• Nenhum resultado encontrado

Robert K Merton

No documento Download/Open (páginas 57-60)

CAPÍTULO II: Folkcomunicação e teoria social funcionalista

1. Características funcionalistas

1.1. Análise Funcional e analogias orgânicas

1.1.3. Robert K Merton

Outro pensador do funcionalismo a ser aqui observado é Robert Merton, pois ele, juntamente com Talcott Parsons, é visto como o grande teórico funcionalista dos Estados Unidos. Há algumas diferenças entre esses dois, como por Parsons ter trabalhado na elaboração de uma teoria geral, de grande alcance, enquanto Merton focou em teorias de médio alcance25 e em contextos socioculturais diversificados, com os atores sociais movimentando-se “em um universo marcado por expectativas contraditórias, muitas vezes incongruentes com sua posição social” (COSER apud LIMA, 1994, p.156). Outra diferença

24 “O Kula é uma forma de troca e tem caráter intertribal bastante amplo; é praticado por comunidades

localizadas num extenso círculo de ilhas que formam um circuito fechado. [...] Ao longo dessa rota artigos de dois tipos – e somente desses dois – viajam constantemente em direções opostas. No sentido horário movimentam-se os longos colares feitos de conchas vermelhas, chamados soulava. No sentido oposto, movem- se os braceletes feitos de conchas brancas, chamados mwali. Cada um desses artigos, viajando em seu próprio sentido no circuito fechado, encontra-se no caminho com os artigos da classe oposta e é constantemente trocado por eles. Cada movimento dos artigos do Kula, cada detalhe das transações é fixado e regulado por uma série de regras e convenções tradicionais; alguns dos atos do Kula são acompanhados de elaboradas cerimônias públicas e rituais mágicos” (MALINOWSKI, 1984, p.71).

25

A teoria de médio alcance se refere à negação de grandes teorias, abstratas e especulativas, as quais têm como objetivo entender realidades muito amplas. Para Merton, a sociologia não deveria focar em buscar grandes teorias, assim como não poderia ter apenas caráter empírico. Conforme o autor (1968, p.79): A) “As teorias de médio alcance consistem de conjuntos limitados de pressupostos, dos quais se derivam logicamente hipóteses específicas, confirmadas pela investigação empírica”; B) “Essas teorias são suficientemente abstratas para tratarem de diferentes esferas de comportamento e estruturas sociais, ultrapassando assim as simples descrições ou generalizações empíricas”; C) “Os sistemas da teoria sociológica total – como o materialismo histórico de Marx, a teoria dos sistemas sociais de Parsons e a sociologia integral do Sorokin – mais representam orientações gerais, do que sistemas rigorosos e estreitos, semelhantes aos que são empregados para a procura de uma ‘teoria unificada’ da física”; D) “A orientação de médio alcance envolve a especificação de ignorância. Em vez de proclamar um conhecimento que está de fato ausente, reconhece expressamente o que ainda deve ser aprendido, a fim de preparar os fundamentos para um conhecimento ainda maior. Não pretende estar capacitada a desempenhar a tarefa de fornecer soluções teóricas para todos os problemas urgentes e práticos do dia, mas dirige-se àqueles problemas que agora possam ser esclarecidos à luz do conhecimento disponível”.

está na amplitude de diálogo com outros autores: Merton tem em seu leque estudiosos como Durkheim, Marx, Weber, Mannheim e Simmel; já Parsons possui diálogo mais restrito (quando se fala em quantidade de correntes de pensamento), usando Durkheim, Weber e Pareto, mas apenas tangenciando Marx, Mannheim e Simmel (LIMA, 1994, p.155).

Nísia Lima (1994, p.156) traz a associação que Lewis Coser fez sobre os diferentes estilos de Parsons e Merton, comparando-os, respectivamente, ao ouriço26 e à raposa: O primeiro é um ouriço porque é “sabedor de uma única grande coisa e obsessivo em seu tratamento aprofundado de um tema”. Já Merton é associado à raposa por possuir “uma mentalidade mais aberta e plástica a diferentes tendências intelectuais e objetos de investigação”.

LB cita Merton em sua tese, especialmente por conta dos estudos de influência pessoal que eram realizados pelo grupo, do qual esse autor fazia parte, da Universidade de Colúmbia. Merton é o autor do texto Funções manifestas e funções latentes ([1948] 1968), o qual critica algumas ideias de autores como Bronislaw Malinowski e Radcliffe-Brown, mostrou o desenvolvimento que o funcionalismo foi tendo durante sua trajetória e que, segundo Lazarsfeld (1979, p.116), deu nova vida a essa corrente sociológica:

A posição da jovem geração foi exposta no Manifest and Latent Functions, de Robert Merton. A obra marca uma viragem histórica na medida em que adopta um ponto de vista funcional, tentando definir problemas ainda não resolvidos. Tudo ou quase tudo que foi publicado consequentemente se refere ao ensaio de Merton.

Nesse texto, a análise funcional proposta por Merton (1968, p.117-121) é encontrada, com o autor informando quais aspectos devem ser observados pelos cientistas, no intuito de: fornecer um guia para as análises, conduzir o pesquisador aos postulados e suposições que estão no substrato da análise funcional, e “sensibilizar o sociólogo não somente em relação às correlações estreitamente científicas de vários tipos de análise funcional, como também a suas correlações políticas e algumas vezes ideológicas” (MERTON, 1968, p.122).

Os itens desse paradigma de Merton são: 1) Para a realização de uma análise funcional o cientista deve observar itens padronizados, como os papéis sociais, os padrões culturais, as emoções culturalmente padronizadas, as normas sociais, organização de grupos, a organização de grupos, a estrutura social, os dispositivos para controle social; 2) As disposições subjetivas, como as motivações dos sujeitos, também podem ser observáveis, porém com cuidado, pois “tais conceitos de disposição subjetiva são frequente e erroneamente fundidos com os

26 “O significado metafórico usual de ouriço na língua inglesa é o de pessoa fechada, sorumbática” (LIMA,

conceitos relacionados, porém diferentes, de sequências objetivas de atitudes, crenças e comportamento” (MERTON, 1968, p.118); 3) Ter em mente que tanto as funções manifestas quanto as latentes devem ser encontradas e observadas, e que na sociedade podem existir funções, disfunções e aspectos não funcionais. Em relação a todas essas modalidades de funções, seguem algumas conceituações:

Funções são aquelas consequências observadas que propiciam a adaptação ou ajustamento de um dado sistema e disfunções são aquelas consequências observadas que diminuem a adaptação ou o ajustamento do sistema. Há também a possibilidade empírica de consequências não-funcionais as quais são simplesmente irrelevantes ao sistema em consideração”. (MERTON, 1968, p.118)

As funções manifestas referem-se “àquelas consequências objetivas para uma unidade especificada (pessoa, grupo, sistema social ou cultural) a qual contribui para seu ajustamento ou adaptação e assim é intencionada”; já as latentes se referem “às consequências não intencionadas e não reconhecidas da mesma ordem” (MERTON, 1968, p.130). Ou seja, as questões às quais as atitudes se destinam à primeira vista são tidas como manifestas; e as latentes são os acontecimentos não intencionados, são as funções “de uma prática ou crença que não são do conhecimento comum, porque são consequências sociais e psicológicas inesperadas e, em geral, não reconhecidas” (MERTON, 1968, p.135), exigindo do observador atenção “para mais além da questão de se saber se a conduta consegue ou não a sua finalidade confessada” (MERTON, 1968, p.130).

Voltando ao paradigma para a análise funcional, a quarta indicação se refere à relatividade do conceito de função, pois uma mesma função pode ser funcional a um grupo ou a um indivíduo, mas pode ser disfuncional a outros; 5) Estabelecer pré-requisitos funcionais (embora essa tarefa seja de muito difícil feitura); 6) Deve ser feita uma exposição concreta e detalhada dos mecanismos que atuam em uma função; 7) Entender que há alternativas funcionais – em oposição à ideia de indispensabilidade das estruturas funcionais –, dando “amplitude de variação possível no que diz respeito aos itens que, no caso em exame, possam servir a um requisito funcional” (MERTON, 1968, p.119); 8) Os elementos da estrutura social são interdependentes, e isso gera certa limitação para as mudanças; 9) A análise funcional não pressupõe uma estática social. O conceito de disfunção atua observando a instabilidade estrutural e, consequentemente, a dinamicidade social: “O conceito de disfunção, que implica no conceito de tensão, esforço e oposição no nível estrutural, propicia uma aproximação analítica ao estudo da dinâmica e da mudança” (MERTON, 1968, p.120); 10) Os procedimentos de análise devem se aproximar da lógica da experimentação; 11) Por fim,

observar que aspectos ideológicos podem se fazer presentes nas pesquisas, mas tendo em mente que isso afeta conceitos, suposições e limita a interpretação sociológica.

Ainda focando em como uma análise funcional deve ser, Merton esclarece quais os itens a serem analisados. O autor cria um protocolo de pesquisa (composto por cinco pontos27), com indicações do que o pesquisador deve observar e descrever durante o estudo. O primeiro se refere a localizar quem participa do contexto analisado. Se a análise for sobre uma manifestação tribal, por exemplo, devem ser localizados os participantes e as atitudes que dessa movimentação fazem parte. A segunda sugestão é a de também indicar as alternativas excluídas da análise. A terceira se refere a incluir significações afetivas e cognitivas, pois “um relato total circunstanciado das significações ligadas ao item muito contribui a sugerir as linhas apropriadas de análise funcional” (MERTON, 1968, p.124). A quarta aponta para a inclusão das motivações no relato descritivo, pois isso ajudará a “explicar as funções psicológicas servidas pelo padrão e frequentemente verifica-se ser sugestiva quanto às funções sociais” (MERTON, 1968, p.126). E, por fim, encontrar os padrões ocultos, que são os comportamentos regulares não reconhecidos pelos participantes, ou seja, as funções latentes.

Em relação às analogias biológicas para análises sociais (esse uso que pode ser encontrado desde século XIX, como em Herbert Spencer e Augusto Comte, a uma boa parte de autores funcionalistas, passando por Radcliffe-Brown, Durkheim, Malinowski), Merton vê que é possível com essa correspondência obter meios de melhor interpretar os objetos sociais, mas deixa claro que as realidades sociais e biológicas são diferentes:

[...] lucrar com a lógica do processo empregado de modo bem sucedido nas ciências biológicas, não é descambar na aceitação de analogias em grande parte irrelevantes e de homologias, que por tanto tempo têm fascinado os devotos da sociologia organicista. Examinar a armação metodológica das pesquisas biológicas não é adotar seus conceitos substantivos. (MERTON, 1968, p.115)

No documento Download/Open (páginas 57-60)