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São Paulo, sinfonia e cacofonia: descrição de conteúdo

5. SÃO PAULO, SINFONIA E CACOFONIA: HISTORIOGRAFIA POÉTICA DO CINEMA

5.2. São Paulo, sinfonia e cacofonia: descrição de conteúdo

Por meio de sua estrutura e de uma montagem que promove a justaposição de planos de filmes distintos não apenas levando em conta seus conteúdos e assuntos (montagem intelectual, conceitual, ao estilo de Eisenstein), mas também elementos de suas composições de quadro e movimento de câmera, estabelecendo fluxos e interrupções, São Paulo, sinfonia e cacofonia cria um autêntico percurso – histórico e geográfico – pela cidade de São Paulo, mais do que uma narrativa ou uma explanação. Para que se torne mais clara a maneira como isso se dá na tela, vale a pena ser apresentada aqui uma exposição bastante sintética do conteúdo do filme, com alguns destaques para trechos realmente fundamentais à argumentação elaborada nessa dissertação. Sempre que possível e relevante, estão indicadas as obras originais de onde cada trecho foi extraído.

1) Créditos iniciais, apresentados sobre imagens do centro de São Paulo durante o início do século XX.

2) Travelling out de um homem correndo pelo asfalto à frente dos carros.

3) Plano do filme A marvada carne em que o protagonista corre sobre o Elevado Costa e Silva carregando um pedaço de carne.

136 BERNARDET, 2000. 137 MACHADO, 2009, p. 32. 138 FREITAS, 2012.

4) Cenas de pessoas mutiladas em deslocamento pela cidade: homem sem uma das pernas, desfilando apoiado em muleta em cena de parada esportiva ou militar; outro amputado de muletas atravessando uma praça ou calçadão; homem sem as pernas arrastando-se em carrinho pela faixa de pedestres de uma avenida larga, logo tomada por uma multidão que o encobre.

5) Cenas de passos, pernas em movimento pelas calçadas.

6) Cenas de multidão andando pelas ruas. Em um dos planos, a imagem se fixa em garoto de não mais de dez anos de idade que fuma um cigarro e encara a câmera. 7) Alternância de planos em que o ator Paulo César Peréio caminha desnorteado e

planos de arranha-céus.

8) Cenas de ambientes internos – Regina Duarte na sacada, pessoas olhando pela janela – alternam-se a imagens de pessoas em movimento na rua, vistas de cima. Essas pessoas adentram edifícios.

9) O movimento torna-se vertical: cenas de pessoas subindo escadas. 10) Montagem rápida de três planos-detalhes de relógios de pulso. 11) Cenas de pessoas adentrando apartamentos.

12) Cena de elevador subindo.

13) Retorno às imagens de pessoas andando pela rua, não mais indicando corrida pela cidade, pressa e desconcerto, mas sim passeio e interiorização.

14) Duas cenas de encontros casuais na calçada e diálogo entre transeuntes. 15) Cena de pessoas vistas de cima.

16) Plano de um pátio de automóveis visto de um elevador panorâmico que sobre. 17) Sequência de personagem “discursando” no topo de um alto edifício sobre a

imensidão da cidade e seu conhecimento dela.

18) Plano aéreo da cidade, tomado de um helicóptero. Topo do Edifício Itália. 19) Close-up muito próximo de um rosto anônimo.

20) Sequência de homem escorregando ladeira abaixo sentado sobre um bloco de gelo. 21) Plano subjetivo do percurso de um bonde pelos trilhos, início do século XX. 22) Outro trecho do mesmo plano de elevador panorâmico em ascensão mostrado

anteriormente.

23) Sequencia do filme Simão, o caolho com sobreposição por recortes das imagens de vários prédios da cidade e personagem do caolho, no topo de um alto edifício, olhando para baixo e desequilibrando-se.

24) Cena da implosão total de um prédio, mostrada de dois ângulos diferentes. 25) Plano de pessoas no meio de escombros e fumaça.

26) Novo plano aéreo dos prédios da cidade, sobre o qual surge a cartela-título do filme Paranóia.

27) Cena do filme A Hora da Estrela em que o ator José Dumont, gira em torno de seu próprio eixo, mantendo erguida acima de sua cabeça a atriz Marcelia Cartaxo. O cenário é um terreno próximo a trilhos elevados de trem ou metrô.

28) Rápido plano de pessoas em brinquedo de girar de parque de diversão.

29) Deslocamento lateral de carro, por uma alameda da cidade, focalizando apenas copas de árvores e um edifício.

30) Cena da demolição de uma fachada, aparentemente feita na década de 1920. 31) Carteiro entrega correspondência em imóvel antigo. A câmera se afasta e revela,

ao lado desse, uma construção demolida. 32) Plano de homem saindo do meio de escombros.

33) Cena do filme Gamal – o delírio do sexo em que três homens tentam “alimentar”

com cédulas de dinheiro o personagem do “selvagem”.

34) Cena do filme Na senda do crime em que homem entra em prédio, sobe escadas, é perseguido até o topo do edifício e acaba encurralado.

35) Travelling lateral extremamente lento retratando do trajeto de um carro pela

36) Cena do filme Asa Branca – um sonho brasileiro em que Edson Celulari pergunta

a transeuntes em um cruzamento: “você pode me informar onde fica o centro?” 37) Panorâmica vertical ascendente do Edifício Altino Arantes (Banespa).

38) Continuação da cena anterior de Asa Branca, com Edson Celulari diante da faixa de pedestres falando para si mesmo: “tem que haver um centro...”

39) Três planos de pessoas falando em telefones públicos: um orelhão na rua e dois no interior de estabelecimentos comerciais.

40) Cena do filme O grande momento em que personagem sai de estabelecimento comercial e monta em sua bicicleta.

41) Outra cena de Asa Branca em que Edson Celulari, agora sentado no balcão de um bar, pergunta novamente: “onde é que fica o centro?” A resposta da mulher detrás do balcão se encerra com a frase: “São Paulo é muito grande, tem muitos centros.” 42) Cena noturna, escura, de um atropelamento, seguida por um primeiro plano de

rosto que reage à visão do acidente. Barulho de sirenes na faixa de áudio.

43) Outdoor luminoso, típico dos anos 1980, com imagem eletrônica de uma mulher tocando saxofone. No áudio, um solo de sax.

44) Áudio de aplausos na passagem à cena seguinte: sequência do filme A próxima

vítima na qual Gianfrancesco Guarnieri e Antonio Fagundes dialogam enquanto

urinam em um muro.

45) Cena de ambiente interno do qual são revelados somente pequenos detalhes iluminados por uma lanterna, extraída de O Bandido da Luz Vermelha. 46) Cenas externas noturnas que repetem a iluminação parcial do plano anterior,

culminando nas imagens de pessoas na escuridão da rua iluminadas pelo holofote de um camburão da policia.

47) Cenas noturnas da cidade: travelling em torno de homem engravatado à frente de um bar de esquina, carros na rua.

48) Plano de pernas de mulher que saem para a calçada e contornam um corpo caído no chão, ajoelhando-se em seguida ao seu lado.

49) Plano detalhe de mão feminina colocando revólver em uma mão masculina. 50) Cena noturna de carros em velocidade.

51) Cena noturna extraída de O Bandido da Luz Vermelha em que o bandido briga com um homem ao lado de um carro; atira no homem já caído ao chão e foge. 52) Cena do filme São Paulo Sociedade Anônima em que Eva Wilma anda sozinha

pela fábrica, cujo chão é esfregado por faxineiros. Plano da fábrica vazia. 53) Cena noturna de deslocamento automobilístico pela cidade.

54) Em cross-fade, a trilha musical solene da sequência anterior, de coral e cordas, é substituída por uma música mais agressiva, de distorção e bateria eletrônica. Plano exterior noturno de homem descendo escadas. Plano de um michê. O homem que descia as escadas caminha por um corredor onde homens e mulheres aguardam nas sombras. No plano seguinte, o homem e o michê fazem sexo em um daqueles cantos escuros.

55) Plano da fachada de uma boate, em noite chuvosa. Um homem é recolhido para um camburão da polícia parado em frente ao local, mas desvencilha-se e vem ao primeiro plano. É o ator Chiquinho Brandão, caracterizado como travesti no filme

Anjos da Noite, que declama um discurso indignado, mantido quase intacto.

56) Bailarino dança sobre um viaduto.

57) No topo de um prédio, mulher se cobre com um véu e faz gesto chamando alguém em sua direção, olhando para o canto direito da tela.

58) O bailarino do viaduto “responde” ao chamado da mulher no topo do prédio, atravessando o quadro da direita para a esquerda.

59) A mulher no topo do prédio executa movimentos de dança que expressam dor e angústia, que incluem jogar-se ao chão e bater com a mão cerrada sobre o peito. Seus braços se abrem em movimento expansivo.

60) Cena do filme Gamal – o delírio do sexo em que se vê apenas a silhueta do

homem primitivo batendo com um pedaço de pau sobre um chão gramado, à frente de postes de fios de alta tensão.

61) Cena de O Bandido da Luz Vermelha mostrando a atriz Helena Ignez, de costas, mexendo no porta-malas de um carro. Ela retira de uma mala um pano, cobre com ele seu rosto e segue revirando as bagagens. O áudio da cena é reproduzido também, com as vozes de um locutor de rádio e de Ignez enumerando múltiplas personalidades do Bandido.

62) Volta música na trilha sonora. Plano de uma linha de montagem de autopeças. 63) Plano do Viaduto do Chá, onde está o personagem de Walmor Chagas em São

Paulo Sociedade Anônima.

64) Outros planos da fábrica de autopeças se alternam a planos do personagem em angústia.

65) Plano dos viadutos do Chá e Santa Ifigênia lotados de transeuntes.

66) Homem “discursa” do alto de um dos viadutos: “Quero ficar completamente sozinho, saco! Vocês reproduziram demais. Tem muita gente. Não interessa mais, não transo mais. Tem muita gente.” Logo após a última palavra, o áudio é

sobreposto por um canto lírico, que passa a se confundir com a repetição

daquelas mesmas frase, enquanto a imagem realiza um zoom out revelando o vale do Anhangabaú, o viaduto do alto de onde o homem discursa e os carros que passam sob ele. Ainda uma última vez antes de a cena ser cortada, ouve-se claramente a voz dizendo “Eu quero ficar completamente sozinho.”

67) A trilha sonora muda novamente. A imagem mostra uma sucessão de rostos anônimos na multidão, entrando em quadro e em foco um de cada vez.

68) Plano uma mulher de vestido amarelo, de corpo inteiro, diante de um morro onde se erguem várias casas populares.

70) Sucessão de planos de pessoas à janela em apartamentos, observando a cidade do lado de fora. Na trilha sonora, cordas e piano estabelecem uma atmosfera densa e sombria. Ouve-se rapidamente um choro de mulher. Seguem os planos de pessoas à janela

71) Cena do filme São Paulo Sociedade Anônima na qual se vê apenas a silhueta de Eva Wilma à janela em ambiente completamente escuro do lado de dentro, de quem a câmera vai se afastando.

72) Plano estático de fachada de prédio.

73) Sequência de planos de ambientes internos: quartos e banheiros. Personagens levam as mãos ao rosto e à cabeça, apoiam-se nas paredes, olham-se no espelho, acendem um cigarro, jogam-se sobre a cama. Homem diante de um espelho coloca uma lâmina de barbear em sua boca. Música diminui de intensidade até atingir o completo silêncio.

74) Apoiada a uma parede de um apartamento vazio, uma mulher chora. 75) Travelling pelo corredor de um prédio.

76) Imagem de um corpo sendo coberto por um pano e erguido em uma maca. É a cena de São Paulo Sociedade Anônima em que o cadáver da suicida é removido de seu apartamento.

77) Plano de corpo coberto sendo retirado de um imóvel em uma maca.

78) Plano em preto e branco de corpo coberto por um pano sendo retirado de um refrigerador do Instituto Médico Legal para identificação por um homem e uma mulher. O lençol que o cobre se ergue, mas tapa a visão do espectador.

79) Outro plano de mesma ambientação, mas fonte diversa (colorido). Vê-se um cadáver descoberto sendo deslocado para dentro do quadro e manipulado por mãos com luvas de borracha que o transferem para uma mesa de metal.

80) Plano de bois abatidos no matadouro sendo despejados.

81) Planos detalhes de autopsia: cérebro sendo exposto após a abertura do crânio, incisão sendo feita no torso do cadáver.

82) Plano de bois sendo erguidos por correntes no matadouro.

83) Plano de pá escavando a terra e desenterrando um crânio humano do meio de dejetos.

84) Plano de caixão se abrindo e revelando o personagem Zé do Caixão. 85) Plano fixo que mostra as costas de uma figura enigmática, cujos adereços e

fantasias remetem a um bruxo ou pajé, diante de um panorama dos prédios de São Paulo, gesticulando “para a cidade” com os braços trêmulos se abrindo.

86) A música tensa da sequência anterior é substituída por ruídos eletrônicos,

enquanto, na imagem, um corte leva a planos detalhes coloridos de uma máquina de pinball, com a bolinha metálica ricocheteando.

87) Em imagem em preto e branco do interior de um bar, o ator Stênio Garcia joga em uma máquina de pinball enquanto fuma uma cigarrilha. O áudio mantém sua fala: “eu sempre ganho!”

88) Plano do mesmo painel luminoso em que foi vista anteriormente a silhueta de uma mulher tocando saxofone, no qual agora a expressão “São Paulo” pisca e se

reconstitui entre cores que se alternam e grafismos que representam engrenagens. O áudio indica máquinas trabalhando e sirenes. Contraplano mostra um homem olhando para cima, para o luminoso. No outdoor, as palavras “São Paulo” se desfazem e dão lugar apenas aos grafismos de engrenagens e à silhueta de um operário trabalhando. O homem que olhava o luminoso faz gesto de tiros de revólver com as mãos, enquanto produz sons de tiro com a boca.

89) Zoom in lento na tela de um grande aparelho televisor exposto em uma loja, na

qual surge, em grafismos, a letra da música que se ouve na trilha sonora (Pulsar, de Caetano Veloso) piscando palavra por palavra: “abra a janela e veja / pulsar quase mudo / abraço de anos luz”.

90) Imagem de outro monitor, imerso na escuridão, onde se vê imagem distorcida eletronicamente da atriz Carla Camurati, à qual se sobrepõe a imagem de uma carta de Tarô. É o início de sequência do filme Cidade oculta em que a

personagem de Camurati interage com uma máquina eletrônica de Tarô. Sequencia se encerra com novo plano do monitor da máquina.

91) Imagem de monitor de televisão em que se vê o rosto da jovem andrógina Vera em cena do filme homônimo. Na continuação da sequência, vê-se o seu mesmo rosto multiplicar-se em inúmeros monitores espalhados pelo cenário.

92) Panorâmica horizontal, da direita para a esquerda, que revela gradativamente várias mulheres e apenas um homem, todos bem vestidos, reunidos em ambiente doméstico e olhando para a câmera. Cena em cores.

93) Plano semelhante ao anterior, mas preto e branco, que revela pouco a pouco um grupo de homens nitidamente humildes, também olhando para a câmera.

94) Travelling horizontal, da esquerda para a direita, revelando rostos de mulheres em

preto e branco, que olham diretamente para a câmera.

95) Outro travelling horizontal da esquerda para a direita, em cores, que revela rostos de pessoas diante de um muro, que não erguem os olhos e, portanto, não encaram a câmera.

96) Primeiro plano, em preto e branco, do rosto de um homem no meio de um salão de baile, encarando fixamente a câmera, sisudo.

97) Primeiro plano, em preto e branco, do rosto de uma criança, em ambiente externo, com o fundo desfocado. A criança olha para a câmera e desvia o olhar algumas vezes, antes de olhar novamente para a câmera e sorrir. FIM

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