• Nenhum resultado encontrado

2.1 Perspectiva acional: contexto, conceito e particularidades

2.1.6 Síntese sobre a perspectiva acional

Segundo Cuq e Gruca (2017), os debates sobre os conceitos abordados pelo Quadro não poupam a didática de FLE, a qual conheceu com a PA, uma renovação em suas orientações

metodológicas ao permitir reconsiderar e redinamizar certos princípios-chave propostos desde a AC. Na PA, substancialmente ligada à AC, o termo “perspectiva” alcança o sentido desse prolongamento em coerência com a filosofia do Quadro que não tem por vocação prescrever uma metodologia, mas oferecer elementos para que professores e aprendentes operem seleções ou elaborem novas configurações (CUQ; GRUCA, 2017) sobre ensinar, aprender e avaliar em línguas.

Puren (2009) assegura que a partir do único e breve parágrafo no qual é definida a PA pelo Quadro, visto supra, as renovações em relação a AC concorrem para uma nova concepção em que muda a perspectiva do agir de linguagem. Explica que há uma passagem do ato de fala (o agir de linguagem individual sobre o outro) a uma ação social (definida como um agir de linguagem coletivo e/ou não de linguagem com os outros). É essa perspectiva que permite a visão do aprendente como “ator social”.

A PA fundamenta-se sobre as noções do ator social e tarefa em uma visão de resolução de problemas complexos por envolver a mobilização de competências, o objetivo sendo aprender a gerenciar a complexidade do agir social, que apenas se revela e logo somente pode ser avaliado no âmbito das concepções das atividades sociais situadas (HUVER; SPRINGER, 2011). “O ideal acional com o ‘seu viver com’ e ‘agir juntos’, vai tocar fortemente o campo da avaliação (SPRINGER, 2009, p. 33), o que exige um avanço nas práticas avaliativas.

Perrichon (2009) assevera que o impacto do termo perspectiva “acional”, na didática de línguas advém da proposição dos autores do Quadro (CONSEIL DE L’EUROPE, 2005) de procederem a uma distinção, embora eu perceba mais como uma junção, entre aprendizagem e uso da língua. Segundo Perrichon (2009, p. 91): “A perspectiva acional corresponde ao elo entre esses dois tipos de ação [aprender e usar a língua]. Entretanto, embora definido recentemente pelo Quadro trata-se, na verdade, de uma redescoberta”.

De acordo com minha percepção, a PA traz novos ares para a didática de língua e ainda permanece um facho de luz a ser ampliado, sobretudo na sala de aula de FLE. As informações sobre como colocar em prática a PA ainda requerem reflexões a respeito de como viabilizar esse “agir social” em sala de aula de maneira concreta.

Ainda segundo meu ponto de vista, o Quadro ao propor o conceito de tarefas como o coração da PA (ROSEN, 2009) e, se requerem uma sequência discursiva oral ou escrita, o foco na abordagem didática de gêneros textuais constitui um canal para estreitar a relação entre o “agir social” e a sala de aula. Portanto, a partir desse ponto, elucido que devido a semelhança da abordagem baseada em tarefas com os gêneros textuais, a presente pesquisa os destaca como

um dos meios para viabilizar o agir social por meio da linguagem preconizado pela PA na realização de tarefas.

Essa conclusão torna-se possível por meio das leituras sobre a PA que apontam para teorias de aprendizagem inferidas por alguns autores (BENTO, 2010; ROSEN, 2009; PUREN, 2009) como lhe sendo subjacentes. Uma das teorias em questão é o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e sua visão dos gêneros textuais. Por isso, após a síntese desta seção, trato sobre aspectos do ISD e dos gêneros textuais.

Sumarizando, na seção sobre a PA, expliquei que seu contexto de origem é europeu, devido a publicação do Quadro pelo Conselho da Europa em 2001. A PA tem por fio condutor o termo social: o agir social como princípio e a visão de aprendente como ator social capaz de realizar ações sociais por meio de atividades de linguagem com o uso de recursos linguísticos e extralinguísticos que se realizam em situações sociais de uso da língua por meio de tarefas. Como particularidades, a PA apresenta os seguintes elementos necessários à compreensão: competências gerais-individuais, componentes da competência linguístico-comunicativa, atividades de linguagem, domínios, tarefas, estratégias e textos.

No entanto, as leituras sobre a PA indicaram também a sua relação com o referencial de níveis do Quadro19, os termos plurilíngue e pluricultural20 e congêneres, portefólio21, Web 2.022 e pedagogia por projeto23 (BÉRARD, 2009; HAMEZ; LEPEZ, 2009; PERRICHON, 2009; PUREN, 2009; REINHARDT, 2009). Esses aspectos não são tratados na presente pesquisa por não serem parte central dos objetivos desta investigação e porque ficaria demais extensa.

A seguir, trato sobre o ISD e o gênero textual.

19 Segundo o Quadro, os níveis de referência são A1 e A2 (usuários elementares), B1 e B2 (usuário independentes)

e C1 e C2 (usuários experientes). Atendem à necessidade de estruturação do processo de aprendizagem ou de avaliação em LE e, se por longo tempo fizeram uso de uma categorização ternária (básico, intermediário e avançado), no momento atual são redefinidos em termos de capacidades e de competências, e não mais de aquisições linguísticas (CUQ; GRUCA, 2017).

20 O Quadro (CONSEIL DE L’EUROPE, 2005, p. 105) explica que o conceito de plurilíngue e pluricultural

abrange a “situação de todos os que, na sua língua e cultura nativas, estão expostos a diferentes dialetos e à variação cultural inerente a qualquer sociedade complexa [...]”.

21 Um portefólio “permite a um indivíduo registrar e apresentar diferentes aspectos da sua biografia linguística

[...]” (CONSEIL DE L’EUROPE, 2005, p. 133).

22 De acordo com Puren (2009), as ferramentas e ambientes colaborativos, desde então disponíveis na Internet em

particular na Web 2.0, permitem conceber suportes não somente de trocas comunicativas mais ou menos ocasionais, mas de uma nova forma do agir social tecnicamente possível pelas tecnologias de informação interativas, caracterizando a passagem da AC a PA.

23 Segundo Perrichon (2009, p. 93) “a pedagogia do projeto encontra suas raízes no final do século XIX por [John]

Dewey [1929]. Seu lema ‘learning by doing’ contém as sementes dos fundamentos de uma abordagem acional de ensino e aprendizagem”.