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SUMÁRIO Pág.

Anexo 19: Critérios para o diagnóstico de DA – National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke Alzheimer´s Disease and Related Disorders

1.1. Síndrome Psicorgânica

Sintomas psiquiátricos estão presentes com freqüência em transtornos neurológicos como acidentes vasculares cerebrais (AVCs), tumores, doença de Parkinson, coréia de Huntington e epilepsias (ROBINSON, 1997), e muitas vezes surgem como primeira manifestação da doença neurológica (MEGA et. al., 1994). Essas manifestações psiquiátricas podem ocorrer sob a forma de síndromes depressivas (CUMMINGS, 1993), sendo também comuns alterações cognitivas, mudanças de personalidade e sintomas psicóticos (DAVISON, 1983). Por conseqüência, doenças cerebrais orgânicas são um diagnóstico diferencial a ser considerado em pacientes que apresentam aparente quadro psiquiátrico primário. Em classificações atuais, como a 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-IV), o diagnóstico de transtornos mentais maiores só pode ser firmado se excluídas causas orgânicas; na presença destas, o diagnóstico passa a ser o de transtorno mental secundário a condição médica geral (DSM-IV, 1994).

Atualmente, técnicas sofisticadas e cada vez mais acessíveis de neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e tomografia por emissão de

fóton único (single photon emission computed tomography – SPECT) podem ser utilizadas como recurso complementar na prática psiquiátrica, em casos selecionados nos quais dados de história clínica, exame psíquico, físico e/ou neurológico trazem alguma suspeita da presença da condição médica geral concomitante (SKAF et. al., 1999).

A Síndrome Cerebral Orgânica é um “diagnóstico” comum na velhice. Embora não seja parte inevitável do processo de envelhecimento, o distúrbio não constitui uma entidade separada, mas representa um termo generalizado para caracterizar as condições físicas que podem causar alterações mentais. Portanto, as síndromes psicorgânicas são alterações mentais associadas a doenças somáticas. Podemos definir o termo Síndrome Mental Orgânica como uma constelação de sinais e sintomas psicológicos ou comportamentais sem referência a etiologia (síndrome orgânica de ansiedade, demência) e Distúrbio Mental Orgânico como uma síndrome particular cuja etiologia é conhecida ou presumida (demência de múltiplos infartos).

Podemos dividir as causas somáticas em dois grandes grupos: um de localização intracerebral (traumas, tumores, hemorragias, tromboses, infecções, hidrocefalia e doenças degenerativas) e outro, extracerebral (infecções sistêmicas, insuficiência cardiorespiratória, endocrinopatias e doenças tóxico-metabólicas).

Dentre as síndromes psicorgânicas mais comumente encontradas na prática clínica destacam-se a síndrome astenoemocional (também chamada de neurastenia), a demência, a amnésia de Korsakov, o embotamento emocional-motivacional (“síndrome frontal”), a confusão- delírio e a sonolência-estupor, classificação embasada em conceitos e experiência de autores escandinavos retomados e desenvolvidos de autores alemães clássicos (LINDQVIST & MALMGREN, 1990; 1993). Essas síndromes estão geralmente associadas a transtornos difusos, multifocais ou regionais do cérebro, por lesão estrutural ou disfunção tóxico-metabólica, podendo, às vezes, ter causas psicorgânicas. Depressão e situações psicossociais anormais (privação sociossensorial, excesso de estimulação ambiental, trauma psíquico), particularmente em idosos, podem levar a estados confusionais e formas leves da síndrome astenoemocional (SAE) ou demencial (pseudodemência depressiva).

Uma anamnese detalhada pode, às vezes, revelar que alguns desses pacientes já tinham uma lesão cerebral prévia (seqüelar ou progressiva), representando tais situações nada mais que o fator complementar que faltava para abaixar o nível de compensação e fazer se manifestar uma síndrome psicorgânica antes subclínica ou discreta (LISHMAN, 1998).

As síndromes psicorgânicas tendem a ter certos quadros em comum, os quais permitem, freqüentemente, distingui-las das doenças mentais não orgânicas. Diferentes patologias estão freqüentemente associadas com formas semelhantes de piora funcional. Podemos citar como exemplo a síndrome confusional ou delirium que é um transtorno mental causado e mantido por determinadas doenças sistêmicas, sendo o cérebro apenas um dos múltiplos órgãos acometidos pela doença, não sendo considerado portanto um transtorno mental primário. As manifestações psicológicas não são específicas em relação à doença somática que a causou. Bonhoeffer (1910) descreveu as formas de reações exógenas, nas quais o mesmo agente etiológico poderia produzir sintomas psíquicos diferentes, assim como quadros clínicos semelhantes originar-se-iam a partir de diferentes agentes etiológicos, demonstrando dessa forma a universalidade e independência da natureza da doença orgânica subjacente. Bonhoeffer merece o crédito por descartar a visão de Kraepelin de que cada agente nocivo que afeta o cérebro evoca um quadro psiquiátrico específico. Piora da consciência, por exemplo, pode resultar de um número variado de processos tóxicos agindo no cérebro ou da elevação da pressão intracraniana; demência pode resultar de anóxia, trauma ou de doença degenerativa primária. Muitos processos de doença afetando o cérebro podem manifestar-se pelos sintomas psicológicos isolados que surgem bem antes dos sinais neurológicos definitivos.

Para melhor compreensão da psiquiatria orgânica algumas considerações ajudam a compreender as doenças mentais.

Considerando a psiquiatria orgânica com enfoque na pesquisa nosológica teremos duas situações clínicas onde os distúrbios mentais ocorrem dentro e fora do seu contexto e o distúrbio confusional serve como exemplo para as duas situações. Em função disso, nenhuma hipótese sobre a etiologia orgânica pode ser formada definitivamente na concepção de um distúrbio mental orgânico. De fato, alguns dos mais importantes distúrbios mentais orgânicos como as formas moderadas da SAE, a síndrome alucinação-cenestopatia-despersonalização (SACD) e o próprio distúrbio confusional podem ter causa psicogênica.

A psiquiatria orgânica e a psiquiatria biológica apresentam conceitos diferentes. A “psiquiatria biológica” ocupa-se predominantemente com distúrbios relacionados a causas somáticas hipotéticas que não podem ainda ser consideradas “bem definidas”, por exemplo, os maiores distúrbios afetivos ou a clássica esquizofrenia não ocorrem associadas a doenças ou lesões somáticas. Isto significa que na definição da psiquiatria orgânica, como um campo de

pesquisa nosológica exclui muitos distúrbios que são foco de interesse da psiquiatria biológica (e vice-versa).

Para aqueles sintomas que resultaram de estados ou processos cerebrais que não são caracterizados psicologicamente designamos como de causa orgânica ou somatogênica. Sonolência, como resultado direto de um sangramento intracraniano, por aumento da pressão intracraniana, é um exemplo de tais sintomas.

Causas que classificamos como não somáticas, por exemplo, estados e processos psicologicamente caracterizáveis também podem ter bases somáticas. A reação depressiva após a perda de um parente próximo é explicada em termos de uma corrente de eventos e processos intrapsíquicos e, portanto, chamamos essa reação de psicogênica, mas, mesmo em tais casos, há sempre uma corrente de eventos e processos cerebrais paralelos ou concomitantes.

Na psiquiatria orgânica o foco de interesse obviamente está naquelas causas orgânicas que são bem definidas a partir do ponto de vista somático e de acordo com as técnicas médicas atuais. Porem, uma causa orgânica, isto é, que não é caracterizada em termos psicológicos não precisa ser entendida com as técnicas médicas atuais e, portanto, não precisa ser bem definida somaticamente. Um exemplo é o defeito primário nos neurotransmissores na síndrome do pânico. Teoricamente, o médico deve distinguir aquelas causas somáticas puramente hipotéticas daquelas causas bem definidas.

Na prática clínica diária o que chama a atenção para a etiologia orgânica é a presença de alterações da consciência, memória, atenção e concentração, predomínio de alucinações visuais, crises epilépticas e algum sintoma e sinal focal lateralizado (heminegligência, afasia, agnosia, apraxia). O quadro clínico resulta da interação de variáveis associadas à lesão (sua natureza, local ou distribuição, e rapidez de instalação), ao paciente (constituição biológica, personalidade, experiência sócio-ocupacional e cultural) e ao seu ambiente psicossocial atual. Como exemplo podemos dizer que a instalação aguda de uma lesão multifocal ou difusa produz confusão mental ou delírio, enquanto sua instalação incidiosa e crônica leva a uma síndrome demencial (DAMASCENO, 2002).