanto para o comércio como para o erário lusitano. Em fins do século XVII as exportações brasileiras de açúcar haviam caído pela metade e os seus preços não ultrapassavam o patamar de 50% de sua melhor cotação. As Antilhas estavam bem mais perto do mercado europeu, além de contar com terras virgens e com a produção em

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Ver os capítulos V e VI sobre “As colônias de povoamento do hemisfério norte” e as “Consequências da penetração do açúcar nas Antilhas”, do livro Formação Econômica do Brasil.

96 melhor nível técnico. Além disso, as terras brasileiras em que se praticou a produção

No documento Brasil e Chile : riquezas e pobrezas (páginas 89-123)