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A série graduada de livros de leitura Puiggari-Barreto: que série é essa?

CAPÍTULO 1 O LIVRO DE LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

1.4 A série graduada de livros de leitura Puiggari-Barreto: que série é essa?

Os autores paulistas, engajados na escrita de livros didáticos, produziram diversos livros de leitura para serem utilizados na escola graduada elementar que estava se instalando em São Paulo; livros esses, organizados em séries graduadas. Dentre as séries, tem-se a série graduada Puiggari-Barreto.

Escrita pelos autores paulistas Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto, a série foi editada, pela primeira vez, na Livraria Paulista de Miguel Melillo (N. Falconi & Cia), no ano de 1904. Em 1908, quando a Livraria N. Falconi & Cia. foi adquirida pela Francisco Alves, a série Puiggari-Barreto, assim como todo o catálogo passou a fazer parte do catálogo da Francisco Alves, no qual permaneceu por mais de duas décadas, ao longo do século XX.

A série Puiggari-Barreto é composta por quatro livros, tendo cada volume aproximadamente 250 páginas. Eles se diferenciam em seus conteúdos, sendo constituído em forma de textos narrativos (lições), cada um com um título diferente, de acordo com a temática abordada. A série , assim como as demais, se organiza em Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto livro de leitura, destinados ao uso dos alunos, de acordo com a série em que estavam matriculados na escola elementar graduada. Os livros de leitura mantêm uma gradação do conteúdo, como o próprio nome sugere, respeitando a série escolar dos alunos que os utilizavam.

Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto foram atuantes no campo educacional paulista e estavam engajados no âmbito educacional, no momento em que a série foi escrita.

Imagem 1 – Romão Puiggari

(**Fonte: http://www.iecc.com.br/historias-caetanistas/277/jorge-americano)

Romão Puiggari nasceu em 1865, na cidade de Vigo, região da Galícia, na Espanha. Chegou ao Brasil no ano de 1877. Formou-se professor no Brasil, iniciando sua carreira na cidade de Mogi Mirim (SP). Em 1895 foi nomeado professor na Escola Normal Caetano de Campos, na qual lecionou até ser promovido ao cargo de diretor, no Grupo Escolar do Brás, na cidade de São Paulo. Trabalhou como diretor nesse grupo escolar por dois anos, vindo a falecer em 1904, aos 39 anos. Foi autor de outras obras educacionais, além dos livros da série de leitura. Escreveu também Cousas Brasileiras, em 1895, e Álbum de Gravuras, em 1898.

Imagem 2 – Arnaldo de Oliveira Barreto

(**Fonte: https://campinasnostalgica.wordpress.com/tag/gomide/)

Já Arnaldo de Oliveira Barreto nasceu em Campinas, no dia 12 de setembro de 1869. Começou seus estudos no colégio Morton, na mesma cidade e em 1889 matriculou-se na Escola Normal de São Paulo, na qual recebeu seu diploma, no ano de 1891. Barreto foi responsável, em 1894, por reger uma das classes da Escola-Modelo do Carmo (anexa à Escola Normal de São Paulo) e, mais tarde, no ano de 1897, tornou-se inspetor das escolas anexas do estado. Atuou como redator-chefe da Revista de Ensino, entre os anos de 1902 e 1904, ficando conhecido pelo conjunto de atividades que desempenhou no campo educacional e também por sua ampla produção escrita.9

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Sobre a biografia de Arnaldo de Oliveira Barreto, consultar Maziero (2015). A autora reuniu diversos trabalhos que também versam sobre Arnaldo de Oliveira Barreto e discorreu sobre sua trajetória, enquanto educador da infância e da juventude. A autora fala sobre a infância do autor, sua juventude e constelação familiar, seu ingresso na escola normal e sua trajetória profissional.

Arnaldo Barreto foi autor de obras como Cartilha das Mães; Cartilha Analítica; Leituras Morais; Primeiras Leituras; Cadernos de Cartografia, Cadernos de Linguagem e Coleção de Cadernos de Caligrafia (coautoria com Ramon Roca Dordal). No ano de 1915, organizou a Biblioteca Infantil da Editora Melhoramentos, traduzindo e publicando como primeiro título a obra O patinho feio de Hans C. Andersen.10 Barreto foi um dos principais escritores de livros de leitura e de cartilhas destinados ao uso das crianças, no período entre o final do século XIX e o início do século XX. Viveu por 56 anos, falecendo na cidade de São Paulo em 1925.

Medina (2012) destaca que o envolvimento de Romão Puiggari e Arnaldo Barreto nas questões educacionais, principalmente na produção de materiais didáticos, ocorreu pelo fato de terem vivenciado

os problemas educacionais brasileiros, atuando como professores, diretores, inspetores; eles participavam das discussões sobre mudança e melhoria pedagógica e publicavam suas ideias e propostas de ensino. Pode-se dizer que eram personalidades da educação, no Brasil do início do século XX. (MEDINA, 2012, p.98)

O fato de serem profissionais ligados ao sistema educacional paulista pode ter auxiliado na aprovação e na adoção da série para as escolas públicas primárias do estado. As informações presentes na contracapa do Terceiro Livro de Leitura, por exemplo, publicado no ano de 1911 (7ª edição), indicam a aprovação e adoção da série, bem como apontam as credenciais de seus autores e suas atuações:

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Maziero (2015), em seu trabalho intitulado Arnaldo de Oliveira Barreto e a Biblioteca Infantil Melhoramentos

(1915-1925): histórias de ternura para mãos pequeninas, aborda a trajetória de Arnaldo de Oliveira Barreto enquanto

Imagem 3–Credenciais dos autores e aprovação do livro contida no

Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 7ª edição– 1911.

O registro da aprovação e adoção da obra vem acompanhado de informações que apontam para a utilização da série em escolas primárias de outros estados brasileiros, como Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo. Nessa mesma contracapa, existem ainda registros da premiação da série em uma exposição internacional.

Kuhlmann Jr. (2001; 2006), estudando as festas didáticas e as exposições internacionais, destaca que a participação nessas exposições tinha como objetivo criar

uma comparação capaz de estabelecer uma classificação entre os diferentes países que participavam. Segundo o autor

para arbitrar o processo comparativo entre as nações, as comissões organizadoras das exposições universais elaboraram classificações minuciosas dos produtos exibidos, visando abarcar o universo produtivo e a totalidade da vida social. Nesse esforço taxionômico, herdeiro do enciclopedismo, as diferentes dimensões do pensamento e da atividade humana receberam seus rótulos, em exercícios exaustivos de categorização e tipologia. Criaram-se grandes grupos que envolviam das artes às tecnologias, passando pelas políticas sociais. Os grupos eram subdivididos em várias seções e distribuídos segundo áreas geográficas, tipos de seres humanos, instituições, variados produtos, ou tipos de trabalho humano. Os objetos expostos eram submetidos a uma avaliação realizada por um corpo de jurados internacional, e os expositores condecorados com medalhas e diplomas de honra. (KUHLMANN JR, 2006, p. 6434)

Falcão, Oliveira & Schwartz (2008), em um trabalho sobre livros de leitura utilizados no estado do Espírito Santo, nas primeiras décadas do século XX, destacam a presença da série Puiggari-Barreto na listagem de compras realizadas pelo estado. O documento publicado pelo estado do Espírito Santo, sobre seus negócios nos anos de 1908 a 1912, lista livros de leitura de Puiggari-Barreto, juntamente com os de João Köpke e Thomaz Galhardo.

Um exemplar publicado no ano de 1922, do Primeiro Livro de Leitura, apresenta na contracapa as mesmas informações presentes na 7ª edição do Terceiro Livro de Leitura. Nesse exemplar a informação de que o livro corresponde à 26ª edição possibilita pensar a utilização desta coleção, ao longo das primeiras décadas no século XX.

Imagem 4– exemplar da 26ª edição do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto –1922

A série Puiggari-Barreto pode ter sido reeditada um número maior de vezes, indo além da 26ª edição. Porém, a falta de acesso a outras edições, impossibilita garantir essa informação. Bittencourt (2004) aponta que os livros de leitura produzidos em São Paulo, a partir de 1890, tiveram um número significativo de reedições. As editoras, principalmente a Francisco Alves, com as inovações tecnológicas na fabricação de livros, garantiram a “longa vida” de suas obras no mercado. Segundo ela,

um número significativo de obras produzidas no final do século XIX e início do século XX tiveram inúmeras edições e foram usadas por várias gerações de alunos. Além das obras da editora Francisco Alves, que encabeçaram as listas de livros aprovados e adotados nas escolas primárias e secundárias oficiais até 1920, livros de outras editoras, especialmente as destinadas às escolas confessionais, também tiveram uma longa duração. (BITTENCOURT, 2004, p. 489)

Romão Puiggari e Arnaldo Barreto, ao produzirem a série Puiggari-Barreto, assumem como gênero literário a narração. Organizada em quatro livros – Primeiro livro de leitura (240 p.); Segundo livro de leitura (203 p.); Terceiro livro de leitura (227 p.) e Quarto livro de leitura (184 p.) – a série conta a história de Paulo, desde o momento que antecede o seu ingresso na escola primária até o quarto ano, quando o menino termina a instrução primária. Os quatro livros de leitura abordam a convivência do garoto na escola e em casa, com familiares, amigos e professores.

Estudando livros de leitura utilizados na escola primária paulista, no início do século XX, Oliveira e Souza (2000), destacam que a coleção de livros de leitura Puiggari-Barreto representou

um estilo de livros de leitura muito semelhante à obra italiana intitulada Cuore, de Edmundo de Amicis, a qual retrata em suas páginas, em forma de diário, histórias vivenciadas por um menino de nome Henrique. Nesses episódios estão relatados o seu dia-a-dia na escola, na família e com os amigos. (OLIVEIRA & SOUZA, 2000. P.17)

Observando aspectos da materialidade da obra, foi possível perceber que as narrativas que compõem a coleção, juntamente com as ilustrações, participam da produção de uma representação de criança ideal, por parte dos autores. Os livros, pensados para o ensino da leitura e da escrita para as crianças que frequentavam a escola, como sugere o próprio título, trazem em seus textos e ilustrações uma gama de temáticas que possibilitam pensar a construção dessa representação, constituindo os personagens como modelos idealizados de criança, expressão de comportamentos “adequados”, segundo os padrões da sociedade, naquele momento.

Além de abordarem nas lições os conteúdos específicos de aritmética, zoologia e história, os livros Puiggari-Barreto possuem lições de cunho moral, cívico e patriótico, nas quais se percebe a possível intenção dos autores de disseminar valores almejados para a sociedade (LAGUNA, 2003; OLIVEIRA 2004). Nas páginas da série graduada, encontramos as possíveis normas de comportamentos aceitáveis, as quais os alunos, por

meio da leitura, deveriam aprender e incorporar, observando as vivências dos personagens, representados como exemplos.

Nos quatro livros de leitura, os autores deixam transparecer o intento de formação da criança. No Segundo livro de leitura, publicado em 1911, os autores dedicam a obra à infância brasileira, como um claro indício desse intento.

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Imagem 5 – Dedicatória do Segundo Livro de Leitura Puiggari-Barreto 9ª de edição – 1911 à Infância brasileira

Santos (2013), ao estudar a série Puiggari-Barreto, aponta que ela, assim como as demais séries, foram a primeira manifestação de uma literatura e de uma leitura infantil dedicadas exclusivamente às crianças, sendo publicadas para atender ao novo projeto de formação da criança. Nesse sentido, podemos ler a série Puiggari-Barreto, como um instrumento desse processo de formação.

Por meio dos livros seria possível “moldar” a criança: “Os livros que, no menino vão talhando o cidadão! (PUIGGARI-BARRETO, 1911, p.37). Além de se destinar ao ensino da leitura, os livros da série formariam, gradualmente, a criança. Essa formação estava ligada à dimensão moral, uma vez que, a moral estabelecida para o ensino nas escolas,

abarcava um manancial de civilidade e bons costumes: hábitos de ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e lugares públicos, deveres para com os pais e superiores, histórias que despertassem o amor pelo bem, deveres da criança na família – deveres para com os pais e avós, deveres para com os irmãos e irmãs, para com os servidores – a criança na escola, moral individual, deveres corporais, temperança, prudência, coragem, sinceridade, deveres de justiça e caridade, deveres de família e na vida profissional, deveres cívicos e das nações entre si. (SOUZA, 1998, p.179)

Na construção dos personagens que compõem a série, fica evidente o esforço dos autores no sentido de “disciplinar” e “moldar” as crianças, a partir de preceitos morais. As lições que compõem os quatro livros da coleção são narrativas com fundo moralizante. Nessas histórias, os personagens vão apresentando comportamentos ideais que deveriam ser seguidos pelas crianças durante a infância, bem como ações consideradas reprováveis, que surgem cercadas de censura. No conteúdo das lições, há uma proposta dos autores de, por meio de historietas envolvendo crianças e adultos, apresentar virtudes e valores que vão se insinuando nas páginas dos livros, construindo pautas de comportamentos.

CAPÍTULO 2 – A SÉRIE PUIGGARI-BARRETO E A REPRESENTAÇÃO DA

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