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São Paulo Faz Escola: ensino médio, trabalho e tecnologia

2. Geografia e ensino médio nas escolas brasileiras

2.2 Contextualização do ensino médio no Brasil

2.2.1 São Paulo Faz Escola: ensino médio, trabalho e tecnologia

No documento curricular há um subcapítulo com o título “articulação com o mundo do trabalho”, que utiliza como referência a LDB 9394/96. Nele existe uma extensa associação entre o ensino médio, o “mundo do trabalho” e a tecnologia. O documenta apresenta também o problema da dualidade no ensino médio, a formação propedêutica ou a profissionalizante, como um problema histórico da educação brasileira que ainda não foi superado, com caráter “excludente de ensino” (SÃO PAULO, 2010, p.24); e além reconhecer a importância que a formação não seja apenas “propedêutica, tampouco voltada estritamente para o vestibular” (SÃO PAULO, 2010, p.24).

Goodson (2011) enfatiza nos seus trabalhos que o currículo traz elementos pré-activos, os quais não são desinteressados e irrelevantes para entendermos o processo de escolarização. Esta pesquisa buscará interpretar o significado do “mundo do trabalho” e a “tecnologia” no currículo São Paulo Faz Escola para o ensino médio.

No currículo SPFE está escrito que o “trabalho” é entendido a partir de “um ponto de vista filosófico”, mas vale registrar que a utilização do termo no documento é sinônimo de prestação de serviço:

À parte qualquer implicação pedagógica relativa a currículos e à definição de conteúdos, o valor do trabalho incide em toda a vida escolar: desde a valorização dos trabalhadores da comunidade, o conhecimento do trabalho como produtor de riqueza e o reconhecimento de que um dos fundamentos da desigualdade social é a remuneração injusta do trabalho. A valorização do trabalho é também uma crítica ao bacharelismo ilustrado, que por muito tempo predominou nas escolas voltadas para as classes sociais privilegiadas. (SÃO PAULO, 2010, p.22).

Albornoz (1988), coloca a existência de vários sentidos para a palavra trabalho, apresentado uma concepção menos limitante, ao entender o trabalho como uma atividade humana que é transformadora e que, possui um fim sério que deve ser realizado ou alcançado,

83 sendo o trabalho o princípio que move o ser humano para o conhecimento que é passado entre gerações, desenvolvendo assim a cultura de um determinado grupo social.

Frigotto (2004) contribui para pensar a articulação entre o ensino médio e o trabalho. Compreende que o conhecimento sobre o mundo do trabalho é importante, porque não está dissociado da vida do jovem, “como meio de vida”, além de possuir uma função não alienante. A escola deve contribuir para pensar os modos e métodos, as relações e as produções que são resultantes das diversas formas de trabalho que historicamente transformam a vida social, cultural e a política.

Todavia, o currículo paulista propõe uma formação do trabalho a partir das competências básicas que instrumentaliza o sujeito para se inserir no mercado produtivo e não traz consigo uma reflexão crítica do “mundo do trabalho”, mas sim, algo mais próximo de formar um “bom” trabalhador, que desenvolva flexibilidade para resolver situações adversas e, também, siga as regras anteriormente impostas.

A LDBEN adota uma perspectiva sintonizada com essas mudanças na organização do trabalho ao reconhecer a articulação entre educação básica e profissional, definindo, entre as finalidades do ensino médio, a preparação básica para trabalhar e a cidadania do educando, para contribuir aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade as novas condições ou aperfeiçoamentos posteriores (SÃO PAULO, 2010, p.23, grifos nossos).

O excerto acima do currículo SPFE mostrou o quanto “as competências genéricas e a flexibilidade” são colocadas como essenciais para a aprendizagem escolar do sujeito, ademais são reconhecidas como “uma desafio contemporâneo para a educação escolar” (SÃO PAULO, 2010, p.10).

Foi na década de 1990, que surgiram nos currículos a tônica das “competências genéricas e a flexibilidade, de modo que as pessoas pudessem se adaptar as incertezas do mundo”, como imposição de novos padrões na sociedade capitalista, que se caracterizaram pela desregulamentação da economia e “pela flexibilidade das relações e dos direitos sociais” (RAMOS, 2004, p.39).

Lembra-se aqui que Apple argumenta como o neoliberalismo sustenta o discurso de uma crise economia, responsabilizando o sistema de ensino por tais instabilidades. Isso porque os grupos hegemônicos se organizam para realizar reformas escolares que vão ao encontro dos seus interesses (APPLE, 2001, p.114).

Para Goodson (2001), a partir dos trabalhos de Bernstein, o currículo escolar “exorta- nos a investigar como uma sociedade seleciona, classifica, distribui e transmite o seu conhecimento educacional e a relacionar isto com questões de poder e de controle social”

84 (p.87). Cabe questionar no currículo paulista, se as competências prescritas para o “mundo do trabalho” tem capacidade de oferecer uma formação para o trabalho intelectual e/ou tecnológico.

O trecho a seguir mostra a influência das forças produtivas do mercado na seleção do conhecimento escolar do currículo paulista do ensino médio, especificamente para a instrumentalização do aluno:

Hoje essa separação já não se dá nos mesmos moldes porque o mundo do trabalho passa por transformações profundas. À medida que a tecnologia vai substituindo os trabalhadores por autômatos na linha de montagem e nas tarefas de rotina, as competências para trabalhar em ilhas de produção, associar concepção e execução, resolver problemas e tomar decisões tornam- se mais importantes do que conhecimentos e habilidades voltadas para postos específicos de trabalho (SÃO PAULO, 2010, p. 23).

O documento apresenta a necessidade de associar a educação para o “mundo do trabalho” à tecnologia, atribuído a este termo dois sentidos: um histórico sendo compreendido como um elemento cultural, “como parte das práticas sociais”, e o outro sentido é o que predomina ao longo do texto currícular, está relacionado ao desenvolvimento dos bens de produção, novamente sem elementos que colaborem para não alienação do trabalho:

A segunda acepção, ou seja, a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos da produção, faz da tecnologia a chave para relacionar o currículo ao mundo da produção de bens e serviços, isto é, aos processos pelos quais a humanidade- e cada um de nós- produz os bens e serviços de que necessita para viver (SÃO PAULO, 2010, p.22).

Observa-se uma despreocupação do currículo com conhecimento que possibilite a associação do processo histórico do trabalho às transformações tecnológicas, possibilitando ao jovem uma capacidade reflexiva e transformadora da sua condição social. O texto apresenta situações que estão mais próximas a levar ao jovem a adquirir informações, para conduzi-lo ao consumo das novas tecnologias:

A educação tecnológica básica tem o sentido de preparar os alunos para viver e conviver em um mundo no qual a tecnologia está cada vez mais presente, no qual a tarja magnética, o celular, o código de barras e outros tantos recursos digitais se incorporam velozmente à vida das pessoas, qualquer que seja sua condição socioeconômica (SÃO PAULO, 2010, p.22; grifos nossos)

É nessa perspectiva que se encaixa o currículo por competências, por meio do saberes que legitimam as “formas de produção do capitalismo avançado” (CIAMPI, 2010, p.10), desenvolvendo competências e habilidades que insiram o jovem no mercado de trabalho e, também, estimule a usufruir do consumo particular das tecnologias. Ciampi apresenta os princípios educacionais dos paradigmas americanos, no currículo por competências, que

85 viabilizam a construção de uma cultura do trabalho, facilitando “padrões de comportamentos úteis à participação do sujeito no mercado produtivo e, consequentemente, de consumo” (CIAMPI, 2010, p.12).

O exercício da cidadania, no texto do currículo paulista, fica praticamente restrito à capacidade de escolha do sujeito de consumir:

No entanto, para sermos cidadãos plenos, devemos adquirir discernimentos e conhecimentos pertinentes para tomar decisões em diversos momentos, como em relação à escolha de alimentos, ao uso da eletricidade, à seleção dos programas de TV ou à escolha do candidato a um cargo político (SÃO PAULO, 2010, p.21).

Não é possível identificar no texto o papel da ciência na educação do jovem. O conhecimento científico ganha importância na formação do sujeito em diferentes aspectos da formação escolar, como por exemplo, no entendimento sobre o processo histórico de desenvolvimento da ciência, sua relação com a tecnologia e as transformações dos modos produtivos de trabalho. Bem como a ciência, enquanto conhecimento que busca explicar os fenômenos naturais e sociais, constituído a partir de conceitos e métodos, que poderão ser questionados e superados pela construção de um novo conhecimento (RAMOS, 2004).

Frigotto contribui para pensar o significado educacional da ciência para a formação do ensino médio:

No plano curricular, se concebemos que o ensino médio articula ciências, cultura e trabalho e se seu caráter é de formação básica, e que, portanto, cabe a ele desenvolver os conceitos básicos das diferentes ciências mediante um modo ou método crítico de pensar a realidade, não há como negar um processo de especificidade dos campos científicos e do sentido acumulativo (não linear, mas dialético) destes. O risco aqui é tanto da cristalização prescrita quanto da pulverização ou da diluição do conhecimento. A fragmentação estanque dos campos disciplinares não é da natureza da realidade histórica, mas da forma de apreendê-la. Partir dos sujeitos concretos e de suas diversidades cultural não implica negar a especificidade dos campos científicos, nem reduzir o conhecimento à experiência do senso comum e a um permanente presentismo” (FRIGOTTO, 2004, p.62).

Em suma, o currículo SPFE ao tratar o “mundo do trabalho”, assumiu uma postura quase “mistificadora” em relação à formação por competência. Contudo, observa-se que a formação proposta está mais próxima a uma instrumentalização para as forças produtivas, demostrando o quanto a “produção e a reprodução social” do conhecimento escolar são prioridades políticas e econômicas, distante de uma política social e democrática para os jovens da escola pública paulista, que leve ao “exercício do pensamento e da expressão” (CHERVEL, 1999), ao entendimento do mundo em que vive.

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