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1. Currículo São Paulo Faz Escola

1.2 São Paulo Faz Escola e seu paradigma educacional

1.2.6 Visão sobre o aluno

Goodson (2011) enfatiza a necessidade de desenvolver escolas que sejam igualitárias para todos, e que não sejam estratificadas por um processo social, de gênero ou de raça: “penso que, se levarmos a sério as crianças merecerão a oportunidade de se tornarem o melhor que puderem ser” (GOODSON, 2011, p.43). Nesse sentido, pretende-se refletir sobre qual finalidade social o currículo São Paulo Faz Escola traz para os alunos da rede pública paulista, como oportunidade para melhoria da vida pessoal e do seu grupo social.

O texto do currículo paulista expõe o aumento do número de alunos ao acesso e permanência nas escolas públicas brasileiras. Todavia, reconhece que o acesso à escola não garante plenamente a democracia, dado que é relevante que a escola tenha qualidade para oferecer aos alunos o acesso à aprendizagem. Como proposta de qualidade de ensino, o currículo SPFE tem como objetivo que o aluno desenvolva uma base comum de conhecimento e competência, conforme o trecho a seguir:

A Secretaria da Educação procurou cumprir seu dever de garantir a todos uma base comum de conhecimentos e de competências para que nossas escolas funcionem de fato como uma rede (SÃO PAULO, 2010, p.07).

Contudo, considera-se que o currículo não é apenas uma “base comum de conhecimento”, uma vez que minuciosamente também sistematiza o que o aluno deve aprender durante cada dia do ano letivo, por meio de um material didático (Caderno do Aluno). Além disso, ao final do 7° e 9° ano do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio, os alunos realizam uma avaliação externa que é orientada por desempenho, cuja intenção central consiste em medir o quanto eles aprenderam do conhecimento prescrito no currículo.

Ao articular conhecimento e herança pedagógicos com experiências escolares de sucesso, a Secretaria da Educação deu início a uma contínua produção e divulgação de subsídios que incidem diretamente na organização da escola como um todo e em suas aulas (SÃO PAULO, 2010, p.07, grifos nossos).

58 É possível identificar no documento curricular uma visão homogeneizadora sobre a aprendizagem dos alunos da rede pública paulista, apesar do estado de São Paulo possuir um perfil heterogêneo de alunado, em decorrência da sua extensa dimensão territorial, apresentando áreas com realidades culturais distintas e com possibilidades diversas de recursos escolares.

Com a universalização do Ensino Fundamental, a educação incorpora toda a heterogeneidade que caracteriza o povo brasileiro; nesse contexto, para ser democrática, escola tem que ser igual e acessível para todos, diversa no tratamento a cada um e unitária nos resultados (SÃO PAULO, 2010, p.13, grifos nossos).

Apple considera que um currículo homogeneizador pode “de fato ajudar a criar a ilusão de que, não importa quão maciças sejam as diferenças entre as escolas, todas têm alguma coisa em comum” (APPLE, 2001, p.48). No currículo paulista existe o esforço de associar a padronização do conhecimento como sinônimo de qualidade de ensino, responsabilizando os professores, os gestores e os alunos pela garantia do bom rendimento escolar, principalmente nos resultados da avaliação do SARESP.

Para Ciampi (2010) o desempenho padronizado dos alunos não garante as mesmas oportunidades sociais, em decorrência de diversas forças sociais. No entanto, “a garantia de que todos desenvolvam e ampliem suas capacidades é indispensável para se combater a dualização da sociedade, a qual gera desigualdades cada vez maiores” (CIAMPI, 2010, p.02).

Apple (2001) coloca que o currículo não é simplesmente algo neutro, porque traz consigo uma seleção de conhecimento eleito por alguém, a visão de um grupo que coloca o conhecimento por ele selecionado como legítimo. Dessa maneira, o autor questiona os currículos que apresentam como objetivo central a coesão social e cultural entre os alunos, apresentando que os antagonismos sociais tendem a aumentar:

Esta nostalgia por “coesão” é interessante, mas a grande ilusão é a de que todos os alunos- brancos e pretos, de classe trabalhadora, pobres, de classe média, meninos e meninas- receberão o currículo da mesma forma. O que de fato acontecerá é que ele será lido de modos diferentes, segundo a posição dos alunos nas relações sociais e na cultura. Um currículo comum, em uma sociedade heterogênea, não é uma receita para a “coesão”, mas para a resistência e a renovação das decisões. Já que sempre permanece em suas fundações culturais, ele colocará os alunos em seus lugares, não segundo suas “habilidades”, mas conforme suas comunidades culturais se ordenam em relação aos critérios definidos como “padrões”. Um currículo que não seja “auto-explicativo”, que não seja irônico ou auto-crítico, terá sempre este efeito (APPLE, 2001, p. 67, grifos nossos).

Criar um currículo único, que “passa por cima” da diversidade cultural paulista, é a forma mais eficaz de imposição da “tradição seletiva hegemônica da cultura” oficial. Em uma

59 sociedade com caraterísticas diversas, isso pode servir como um mecanismo de controle político do conhecimento, possibilitando assim o aumento da desigualdade cultural e social.

O currículo SPFE pretende propiciar ao aluno uma formação escolar que garanta aprendizagem para a vida adulta, o exercício da cidadania e o mundo do trabalho. É importante destacar que no texto do currículo não existe definição para o termo cidadania.

Nesse mundo, que expõe o jovem às práticas da vida, adulta e, ao mesmo tempo, posterga sua inserção no mundo profissional, ser estudante é fazer da experiência escolar uma oportunidade para aprender a ser livre e, comitantemente, respeitar as diferenças e as regras de convivência. Hoje, mais do que nunca, aprender na escola é o “ofício de aluno”, a partir do qual o jovem pode fazer o trânsito para a autonomia da vida adulta e profissional (SÃO PAULO, 2010, p.09).

Entretanto, por meio do excerto é possível identificar no currículo SPFE um caráter de instrumentalizar o cidadão para a sua adequação às regras sociais anteriormente postas e ao mercado de trabalho. Esta proposição também pode ser constatada no trecho a seguir, que aborda os desafios da educação contemporânea:

Construir identidade, agir com autonomia e em relação com outro, bem como incorporar a diversidade, são as bases para a construção de valores de pertencimento e de responsabilidade, essenciais para a inserção cidadã nas dimensões sociais e produtivas (SÃO PAULO, 2010, p.10).

Observa-se que a concepção de cidadania do currículo SPFE não corresponde a uma cidadania política, a qual proporcione ao sujeito conhecimentos que lhe permitam refletir sobre a sua realidade e a do seu grupo social, para pensar possibilidades de transformações sociais.

O documento curricular estabelece intensa articulação entre competência e a eficiência no mundo do trabalho. Cabe lembrar que as competências presentes no SPFE possuem influências da tradição americana, que também está integrada à preparação para o trabalho, buscando desenvolver no jovem as competências necessárias exigidas pelas atuais forças produtivas do mercado.

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