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"Uma sciencia que todos devemos conhecer" : um estudo sobre a higiene na série graduada de leitura Puiggari-Barreto

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

FLAVIA REZENDE

"Uma sciencia que todos devemos conhecer":

um estudo sobre a higiene na série graduada

de leitura Puiggari-Barreto

CAMPINAS

2016

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FLAVIA REZENDE

"Uma sciencia que todos devemos conhecer":

um estudo sobre a higiene na série graduada

de leitura Puiggari-Barreto

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação na área de concentração de Educação.

Orientadora Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA FLAVIA REZENDE, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. HELOÍSA HELENA PIMENTA ROCHA.

CAMPINAS

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

"Uma sciencia que todos devemos conhecer":

um estudo sobre a higiene na série graduada

de leitura Puiggari-Barreto

Flavia Rezende

COMISSÃO JULGADORA:

Orientadora Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha Profa. Dra. Maria das Graças Sandi Magalhães

Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2016

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Escrever estes “agradecimentos” significa que mais uma etapa da vida acadêmica está se encerrando. Longe ser a parte mais fácil da escrita, esses agradecimentos me fazem relembrar muitas vivências, que ao longo dos dois anos e meio de pesquisa contribuíram para a construção desta dissertação. Neste momento, é necessário o mais zeloso cuidado para que eu não me esqueça de agradecer a todos que, direta ou indiretamente, participaram dessa caminhada.

Primeiramente, gostaria de agradecer à minha orientadora, Professora Heloísa, por quem tenho uma enorme admiração. A ela, que desde a iniciação científica, em 2009, me acompanha e me orienta nos caminhos da pesquisa, dedico o meu mais sincero agradecimento. Agradeço pelas leituras atenciosas do meu texto, pelas indicações de que caminho seguir, pelos conselhos e pelos gestos de carinho, que vão além da relação de orientação. Obrigada por sempre acreditar no meu trabalho e por me oferecer oportunidades com as quais construí e enriqueci meu conhecimento. Muito obrigada!

Em segundo, gostaria de agradecer aos meus colegas de grupo de pesquisa, que sempre foram muito cuidadosos com a leitura dos meus textos e trouxeram contribuições riquíssimas para que eu pudesse desenvolver a pesquisa. A Renata Esmi, Larissa Lima, João Valério Scremin, Henrique Mendonça, Nadja Bonifácio e Eliane Vianey, obrigada!

À minha amiga Cristina Carla Sacramento. Agradeço por tudo o que compartilhamos juntas nesses últimos dois anos e meio. Sua amizade foi fundamental para que eu conseguisse retomar, em muitos momentos, meu caminho acadêmico. Obrigada pelas vivências, pelas leituras do meu trabalho, pela companhia em congressos, pelos almoços e jantares no bandejão... Obrigada por ter entrado na minha vida, ter participado de muitos e muitos momentos e por ser essa pessoa encantadora que você é!

À minha querida Claudia Denardi, que também me acompanha há muito tempo. Foi minha professora na graduação, minha colega nos trabalhos da RBHE e, nesta reta final de produção do texto da dissertação, foi minha leitora, auxiliando-me muito com a sua leitura atenta e com seus apontamentos. Não tenho palavras para agradecer seu carinho, seu auxílio e sua atenção. Obrigada!

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Agradeço à pós-graduação da Faculdade de Educação, em especial à Nadir, pelas orientações em relação às questões burocráticas e a todos os funcionários da Pós, que, de alguma forma, me auxiliaram em momentos distintos.

Agradeço à querida Maria das Graças Sandi Magalhães, pesquisadora que disponibilizou os materiais que se tornaram fonte de pesquisa para este trabalho. Agradeço pela disponibilização dos livros e pelo seu carinho em acolher a notícia do acidente que aconteceu com eles. Graça tenha certeza que suas palavras naquele momento foram muito importantes para que eu conseguisse seguir na pesquisa.

Agradeço ao meu porto seguro, minha família: meu Pai João, minha mãe Cida, minha irmã Patrícia, minha dinda Maria, meu dindo João (em memória) e ao meu amor Roni. Eles sempre foram e serão meu alicerce. Agradeço pelas oportunidades que me concederam até hoje e por acreditarem que o mais importante nessa vida são os estudos. Se em algum momento eu pensei em desistir, foram vocês a peça chave da retomada do caminho! Devo muito a vocês! Obrigada!

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Este trabalho tem como objetivo examinar a presença da higiene nos livros de leitura da série Puiggari-Barreto, publicada em São Paulo a partir de 1904. A análise da coleção tem como foco um conjunto de lições que abordam a temática da higiene, selecionadas nos quatro livros de leitura. Visando atingir esse objetivo, o trabalho procura observar, por meio dos personagens que compõem as lições, quais eram os comportamentos higiênicos prescritos e os comportamentos anti-higiênicos, bem como o que se considerava como uma atitude saudável, em termos de alimentação, asseio e práticas corporais. Nessa análise, procura-se ter presente o processo de apropriação, por parte dos autores, do discurso médico-higienista em circulação no final do século XIX e início do século XX, no qual se destacava a necessidade de moralização dos costumes da população. Recenseando a presença da higiene nas lições reunidas nos livros de leitura da série Puiggari-Barreto, menos que recompor os episódios, busca-se perceber os preceitos higiênicos que figuram, de forma direta ou indireta, nas lições e ilustrações e interrogar acerca das dimensões da vida cotidiana sobre as quais esses preceitos incidem. Lendo a higiene como parte de um código moral, busca-se compreender o modo como ela foi veiculada em livros cuja finalidade primeira era ensinar as crianças das escolas primárias a ler.

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This study aims to examine the presence of hygiene in reading books of Puiggari-Barreto series, published in São Paulo after 1904. The analysis of the collection focuses on a set of lessons that address the issue of hygiene, selected in the four reading books. In order to achieve this objective, the work observes, through the characters that make up the lessons, which hygienic behaviors were prescribed and reprobated, and what was considered as a healthy attitude, in terms of food, cleanliness and corporal practices. In this analysis, we try to keep in mind the process in which the authors of appropriated the medical-hygienist discourse circulating in the late nineteenth century and early twentieth century, which highlighted the need to moralize the population customs. By recensing the presence of hygiene in the lessons gathered in reading books of Puiggari-Barreto series we sought not so much to recompose the episodes, but to see the hygienic precepts that are, directly or indirectly, in the lessons and illustrations and ask about the dimensions of everyday life on which these provisions relate. By reading hygiene as part of a moral code, we try to understand how it was conveyed in books whose primary purpose was to teach primary school children to read.

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Imagem 1: foto do autor Romão Puiggari...41 Imagem 2: foto do autor Arnaldo de Oliveira Barreto...42 Imagem 3: contracapa do Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)

destacando a aprovação da série no estado de São Paulo e outros estados brasileiros...44

Imagem 4: contracapa do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto (26ª edição –

1922) destacando os cargos públicos de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto no cenário educacional ...46

Imagem 5: dedicatória do Segundo Livro de Leitura Puiggari-Barreto à infância

brasileira (9ª edição – 1911)...48

Imagem 6: ilustração da lição “Paulo” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto

(26ª edição – 1922)...53

Imagem 7: ilustração da lição “O caderninho de Paulo” do Terceiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)...54

Imagem 8: ilustração da lição “O caderninho de Paulo” do Terceiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)...55

Imagem 9: ilustração da lição “Luiza” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto

(26ª edição – 1922)...57

Imagem 10: ilustração da lição “Luiza” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto

(26ª edição – 1922)...57

Imagem 11: ilustração da lição “Sermão inútil” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...63

Imagem 12: ilustração da lição “A imagem dos filhos” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...65

Imagem 13: ilustração da lição “Zilda fugiu” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...66

Imagem 14: ilustração da lição “Coração de ouro” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...67

Imagem 15: ilustração da lição “Coração de ouro” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...68

Imagem 16: ilustração da lição “O pae de Paulo” do Primeiro Livro de Leitura

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Imagem 18: ilustração da lição “O pae de Paulo” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...72

Imagem 19: ilustração da lição “O primeiro dia de aula” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...73

Imagem 20: ilustração da lição “De volta da escola” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...75

Imagem 21: ilustração da lição “As histórias da vovó” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...76

Imagem 22:ilustração da lição “Nuvens...côr de rosa” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...77

Imagem 23: ilustração da lição “Histórias da vovó – A Joia magica” do Segundo Livro

de Leitura Puiggari-Barreto (14ª edição – 1913)...78

Imagem 24: ilustração da lição “O discurso” do Primeiro Livro de Leitura

Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)...80

Imagem 25:ilustração da lição “Outra quéda de Luiza – I” do Primeiro livro de leitura (26ª edição – 1922)...89

Imagem 26: ilustração da lição “Uma lição de higyene” do Segundo livro de leitura

(14ª edição – 1913)...92

Imagem 27: ilustração da lição “Férias” do Segundo Livro de Leitura (9ª edição –

1913)...94

Imagem 28: ilustração da lição “Férias” do Segundo Livro de Leitura (9ª edição –

1913)...95

Imagem 29: ilustração da lição “A volta para a cidade” do Segundo Livro de Leitura (9ª

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Quadro 1- Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar paulista,

publicadas pela Livraria Teixeira e Irmão, no final do século XIX...37

Quadro 2 - Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar paulista,

publicadas pela Livraria Francisco Alves...38

Quadro 3: Lições da série Puiggari-Barreto que abordam a temática da

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Introdução...13

CAPÍTULO 1 - O LIVRO DE LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL PAULISTA...24

1.1 – O projeto educacional republicano...24

1.2 – O livro de leitura: o livro escolar da criança e o grande interesse editorial...32

1.3 - Autores e editores na produção dos livros de leitura e séries graduadas...35

1.4 A série graduada de livros de leitura Puiggari-Barreto: que série é essa?...40

CAPÍTULO 2 – A SÉRIE PUIGGARI-BARRETO E A REPRESENTAÇÃO DA CRIANÇA NOS LIVROS DE LEITURA...50

2.1 – Os personagens da série Puiggari-Barreto representados nas páginas dos livros...51

2.1.1 – Paulo...51

2.1.2 – Luiza...56

2.1.3 – D. Julia...64

2.1.4 – Dr. Silva Ramos...69

2.1.5 – A família Silva Ramos...71

2.2 – A imagem da criança idealizada representada nos livros de leitura: a criança “com o coração cheio das mais belas virtudes”...81

CAPÍTULO 3 - “Uma sciencia que muito recommendo a todos – a hygiene”...84

3.1 - “Comer com moderação”... 87

3.2 - “Respirar um ar puro, oxygenado”... 93

3.3 - “Fazer exercícios corporaes”...97

3.4 - “Conservar o corpo escrupulosamente limpo”...99

3.5 - “Histórias de um ignorante”...102

Considerações finais...105

Fontes...110

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Introdução

A presente pesquisa analisa a série graduada de livros de leitura escrita por Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto, publicada em São Paulo a partir de 1904. A série Puiggari-Barreto, assim como outras séries graduadas, foi utilizada na escola primária, em função da determinação do Estado de adotar apenas livros de leitura para o uso corrente dos alunos. Razzini (2005) destaca que essa determinação permaneceu desde os primórdios da Primeira República até a década de 1930, fazendo com que eles se tornassem o centro dos interesses editoriais, redundando em uma crescente produção dos mesmos.

As séries graduadas surgiram na educação paulista no momento de institucionalização das escolas primárias graduadas. Oliveira (2004) destaca que as séries foram produzidas a fim de atender a esse novo modelo de organização didático-pedagógico de ensino elementar que se instituía no estado, caracterizada pela organização em classes, compostas por alunos na mesma faixa etária. Segundo a autora, as séries graduadas ganharam uma popularidade no período, pois se adequavam à estrutura do ensino. Cada livro correspondia a uma série do ensino primário e a coleção, de mesma autoria, mantinha a continuidade, a coerência e o aprofundamento das lições e dos temas estabelecidos. Conforme assinala a autora,

os livros de leitura que compunham as séries se constituíam como único livro didático permitido nas escolas públicas, o livro de leitura compreendia um objeto cultural e era, ainda, um instrumento de ensino da língua e da leitura e um auxiliar do trabalho docente. (OLIVEIRA, 2004, p.26)

Nas últimas décadas, os estudos sobre livros de leitura e séries graduadas se avolumaram em nosso país. Dentre os trabalhos já existentes, muitos são aqueles que apontam os livros de leitura e séries graduadas como fonte de pesquisa para a História da Educação brasileira. Destaco os trabalhos de Cabrini (1994), Batista e Galvão (2000, 2002, 2009), Batista, Galvão e Klinke (2000), Oliveira e Souza (2000), Laguna (2003), Valdez (2003, 2004), Oliveira (2004), Maciel e Campelo (2011) e Panizzolo (2005, 2006, 2010, 2011).

Cabrini (1994), em sua dissertação de mestrado intitulada Memória do livro didático - os livros de leitura de Felisberto Rodrigues Pereira de Carvalho, estuda os livros de leitura de Felisberto de Carvalho e discute questões referentes ao ensino, à cultura e à leitura, atentando para o momento histórico em que os livros foram

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produzidos. Seu trabalho ajuda a pensar como esses objetos culturais, denominados livros de leitura, fizeram parte de um ideário de formação da criança, em um momento de institucionalização da escola primária.

Batista e Galvão (2000; 2002; 2009), Batista, Galvão e Klinke (2000) e Oliveira e Souza (2000) abordam os livros de leitura como instrumentos do ensino escolar, compreendendo suas características, seus usos, seus conteúdos, seu formato, sua produção, sua finalidade e seu lugar nos processos de alfabetização, organização e institucionalização da escola brasileira. Os trabalhos desenvolvidos por esses autores compreendem os livros de leitura em suas diferentes faces, sinalizando as formas assumidas pelos livros escolares de leitura num período que vai do final do século XIX às primeiras décadas do século XX, reunindo elementos que nos auxiliam na reflexão sobre a organização desse gênero de livro escolar.

Laguna (2003), em sua tese de doutorado intitulada Uma leitura dos livros de leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933), investiga os livros de leitura que constam na bibliografia dos programas dos cursos primário, intermediário e secundário desse estabelecimento escolar, reconstrói o conceito de livro de leitura, a partir dos dizeres de alguns escritores das primeiras décadas do século XX. A pesquisa realizada pela autora realça quais eram os ensinamentos veiculados nesses livros, fazendo um “inventário” dos conceitos e evidenciando os ensinamentos de cunho moral e patriótico que eram privilegiados.

Assim como o trabalho de Laguna (2003), o de Oliveira (2004), resultado da sua dissertação de mestrado intitulada As séries graduadas de leitura na escola primária paulista (1890-1910), na qual estudou as séries graduadas de Puiggari-Barreto, de Felisberto de Carvalho e a de João Kopke, verificando as feições desses materiais enquanto únicos veículos ao qual a criança tinha acesso naquele período, destaca que nas três coleções estudadas, as lições de cunho moral e patriótico, juntamente com um conjunto de exercícios utilizados como dispositivos para a fixação da aprendizagem são o que marca as coleções. A autora ao realizar a análise, fez uma abordagem dos materiais de maneira comparativa, situando-os como instrumentos de ensino da língua e da leitura e também como instrumentos auxiliares do trabalho docente. A partir do “inventário” construído por Laguna (2003) e das considerações realizadas por Oliveira (2004), será possível perceber os livros de leitura, nos aspectos relacionados aos seus conteúdos, no qual se destacam as lições de cunho moral e patriótico.

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A análise de Maciel e Campelo (2011), sobre a circulação da produção didática de Hilário Ribeiro – Cartilha Nacional e a série de leitura graduada, ampliam as possibilidades de investigação a partir do estudo sobre a materialidade dos livros de leitura. As autoras analisam o formato, o volume, as ilustrações, a disposição das lições e exercícios, o tipo de letra, a proposta político-didática e a concepção de método de leitura e escrita.

Panizzolo (2005; 2006; 2010; 2011) em seus estudos sobre a produção de João Kopke, a constituição da criança civilizada e a infância impressa nos livros de leitura do autor, ajuda a compreender dois propósitos fundamentais do discurso republicano, em relação à formação da criança: o de educação e o de instrução, simultaneamente. Educação relacionada à transmissão de valores e instrução relacionada à transmissão de conhecimentos.

Muitos desses trabalhos têm olhado para os livros de leitura, considerando esse livro escolar produzido entre o final do século XIX e início do século XX, como uma estratégia utilizada para educar e civilizar a criança, dentro de um contexto da institucionalização e consolidação da escola pública elementar, instaurada naquele momento histórico, privilegiando a educação moral. Entres esses trabalhos se encontram aqueles que abordam, especificamente, a série Puiggari-Barreto como fonte de pesquisa. Os estudos produzidos recentemente sobre os livros de Puiggari-Barreto, são os trabalhos de Oliveira & Souza (2000); Falcão, Oliveira e Schwartz (2008); Medina (2013); Belo (2014) e Belo e Panizzolo (2013; 2015).

Esses trabalhos realizados a partir da série têm apontado que os livros de leitura Puiggari-Barreto trazem no corpo dos seus textos “apenas assuntos de cunho moral, poesias e histórias do dia-dia das crianças na família e na escola” (OLIVEIRA & SOUZA, 2000, p.28), destacando em alguns textos feitos patrióticos e heróicos brasileiros. A série Puiggari-Barreto

ao longo das lições, mantêm uma coerência entre os temas discutidos, preocupando-se com o desenvolvimento não só da habilidade de leitura, mas também com o “cultivo de bons hábitos de moral, civismo e bom comportamento social”, que deveriam ser aprendidos pelas crianças para utilização na sua vida social. (OLIVEIRA & SOUZA, 2000, p. 28).

Os estudos realizados a partir dos livros têm observado também a configuração da escola primária paulista e a cultura escolar nas páginas da série Puiggari-Barreto, considerando-a como fonte de pesquisa para a História da Educação e também como

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objeto cultural que tem como propósito moralizar e civilizar as crianças por intermédio da leitura.

Considerando essa produção sobre séries graduadas, e assumindo sua importância para a pesquisa em História da Educação brasileira por perceberem tais objetos culturais como parte de um projeto educacional que visava a formação da criança, a fim de educá-las, a presente pesquisa pretende contribuir com os estudos já realizados, ampliando as possibilidades de investigação a partir dos livros de leitura escritos por Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto.

Nesse sentido, o objetivo central desta dissertação é examinar a presença da higiene nos livros de leitura da série Puiggari-Barreto. A análise dos livros foca um conjunto de lições que abordam a temática, visando observar, por meio dos personagens que compõem as lições, quais eram os comportamentos higiênicos prescritos e os comportamentos anti-higiênicos, bem como o que se considerava como uma atitude saudável, em termos de alimentação, asseio e práticas corporais. Nessa análise, procura-se ter preprocura-sente o processo de apropriação, por parte dos autores, do discurso médico-higienista em circulação no final do século XIX e início do século XX, no qual se destacava a necessidade de moralização dos costumes da população.

Recenseando a presença da higiene nas lições reunidas nos livros de leitura da série Puiggari-Barreto, busca-se perceber os preceitos higiênicos que figuram, de forma direta ou indireta, nas lições e ilustrações e interrogar acerca das dimensões da vida cotidiana sobre as quais esses preceitos incidem. Lendo a higiene como parte de um código moral, busca-se compreender o modo como ela foi veiculada em livros cuja finalidade primeira era ensinar as crianças das escolas primárias a ler.

Vale destacar que o interesse em analisar esse conjunto de livros surgiu durante a iniciação científica, com o desenvolvimento do projeto Manuais escolares de Higiene para a infância paulista, no qual foram pesquisados os inventários de bens escolares, encontrados no Arquivo Público do Estado de São Paulo. O projeto, desenvolvido com financiamento do CNPq/PIBIC – Quota Pesquisador, sob orientação da Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha, como parte de um projeto mais amplo, intitulado Biblioteca de Higiene para as crianças e seus mestres: produção, circulação e usos de manuais escolares, tinha como objetivo central localizar informações sobre manuais escolares de higiene, destinados à infância paulista, no final do século XIX e início do século XX.

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A pesquisa visou localizar documentos das comissões avaliadoras de livros didáticos, bem como documentos que pudessem oferecer indícios sobre a aquisição de livros para as escolas primárias paulistas da época. O ponto de partida foram os inventários de bens escolares, que abrangem o período compreendido entre 1889 e 1914. Por meio do exame dos inventários, foi possível chegar a uma ampla listagem dos objetos materiais que chegavam às escolas primárias paulistas.1

A análise dos 156 inventários apontou a grande presença de livros de leitura e livros voltados para o ensino de primeiras letras (séries graduadas de leitura). A partir da revisão bibliográfica realizada sobre o tema, por meio dos estudos de Razzini (2005), Souza (1998), Bittencourt (2002; 2009) e Oliveira (2000; 2004), percebemos que, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, somente os livros de leitura eram destinados ao uso dos alunos das escolas primárias públicas do estado. Várias séries graduadas apareceram nas listagens dos inventários, como as séries de Puiggari-Barreto, João Köpke e Thomaz Galhardo.

Foi a partir dos resultados obtidos nessa pesquisa que surgiram as primeiras indagações que orientam esta pesquisa de mestrado, cujo objeto e fonte é a série Puiggari-Barreto: que conteúdos e temáticas os livros de leitura abordavam em suas narrativas? Estariam os conteúdos de higiene inseridos nesses materiais? A partir de um prévio contato com os livros de leitura, considerando tais indagações, escolhemos a coleção a ser investigada: a série Puiggari-Barreto.

Parte dos livros analisados compõe o acervo particular da pesquisadora Maria das Graças Sandi Magalhães. A outra parte dos livros estudados compõe o acervo da Biblioteca Nacional de Maestros, vinculada ao Ministerio de Educación de la República Argentina. Os exemplares que lá se encontram são os do Segundo livro (9ª edição), Terceiro livro (7ª edição) e Quarto livro de leitura (edição sem número). O acesso a esse material foi possível graças às pesquisadoras Fernanda Ferraguti e Thaís Anastácio, que, ao realizarem um levantamento de documentos nessa biblioteca, localizaram os livros de leitura Puiggari-Barreto.2

1

A pesquisa realizada com os 156 inventários de bens escolares resultou no trabalho de conclusão de curso intitulado

A constituição da escola primária paulista em sua dimensão material: um estudo sobre os Inventários de Bens Escolares (1889-1914). Por meio do estudo da listagem de materiais presente nos inventários, foi possível refletir

sobre a constituição material das escolas primárias paulistas.

2

A série também pode ser encontrada no Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, vinculado à Universidade de São Paulo.

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Justificando o interesse em estudar as concepções de higiene na série Puiggari-Barreto, o presente trabalho foi pensado em articulação com os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pela Profa. Heloísa Helena Pimenta Rocha, referência nos estudos sobre higienismo no Brasil. Rocha, que tem atuado com temas como cultura escolar, infância, higienismo e manuais escolares tem dedicado investimentos, nos últimos anos, em colaboração com outros pesquisadores da área de História da Educação, na constituição de uma “Biblioteca de higiene”, por meio do levantamento, catalogação e análise de manuais escolares de higiene destinados aos alunos das escolas primárias e à formação de professores, produzidos entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX.

Sobre a constituição da “Biblioteca”, Rocha (2012) destaca que

a ida aos arquivos tem permitido observar que os conteúdos de higiene e saúde podem ser encontrados em manuais cujos títulos fazem referência explícita à higiene, mas também nos manuais de ciências físicas, químicas e naturais, figurando, ademais, como tema das narrativas de livros de leitura suplementar. Há, ainda, indícios de que as temáticas ligadas ao asseio ocuparam lugar nos manuais de civilidade, de moral e de economia doméstica. No que diz respeito às obras voltadas para a formação de professores, a higiene é tratada em manuais de fisiologia, biologia educacional, eugenia, puericultura, entre outros. Cabe notar que, dentre os livros localizados, nem todos foram produzidos para o uso estritamente escolar, sendo possível identificar alguns concebidos para uso doméstico, nos quais encontramos indícios de usos escolares; e alguns pensados para o uso tanto na escola como no ambiente doméstico, destinando-se às crianças e seus mestres, como também às mães. (ROCHA, 2012, p.4)

Os dados levantados na elaboração desta dissertação permitem observar a presença da temática da higiene na série Puiggari-Barreto, mesmo não sendo ela uma série composta por livros que fazem referência explícita à temática. Esses achados permitem perceber os modos como a higiene pode ter sido ensinada nas escolas, antes mesmo da publicação dos primeiros manuais específicos de higiene.

Mas afinal, que higiene é essa? Qual é essa “sciencia”, conhecida como higiene, que todos deveriam conhecer e que ensinava a maneira pela qual seria possível manter a saúde, a que se refere a afirmação dos autores que tomamos como epígrafe para este trabalho?

Para entendermos essa “ciência”, conhecida como higiene, a “Hygiene” com Y, e que será estudada na série Puiggari-Barreto, nos apoiamos nos trabalhos de Vigarello (1985), que realiza um estudo sobre a história da higiene corporal francesa. O autor

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aponta que desde o fim da primeira metade do século XIX, quando surge o que ele denomina de “pastoral da miséria”, na qual a imagem do pobre e, sobretudo de sua miséria, começaram a ficar mais inquietantes para a sociedade, “a higiene do pobre seria o garante de sua moralidade, e também de sua ordem” (VIGARELLO, 1985, p.151). Dentro desse cenário, a higiene passou a ser vista como um instrumento da moral. É essa higiene, como instrumento da moral, que vamos estudar na série Puiggari-Barreto.

Não podemos deixar de destacar aqui, que ao longo do século XIX, a higiene havia se tornado um ramo específico da medicina, ganhando um novo estatuto junto com a figura médica. Vigarello (1985) destaca que, nesse período,

há uma palavra que ocupa um lugar inédito: é a higiene. Os manuais que se ocupam de saúde mudam de título. Até então, todos se concentravam na “manutenção” ou na “conservação” da saúde. Agora passam a ser manuais ou tratados de higiene. Todos definem o seu terreno por meio desta denominação anteriormente pouco utilizada. A higiene já não é o adjetivo que qualifica a saúde (hygeinos significa em grego o que é são), mas o conjunto dos dispositivos e dos saberes que favorecem a sua conservação. É uma disciplina particular no seio da medicina. Trata-se de um conjunto de conhecimentos e já não de um qualitativo físico. [...] É impossível pensá-la sem a considerar um “ramo” do saber médico. (VIGARELLO, 1985, p. 134)

A medicina que havia se tornado ciência, aproximando-se do âmbito político das sociedades e desempenhando um importante papel no seu ordenamento, buscou influenciar comportamentos coletivos, a fim de favorecer a conservação e preservação da saúde da população. O novo estatuto dado à medicina e à higiene transformou a medicina curativa em uma medicina social.

Engajados em formar cidadãos saudáveis e higiênicos, os médicos-higienistas, através de seus discursos, defendiam a condução das políticas coletivas de saúde, incentivando campanhas de erradicação de doenças e o comprometimento com a educação higiênica da população. O que mais preocupava os médicos-higienistas era a higiene do povo, sobretudo daqueles que viviam em condições consideradas insalubres. Com o desenvolvimento urbano e industrial, a figura do pobre e, sobretudo da sua miséria, se tornou uma ameaça para as sociedades que almejavam se modernizar. Era preciso combater essa insalubridade para que se pudesse obter êxito no processo de modernização social. Mas então, o que fazer? Como combater?

A resposta a essas questões, de acordo com o discurso médico-higienista, foi investir! Investir na transformação dos costumes da população. Era preciso expulsar

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seus vícios, modificando as práticas corporais já existentes. Na segunda metade do século XIX, os médicos-higienistas passaram a argumentar e a defender o investimento na dimensão moralizante da higiene do povo, como a única segurança para garantir a ordem e o progresso social. Essa dimensão significava uma

ambição complexa e simultaneamente totalizadora, já que, da higiene da rua à dos seus habitantes, do asseio dos quartos ao dos corpos, o que se pretende é transformar os costumes dos mais desfavorecidos. (VIGARELLO, 1985, p.151)

Era preciso sim investir em questões sanitárias, combatendo a sujidade e investindo na limpeza urbana, mas era preciso também mudar os costumes e hábitos da população. De que adiantaria a limpeza das ruas e o investimento na circulação da água, se as casas e as pessoas continuassem sujas, sem práticas de higiene, vivendo em condições de insalubridade?

Era preciso investir na higiene como instrumento moral, que consistia naquela que vai progredindo até atingir os costumes íntimos dos mais pobres. Uma higiene avassaladora, na qual lenta e confusamente acaba por se juntar a ordem e a virtude. A gradação é mesmo exemplar: da rua à habitação e desta à pessoa. Como higiene atrai higiene, a da habitação atrairá a do vestuário, a do corpo e por fim a dos costumes. Não se trata, como no século XVIII, de evocar apenas o vigor, trata-se também de evocar os recursos insuspeitados da ordem. (VIGARELLO, 1985, p.152)

Mas como gerar a moralização dos costumes? Um dos pontos de partida foi pensar no investimento em um processo pedagógico, buscando na educação uma alternativa para tentar a moralização. Tomar banho, realizar um asseio do corpo, lavar as mãos, manter o vestuário limpo, observar a qualidade dos alimentos e respirar ar puro eram os principais aspectos a serem moralizados, pois interferiam na qualidade da saúde. Desta forma, o maior investimento na dimensão moralizante da higiene deveria acontecer na educação das crianças, no âmbito da higiene escolar. Essa higiene escolar contemplava os aspectos físicos, morais e intelectuais dos estudantes, incluindo cuidados com o corpo, arquitetura e artefatos escolares, relação entre professor/aluno e também a literatura moralizadora.

A higiene se tornou um indicativo de “boa educação”. O indivíduo bem educado era aquele que aprendia e atendia, minimamente, às questões de higiene para preservação da saúde, tomando banho, lavando as mãos, utilizando vestes limpas,

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respirando ar puro e realizando o asseio corporal com a máxima frequência possível. Era preciso investir na qualidade da higiene individual, cultivando bons hábitos de saúde.

Referindo-se à realidade brasileira, Stephanou (1999), destaca que

os discursos médicos do final do século XIX e primeiras décadas do século XX elaboraram, através de um crescente refinamento, os procedimentos que cada pessoa deveria operar sobre si mesma para manter-se sadia e asseada. Afinal, era recorrente a ideia de que “o fenômeno coletivo é reflexo das condições individuais”. (STHEPHANOU, 1999, p. 308)

No Brasil, nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX as concepções médico-higienistas se proliferam com maior intensidade, e os projetos, sob suas orientações, ganham força. Em São Paulo, local onde a série Puiggari-Barreto foi publicada, as preocupações com as questões ligadas ao combate às doenças e à preservação da saúde, podem ser observadas quando se tem em conta que, no ano de 1892, foi criado o Serviço Sanitário Estadual. Esta instituição, que tomou o lugar da antiga Junta Provincial de Higiene, passou a ter a responsabilidade pelos serviços de higiene do estado. Dois anos depois, em 1894, decretou-se o primeiro Código Sanitário do Estado, ganhando visibilidade a figura do inspetor e da polícia médica. Em 1896, as campanhas sanitárias, que antes só aconteciam nos períodos de epidemia, passaram a acontecer permanentemente.

Romero (1996) destaca que

nos primeiros anos da república a saúde tornou-se uma importante questão política. Rodrigues Alves, presidente de 1902 a 1906, adotou como prioridade de governo o saneamento, o combate à peste bubônica e à febre amarela. Em São Paulo, entre os anos de 1892 a 1895, criaram-se os Institutos Vacinogênico e Bacteriológico, o Hospital de Isolamento, o Desinfectório Central e estabeleceu-se o 1º Código Sanitário do Estado. Foi um período em que os médicos adquiriram grande visibilidade. (ROMERO, 1996, p.168)

No mesmo ano em que foi criado o Serviço Sanitário Estadual, a lei nº 88, de 08 de setembro de 1892 responsável pela reforma da instrução pública do estado, firmou a higiene como aplicação das disciplinas de ciências, nos programas de ensino das escolas elementares paulistas. Essa lei, em seu artigo 5º, assinalou as matérias que deveriam compor os programas de ensino, considerando a formação integral da criança:

moral pratica e educação cívica, leitura e princípios de grammatica, escripta e calligraphia; noções de geographia geral e cosmogeographia; geographya do Brazil, especialmente do Estado

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de São Paulo; historia do Brazil e leitura sobre a vida dos grandes homens da história; calculo aritmético sobre os números inteiros e frações, systema métrico decimal, noções de geometria, especialmente nas suas applicaçoes á medição de superfície e volume, noções de ciências physicas, chimicas e naturaes, nas suas mais simples applicaçoes, especialmente á hygiene; desenho á mão livre; canto e leitura de musica, exercícios gymnasticos e manuaes apropriados á edade e ao sexo. (São Paulo, 08 de setembro de 1892)

Toda essa preocupação se relacionava à ideia de que os bons hábitos de higiene iriam interferir diretamente nas questões da saúde da população, como medidas profiláticas. De acordo com o discurso médico-higienista, a medicina social preventiva deveria ser pensada juntamente com a educação. A educação desde o século XIX foi representada como uma das maneiras para instauração da ordem nacional, bem como uma forma de inserir o Brasil no âmbito das nações modernas, civilizadas.

Rocha (2011) estudando os vínculos entre saneamento, a alfabetização e a regeneração nas iniciativas da difusão da escola primária em São Paulo na década de 1920, destaca que a saúde e a educação começaram a se configurar

como pilares da obra de redenção do povo da suposta ignorância e da doença e, nessa medida, de regeneração da nação. Pensada como parte de um amplo projeto de reforma dos costumes, a educação do povo passou a ser vista como meio de formação de hábitos de vida saudável, articulados em torno do objetivo de constituição do brasileiro como um homem forte, saudável, produtivo, trabalhador e ordeiro. (ROCHA, 2011, p. 152)

Sobre esse mesmo aspecto, Stephanou (2000) aponta que

No Brasil, pelo menos desde o final do século XIX, discutia-se que educação e saúde seriam as investidas mais importantes para “salvar o país” do atraso, da degeneração, da catástrofe. [...] Curar implicava, necessariamente, instruir e educar, para prevenir e erradicar as doenças e a ignorância a que o povo estava condenado. (STEPHANOU, 2000, p. 2)

Rocha (2010), em seu trabalho intitulado A educação da infância: entre a família, a escola e a medicina, um exame sobre as comunicações apresentadas no II Congresso de Higiene Escolar e Pedagogia Fisiológica que aconteceu em Paris, no ano de 1905, buscando flagrar representações sobre a infância e sua educação, produzidas no campo da higiene escolar, destaca que

os médicos-higienistas, no afã de debelar as epidemias, combater a mortalidade e produzir novos modos de viver em sociedade, consideraram a escola como objeto privilegiado de intervenção, dedicando-se ao estudo dos tempos e espaços da escolarização, dos

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métodos e procedimentos de ensino, bem como da constituição física e intelectual dos alunos. (ROCHA, 2010, p. 236)

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Imersos nesses estudos, os médicos-higienistas, passaram a discutir o processo de formação do cidadão. Nesse sentido, Taborda de Oliveira & Pykosz (2009) apontam

que

a escola tornava-se naquele contexto um lugar de disseminação das pretensões quanto ao progresso da nação e a civilização da sociedade, visto que era na criança que se identificava o meio mais proveitoso de se inculcar novos hábitos e costumes, aspecto que tem suas raízes já lançadas no séc. XVIII europeu (TABORDA DE OLIVEIRA & PYKOSZ, 2009. p. 137)

A escola serviria como lugar de difusão de valores e como ambiente reformador dos costumes. Na escola seria possível incutir nas crianças um conjunto de hábitos, inclusive os higiênicos, capazes de afastá-las da doença e da ignorância, formando-as para viver na tão almejada “sociedade moderna”, como crianças “bem educadas”.

Rocha (2003) em seu trabalho intitulado Educação escolar e higienização da infância, destaca que as tarefas atribuídas à escola primária eram as de

eliminar atitudes viciosas e inculcar hábitos salutares, desde a mais tenra idade. Criar um sistema fundamental de hábitos de higiênicos, capaz de dominar, inconscientemente, toda a existência das crianças. Modelar, enfim, a natureza infantil, pela aquisição de hábitos que resguardassem a infância da debilidade e da moléstia. (ROCHA, 2003, p.40)

Considerando os processos de inculcação dos hábitos e comportamentos, a relação entre educação e higiene e, ainda, os investimentos com vistas a configurar o livro escolar como um instrumento de formação da criança, este trabalho se propõe a investigar a presença da higiene nos livros de leitura Puiggari-Barreto como um instrumento moral, indagando como a ela foi veiculada em uma série graduada de livros de leitura, cuja função primeira era ensinar as crianças da escola elementar a ler.

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CAPÍTULO 1 - O LIVRO DE LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL PAULISTA

1.1 – O projeto educacional na República

Ao longo do século XIX, a educação foi alvo de inúmeras discussões. As principais temáticas em discussão eram a importância da educação para a formação do povo brasileiro, bem como os meios que seriam utilizados para efetivá-la. Na visão do Partido Republicano Paulista, criado no ano de 1873, a educação representava o alicerce para uma sociedade moderna e o elemento regenerador da nação. Seria por intermédio dela que se garantiria a ordem e o progresso social. Rocha (2011, p.152), estudando o projeto de educação higiênica que aconteceu na década de 1920, por meio do qual se buscou incutir nas crianças um conjunto de hábitos, aponta para a necessidade de lembrar que o termo povo “recobriu historicamente diferentes sentidos, servindo para designar grupos sociais que não podem ser tomados como homogêneos”.

Para os republicanos paulistas, a educação popular se tornou um campo de ação política e um instrumento responsável pela formação moral e intelectual do povo. A educação atenderia as necessidades políticas e sociais do estado. No que se refere ao viés político, a educação popular era imprescindível para que houvesse a participação dos cidadãos nas eleições, que consolidariam o regime republicano.

Ao assumirem o poder em 1889, os republicanos paulistas, ancorados em um projeto político e social e nas representações que tinham sobre a educação, colocaram em prática uma política de educação popular, implantando um modelo de escola pública primária. Essa escola estaria comprometida com a construção e consolidação desse novo regime. Souza destaca que

os republicanos fizeram da educação popular um meio de propaganda dos ideais liberais republicanos e reafirmaram a escola como instituição fundamental para o novo regime e para a reforma da sociedade brasileira. (SOUZA, 1998, p. 30)

Carvalho (1989, p.2), em seu estudo sobre o processo de definição do estatuto da escola na ordem republicana, destaca que “a escola foi, no imaginário republicano, signo da instauração da nova ordem”; ela seria capaz de garantir o progresso do país e regenerar a nação. Segundo a autora, a escola foi vista pelos republicanos como única arma capaz de gerar uma superação dos entraves que estariam impedindo a marcha do país para o progresso, dentro da nova ordem que se estruturava. Formar o cidadão da

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República foi a tarefa atribuída a ela. A formação integral do indivíduo aconteceria ali. Na escola, as crianças poderiam ser educadas e instruídas para viver em sociedade.

A implantação da escola primária paulista se traduziu na criação dos Grupos Escolares (Lei nº 169 de 7 de agosto de 1893 e Decreto nº 248 de 26 de julho de 1894), construídos primeiramente para agrupar escolas e classes que anteriormente funcionavam separadas.

Cada grupo escolar poderia comportar de 4 a 10 escolas isoladas e seria regido pela quantidade de professores referentes a agrupamentos de 40 alunos, contando também com adjuntos necessários a critério da diretoria. Os alunos seriam distribuídos em 4 classes, para cada sexo, correspondentes ao 1º, 2º, 3º e 4º anos do curso preliminar. Para a direção, o governo nomearia um professor da mesma escola diplomado pela Escola Normal. Nos grupos escolares poderiam funcionar no mesmo edifício escolas do sexo masculino e do feminino, havendo completa separação dos sexos. (SOUZA, 1998, p.47)

O surgimento dos Grupos Escolares aconteceu posteriormente à Reforma Caetano de Campos (Decreto nº 27 de 12.03.1890), que propôs a primeira reorganização do ensino paulista, com a reforma da Escola Normal e a criação da Escola Modelo. É importante destacar que o estado de São Paulo foi o primeiro estado brasileiro a colocar em prática uma reforma oficial do ensino, servindo de exemplo, posteriormente, para outros estados brasileiros.3

A Reforma Caetano de Campos aperfeiçoou a Escola Normal e criou a Escola Modelo, lugar onde os mestres (alunos da Escola Normal) colocavam em prática aquilo que lhes era ensinado. Esse foi o primeiro passo da reforma geral da instrução pública paulista: preparar professores para o ensino nas escolas elementares do estado.

Os reformadores republicanos acreditavam que a formação de professores era imprescindível para o sucesso do projeto de renovação da escola pública, uma vez que ela estava sendo concebida em termos da adoção de novos processos de ensino, entre os quais a implantação de um novo método, o intuitivo, que consistia em um método

concreto, racional e ativo, denominado “ensino pelo aspecto”, “lições de coisas” ou “ensino intuitivo”. O novo método pode ser sintetizado em dois termos: observar e trabalhar. Observar significa progredir da percepção para a ideia, do concreto para o abstrato, dos sentidos para a inteligência, dos dados para o julgamento. Trabalhar consiste em fazer do ensino e da educação na infância

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Souza (1998) e Razzini (2008) apontam que São Paulo foi o primeiro estado a colocar em prática a reforma oficial do ensino, pois possuía condições favoráveis para isso, devido à cultura cafeeira que se desenvolvia no estado e gerava desenvolvimento econômico e urbano.

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uma oportunidade para a realização de atividades concretas, similares àquelas da vida adulta. Aliando observação e trabalho numa mesma atividade, o método intuitivo pretende direcionar o desenvolvimento da criança de modo que a observação gere o raciocínio e o trabalho prepare o futuro produtor, tornando indissociável pensar e construir. (VALDEMARIN, 2001, p.159)

Caetano de Campos, mentor dessa reforma, foi o responsável por implantar na Escola Modelo inovações pedagógicas do período, preocupando-se em fazer com que os futuros mestres observassem e aprendessem na prática como as crianças deveriam ser instruídas. Essa escola foi a morada do método intuitivo. Lá os professores aprenderiam “como” ensinar seus alunos, baseados nessa nova concepção didático-pedagógica. Destinada à prática dos alunos que cursavam o 3º ano da Escola Normal, a Escola Modelo se estruturava em três graus de ensino, organizados da seguinte maneira:

1º grau para crianças de sete a dez anos de idade; 2º grau para as idades de dez a catorze; e o 3º para adolescentes de catorze a dezessete anos. Entretanto, sua organização atingiu apenas o ensino do 1º grau, com o seguinte programa de ensino: lições de coisas, com observação espontânea; instrução cívica; leitura: ensino proporcionado ao desenvolvimento das faculdades do aluno a ponto de ler corretamente, prestando o professor atenção à prosódia; exercício de análise de pequenos trechos lidos, de modo a poder o aluno compreender e ficar conhecendo a construção de frases e sentenças, sem decorar regras gramaticais; escrita graduada até a aplicação das regras de ortografia; aritmética elementar, incluindo as quatro operações fundamentais, frações ordinárias e decimais, regra de três simples com exercícios práticos, problemas graduados de uso comum; ensino prático do sistema legal de pesos e medidas; desenho à mão livre; exercícios de redação de cartas, faturas e contas comerciais; noções de geografia; ginástica, compreendendo marchas escolares e exercícios militares; coral e trabalhos manuais. (REIS FILHO, 1995, p.53)

Essa organização fez com que a Escola Modelo se configurasse em uma matriz de escola graduada no Brasil4, sendo utilizada como exemplo para os grupos escolares em 1893, no momento de sua implantação. Salas mais homogêneas, prédios próprios, método de ensino simultâneo, que possibilitava ao professor ensinar vários alunos ao mesmo tempo, deixando de lado o método individual amplamente utilizado no Brasil durante a época do Império, várias classes, vários professores e um programa de ensino

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O modelo de escola graduada não estava se difundindo só no Brasil no final do século XIX. A partir de 1870, ele já vinha sendo implantado em alguns países da Europa (França, Inglaterra e Espanha) e também na América do Norte (Estados Unidos). Souza (1998) destaca que o século XIX, mais precisamente a segunda metade, foi cenário da experimentação mundial da construção desse modelo de escola.

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graduado. Essas foram algumas das inovações pedagógicas propostas e aplicadas à Escola Modelo, que depois foram transplantadas para a organização dos grupos. A partir disso,

a Escola Modelo constituiu-se no protótipo de organização dos grupos escolares em São Paulo. Adotando a mesma ordenação administrativa e didático-pedagógica das escolas graduadas, ela se tornou a referência a ser seguida pelas escolas agrupadas designadas “grupos escolares”(VIDAL, 2006, p. 27)

A criação dos grupos escolares conferiu aos republicanos paulistas vantagens econômicas, com a reunião de escolas em um mesmo edifício. Reunir e agrupar alunos em um mesmo prédio gerou para o governo uma racionalização dos gastos e um controle mais sistemático da instituição. Apropriados principalmente para os centros urbanos em desenvolvimento, como o caso de São Paulo, os grupos possibilitavam reunir, em um só prédio, as escolas de uma mesma localidade.

É importante destacar que o processo de implantação da escola primária paulista não foi igual para todo o estado. Os republicanos optaram por privilegiar a construção dos grupos escolares nos centros urbanos, onde havia maior desenvolvimento econômico, ou em bairros com maior contingente populacional. Essa medida foi adotada para viabilizar o uso de verbas, pois o custo para a construção era alto. A ideia de implantá-los nos centros urbanos se deu também para garantir maior visibilidade política e social às ações do Estado. Com isso, mesmo com a criação dos grupos escolares, as escolas isoladas não deixaram de existir, configurando-se como um segundo tipo de escola primária.

Em 18945, o Decreto nº 248, de 26 de julho, estabeleceu as seguintes orientações em relação aos grupos escolares:

Artigo 81. Nos lugares em que, em virtude de densidade da população, houver mais de uma escola no raio fixado para a obrigatoriedade, o Conselho Superior poderá fazê-las funcionar em um só prédio para esse fim construído ou adaptado.

§ 1.º - Taes escolas terão a denominação de “Grupo Escolar” com a sua respectiva designação numérica em cada localidade.

§ 2.º - Por deliberação do Conselho os Grupos Escolares poderão ter denominações especiais, em homenagem aos cidadãos que por ventura concorram com donativos importantes para o

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Souza (1998) destaca que, apesar de os republicanos paulistas terem encontrado dificuldades financeiras para a implantação dos grupos escolares, no período de 1894 até 1910, foram instalados 101 deles, nas principais regiões do estado.A autora destaca também, que muitas vezes, para a construção dos edifícios que seriam destinados a eles, o governo recorria a donativos particulares, por falta de recursos financeiros. Eram os “barões do café” que acabavam financiando as construções, apoiando o lema republicano de difusão da ordem e do progresso.

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desenvolvimento da educação popular, principalmente no que se refere á reunião das escolas.

Artigo 82. - Cada Grupo Escolar poderá comportar a lotação de 4 a 10 escolas isoladas no máximo e será regida por tantos professores quantos forem os grupos de 40 alunos e pelos adjuntos que forem necessários á diretoria.

§ 1.º - Podem funcionar no mesmo edifício escolas do sexo masculino e do feminino, havendo completa separação dos sexos. § 2.º - Nos Grupos Escolares, os alunos serão distribuídos em 4 classes para cada sexo, correspondentes ao 1.°, 2.°, 3.° e 4.° anos do curso preliminar. (SÃO PAULO, Decreto nº 248, de 26 de julho de 1894)

Compreendidos em um primeiro momento como um local no qual se reuniam escolas, os grupos escolares passaram por uma transformação. As escolas que se reuniam em um mesmo espaço, se transformaram em uma única instituição, organizadas sob uma mesma administração6. A partir dessa transformação, os grupos ganharam uma organização didático-pedagógica singular, garantindo seu lugar de destaque no cenário educacional paulista.

Souza (1998) destaca que a organização didático-pedagógica que passou a diferenciar os grupos escolares de uma simples reunião de escolas foi a divisão do trabalho escolar; a formação de classes mais homogêneas; a racionalização e padronização do ensino; a implantação de um programa enciclopédico (Artigo 5º da Lei nº 88, de 08 de setembro de 1892); a necessidade da construção de prédios próprios tendo em vista a constituição da escola como lugar; a organização de novos procedimentos de ensino; a profissionalização do magistério; bem como a instauração de uma nova cultura escolar, visando à formação do cidadão.

A construção dos grupos escolares passou a dar visibilidade à ação política do estado em relação à educação popular, tornando-se uma forma de propaganda do regime.

Os edifícios escolares, enquanto espaços projetados, além de se diferenciarem dos demais edifícios (na medida em que eram construídos para finalidades diversas e específicas), passaram a competir com estes, dado o volume espacial que ocupavam na malha urbana, além dos seus detalhes e formas. Assim, os grupos escolares passaram a rivalizar a atenção dos habitantes. Competiu, por exemplo, com a construção do Teatro Municipal em 1911; competiu com os palacetes que estavam sendo construídos em

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Souza (1998) destaca que a prática de reunião de escolas em um mesmo edifício, mesmo com a legitimação dos grupos escolares como modelo de escola graduada a ser seguido, continuou a existir criando outro tipo de escola primária denominado escolas reunidas. Essas escolas, apesar de instaladas no mesmo prédio, tinham funcionamentos independentes, como escolas isoladas.

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Higienópolis, depois que a área foi loteada em 1880; chegou mesmo a confundir-se com a sede da Beneficência Portuguesa, inaugurada em 1876. Diferiam de outros edifícios, como os construídos no Largo da Concórdia em 1870, as residências do Braz e da Mooca, das fábricas e barracões de oficinas, que eram construções simples, sem grandes recursos e adornos. Mas a grande importância dos edifícios escolares dessa época esteve em ter-se instituição escolar uma destinação superior se comparada à que se lhe dava no período monárquico, pois doravante possuía um prédio próprio, construído específica e especialmente para funcionar como escola. (ARAÚJO JÚNIOR, 2007, p. 2)

A construção dos grupos escolares foi um investimento também vinculado à ideia da ordem, por meio dos espaços próprios destinados ao ensino. Os novos prédios construídos para a instalação das escolas graduadas traziam em sua arquitetura traços que os diferenciavam dos demais edifícios públicos. Eles possuíam uma identidade própria e destinavam-se ao ensino e ao trabalho docente.

A construção arquitetônica dos edifícios-escola fez parte do imaginário social republicano, pautado em uma forte crença no progresso e na modernização do país. As escolas, com suas construções monumentais, representariam emblemas da modernidade social. Considerando esse imaginário, os republicanos paulistas mitificaram o lugar no qual a instrução e a educação do povo seriam oferecidas, a um lugar moderno, “majestoso, amplo e iluminado” (CARVALHO, 1998, p. 25).

Carvalho (1998) destaca que a política de construção de prédios próprios para os grupos escolares elevou os edifícios-escola à importância atribuída pelos governantes à educação popular naquele momento histórico. Na concepção deles, era preciso “educar, convencer e dar-se a ver!” (SOUZA, 1998, p.123). Definido “como” e “onde” seria colocado em prática o projeto de escolarização popular, os republicanos paulistas dedicaram-se à criação dos programas de ensino. Era preciso definir “o que” seria ensinado nessas escolas primárias.

Que matérias iriam compor o programa? O que deveria ser ensinado nas escolas, a fim de formar o cidadão? Não bastava continuar ensinando somente a leitura, a escrita, o cálculo e a religião, pois a formação do homem moderno ia além desses ensinamentos, somando a eles um número maior de conhecimentos. Naquele momento, os princípios que estavam em pauta eram os da ciência, da educação moral e cívica e os que apontavam para a preparação da criança para a vida em sociedade. Foi a partir deles que os republicanos paulistas definiram o programa de ensino para a escola primária do estado, pensando na formação integral do indivíduo.

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Foi pensando nessa formação, que as matérias foram elencadas para o programa de ensino, matérias de natureza científica e moral.7 O programa deixou de lado o dogma cristão, que, substituído pelo civismo republicano, se tornou a “moral prática sobre a qual se fundamentaria a formação do cidadão” (SOUZA, 1998, p.173).

Souza (1998) destaca que, por meio da criação do programa de ensino, os republicanos fundaram um projeto cultural a ser colocado em prática nas escolas primárias do estado. Tal projeto tinha como meta alcançar dois objetivos: formar o cidadão para a ciência e “cultivar seu coração”. Cultivar o coração significava formar o espírito do aluno, influenciando na formação do seu caráter.

A fórmula adotada pelos reformadores da instrução pública em São Paulo buscou conciliar a integralidade do conhecimento sintetizado nas “noções básicas”, com as finalidades de formação do caráter. [...]. Em primeiro lugar, noções básicas ou noções práticas necessárias à vida eram o mínimo destinado aos filhos do povo, crianças que não continuariam os estudos e muitas nem mesmo chegariam a concluir o curso preliminar. À escola primária era atribuída uma finalidade prática e utilitária. Em segundo lugar, encontrava-se pressuposta a distinção entre instruir e educar, comum no pensamento dos profissionais da educação daquele período. (SOUZA, 1998, p.174)

A educação e a instrução foram concebidas como atos diferentes, mas complementares no projeto de educação popular. A instrução era a ação de transmitir conhecimentos e a educação era compreendida como o ato de transmitir valores e normas, a fim de garantir a formação do caráter do cidadão. Por meio das matérias do programa de ensino, ambas iam sendo colocadas em prática. Os saberes elementares e as noções científicas compunham a parte educativa do programa, como educação moral e cívica, juntamente com a história, a geografia, a educação física (ginástica) e a educação militar.

Com um espaço próprio, com professores formados para lecionar a partir dos princípios do método intuitivo e um programa de ensino enciclopédico destinado à formação do cidadão, foi preciso dotar materialmente essas escolas.

A preocupação com a dimensão material da escola pública passou a impulsionar investimentos estatais, a fim de atender a nova organização didático-pedagógica instituída para o ensino.

7

Souza (1998) destaca que essas matérias já haviam sido inseridas em programas de ensino das escolas primárias de países da Europa e Estados Unidos, países referência para o Brasil, no momento de implantação da escola primária graduada.

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Esse novo modelo de escola exigia altos investimentos, pois pressupunha a edificação de espaços próprios e mobiliário moderno e abundante material didático. A racionalidade e a uniformidade perpassavam todos os aspectos de ordenação escolar, desde o agrupamento homogêneo de crianças (alunos) em turmas mediante a classificação pelo grau de conhecimento consolidando a noção de classe e série, o estabelecimento de programas de ensino, a atribuição de cada classe a um professor, a adoção de uma estrutura burocrática hierarquizada - uma rede de poderes, de vigilância e de controle envolvendo professores, diretores, porteiros, serventes, inspetores, delegados e diretores de ensino. (SOUZA, FARIAFILHO, 2003, p.28)

A abundância de material didático era para atender a aplicação do método intuitivo e ao programa de ensino estabelecido para as escolas primárias, pois para ensinar intuitivamente qualquer uma das matérias que compunham o programa, o material didático era essencial.

Estudando as concepções sobre o método intuitivo, Valdemarin (2004) destaca que

entre as inovações vinculadas ao método de ensino intuitivo, estão a proposição que a escola deva ensinar coisas vinculadas à vida, aos objetos e fatos presentes no cotidiano dos estudantes, introduzindo assim os objetos didáticos como elementos imprescindíveis à formação das ideias. (...) A introdução dos objetos didáticos na educação tem um caráter lúdico, mas também disciplinador: um elemento novo em sala de aula torna-se o centro da atenção das crianças, instaurando assim algo que é comum a toda a classe de alunos e ao professor, é aquilo que os une no caminho do conhecimento. Mas, acima disso, traz consigo a possibilidade de uniformizar raciocínios, modos de pensar, cristalizando uma forma de apropriação das coisas exteriores num processo que é dirigido pelo professor, o representante naquela situação do legado das gerações precedentes, inclusive com seus valores e seus preconceitos. (Valdemarin, 2004, p. 176)

Era preciso considerar tudo o que fosse condizente com a infância: a imaginação, a curiosidade, o sentido e a observação. O material didático se tornou um elemento necessário, caracterizando-se como ferramenta do trabalho docente. Nesse sentido,

tiveram de ser reelaborados ou reinventados para se adequar aos programas, acrescidos de matérias e de conteúdo, que passaram a ser oferecidos “intuitivamente”, de maneira gradual e seriada. A principal consequência de tal uniformização, aliada ao emprego do modo simultâneo para toda a sala de aula, foi a exigência de que cada aluno tivesse seu próprio material escolar, aumentando a demanda por produtos que se tornariam cada vez mais de uso individual, como penas, lápis, ardósias, folhas de papel, cadernos e livros. (RAZZINI, 2010, p.106)

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Era por meio do uso dos materiais e da aplicação do método intuitivo, que seria possível atingir a uniformidade do ensino, tão almejada pelos republicanos. Foi dentro dessa demanda de materiais, que o livro escolar ganhou seu lugar de destaque.

1.2 – O livro de leitura: o livro escolar da criança e o grande interesse editorial

O uso dos materiais escolares, principalmente dos livros didáticos, atrelados aos programas de ensino, aos novos métodos e à nova concepção de educação, ganhou importância em São Paulo na última década do século XIX, devido à expansão da escola primária.

Razzini (2011) destaca que

em 1908, existiam 80 Grupos Escolares (18 na capital e 62 no interior), em 1913, eles já eram 120 (25 na capital e 95 no interior) e, em 1918, o número de Grupos Escolares já somava 176 (30 na capital e 146 no interior). Os dados levantados sempre confirmam a ampliação deste modelo escolar na rede estadual de ensino, tanto no aumento de prédios, alunos e professores, como na crescente concentração das matrículas nos Grupos Escolares. Em 1918, as escolas estaduais respondiam por mais de 72% das matrículas do ensino primário (45% nos Grupos Escolares e 27% nas Escolas Isoladas) e o sucesso dos Grupos Escolares confirma-se ainda nos índices de frequência, pois eles concentravam quase 65% dos alunos que frequentavam a escola pública primária, justificando os investimentos oficiais para sua modernização (RAZZINI, 2011, p. 3)

Essa expansão escolar gerou uma expressiva produção de livros, fazendo com que o mercado editorial se ampliasse de maneira significativa no período entre 1889 e 1930. O alargamento da atividade editorial em São Paulo pode ser compreendida por meio do estudo de Hallewell (1985), sobre a história do livro no Brasil. O autor destaca que, no início da década 1890, havia apenas oito editoras instaladas no estado, “sendo pequeno o interesse de São Paulo na produção de livros” (HALLEWELL, 1985, p.307). Porém, ao longo de três décadas, os números se modificaram de maneira expressiva, atingindo, na década de 1920, 15 editoras instaladas na cidade, totalizando 209 títulos publicados por elas. No início da década de 1920, São Paulo produziu 293.000 exemplares de livros didáticos voltados ao ensino das escolas primárias.

Observando o crescimento no mercado de livros escolares em âmbito nacional, Razzini (2007, p. 21) destaca que ele foi “parte das condições de infraestrutura (física e

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