• Nenhum resultado encontrado

5 CONTEXTUALIZAÇÃO ARQUEOLÓGICA DE ALGUNS SÍTIOS DA

5.1 ASPECTOS ECONÔMICOS DE ALGUNS SÍTIOS LITORÂNEOS

5.1.1 O sítio Traça 2

O sítio Traça 2 localiza-se nas coordenadas 24M 040560-9676594 e foi identificado durante os estudos arqueológicos preventivos na área do Complexo Itarema entre os anos de 2014 e 2016 realizados por (FERNANDES et al., 2016). Este sítio apresentou, inicialmente, fragmentos cerâmicos e louças associados a restos malacológicos, entretanto, escavações arqueológicas revelaram grande quantidade de vestígios em estratigrafia como indústria lítica, restos de conchas e ossos, fragmentos cerâmicos e de carvão, além de manchas de combustão em camadas pré-coloniais, até vestígios como louça e cerâmica histórica em camadas pós- coloniais.

A escavação do Traça 2 ocorreu por níveis artificiais de 10 cm de espessura em quatro setores; nordeste, noroeste, sudeste e sudoeste, os quais totalizaram 107 intervenções, com sete trincheiras em I, duas trincheiras em L, duas trincheiras em T e 96 sondagens com dimensões variáveis (FERNANDES et al., 2016). Os dados provenientes dessas escavações mostram uma concentração de vestígios, a priori, convergente com duas unidades arqueoestratigráficas interrompidas por um hiato de cerca de 10 cm de espessura. Contudo, esse estudo ainda não apresentou uma caracterização mais detalhada da estratigrafia e a sua relação com os vestígios. A pesquisa nesse sítio gerou um espólio de 7.093 vestígios subdivididos em 18 categorias, dos quais destacam-se os vestígios malacológicos (54,65%), cerâmicos (23,35%) e líticos (8,52%) (FERNANDES et al., 2016). O conjunto arqueofaunístico totaliza 4.652 amostras, das quais 4.625 correspondem a restos malacológicos, 21 são fragmentos ósseos de

peixes e mamíferos e outros seis correspondem a fragmentos de corais com incrustações de bivalves.

No conjunto arqueofaunístico do Traça 2 identificaram-se espécies que ilustram um comportamento de exploração que vai desde períodos pré e pós-coloniais, sendo a primeira delas representada por restos de tartaruga marinha (Cheloniidae), seguidas pelo porco do mato (Tayassuidae); entre as espécies de malacofauna, assomam os bivalves (sobretudo, Crassostrea

sp e Anomalocardia brasiliana) e gastrópodes (os mais comuns dos quais, Turbinella laevigata

e Pugilina morio, predador da A. brasiliana).

No que diz respeito à malacofauna desse sítio, identificaram-se pelo menos 15 táxons, representados por 4.000 fragmentos da classe Bivalvia (berbigões e ostras) e, 625 exemplares da classe Gastropoda (grandes gastrópodes), dos quais, nove espécies provêm de ambientes estuarinos, sendo cinco delas de ocorrência rara, pelo menos uma de ocorrência frequente, e três muito abundantes (Anomalocardia brasiliana, Crassostrea sp e Pugilina morio). As outras espécies são raras nos ambientes estuarinos, sendo algumas delas de hábito terrestre e outras de origem marinha, como os gastrópodes Pleuroploca aurantiaca e o Turbinella laevigata, cujos fragmentos de concha são bastante visíveis na zona entre marés.

Figura 19 - Moluscos identificados no Traça 2, Itarema-CE.

Fonte: adaptado dos dados de Fernandes et al., 2016.

Há de se ressaltar, ainda, a presença de um mamífero aquático, o peixe-boi (Trichechus

manatus), identificado em estratos entre -50 e -110 cm, espécie muito presente nos ambientes 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500

marinhos e fluviais do litoral setentrional nordestino, sendo consumida até os dias de hoje. Dentre as espécies mais recentes identificadas nos níveis mais superficiais destacam-se a pescada (Cynoscion Sp.) e o gado (Bos taurus), sendo, esse último, uma evidência da pecuária pós-colonial, já que a sua introdução se deu com a chegada dos colonizadores.

No que concerne à associação entre a sequência estratigráfica do Traça 2 e os restos arqueofaunísticos, perceberam-se duas camadas escurecidas separadas por um hiato de cerca de 10 cm que parecem indicar dois momentos de ocupação distintos, com as quais associam-se determinadas espécies de malacofauna, sendo os bivalves predominantes nos níveis mais antigos e os gastrópodes mais frequentes nos níveis intermediários e superficiais. Tal dado pode significar diferenças cronológicas no comportamento de consumo, já que os bivalves seriam a espécie mais consumida em momentos mais antigos, enquanto os gastrópodes seriam preferência em momentos mais recentes. Contudo, tal estudo não dispõe de datações que possam corroborar essa diferenciação no comportamento de consumo.

Há de se mencionar que, no conjunto malacológico recuperado do Traça 2, ocorrem alguns fragmentos de conchas de gastrópodes da família Cassidae, nos quais se observam manchas acinzentadas e sulcos que podem ter sido originados por carbonização de origem antrópica ou mesmo processos tafonômicos (FERNANDES et al., 2016). Outros restos faunísticos como carapaças de tartaruga marinha ocorrem carbonizados nos níveis mais baixos, sendo contemporâneos à Anomalocardia brasiliana, enquanto ossos de peixe-boi apresentam marcas de corte/descarne que evidenciam o processamento humano. Tais evidências sugerem que essas espécies representavam opções alimentares mais antigas, indicando uma economia polivalente baseada, principalmente, na exploração de ambientes marinhos, de modo a compor a maior parte da dieta alimentar, ora por coleta de mariscos como bivalves, ora pela caça e pesca de fauna marinha.

Figura 20 – Planilha dos vestígios arqueofaunísticos do Traça 2.

Classe Ordem Família Gênero Espécie

Nome vulgar

Unidades

ósseas Profundidade Marcas

Osteichthyes --- --- Cynoscion C. Sp. pescada otólito pós-temporal 0/-50cm

Mamalia Artiodactyla Bovidae Bos B. taurus gado patela 0/-50cm corte

Mamalia Artiodactyla Tayassuidae --- ---

porco do mato

dente

molar -50/-110cm calcinação

Mamalia Sirenia Trichechidae Trichechus T.

manatus peixe-boi

Costela

e frag. ósseo -50/-110cm corte

Reptilia Testudinata Cheloniidae --- ---

tartaruga marinha placa plastrão/ vértebra 0/-110cm calcinação Mamalia --- --- --- --- mamífero terrestre vértebra/ fragmento 0/-110cm corte N.I. --- --- --- --- animal pequeno vértebra/ fragmento 0/-50cm calcinação

Figura 21 - Remanescentes ósseos de peixe-boi e tartaruga marinha do Traça 2.

A – Osso de peixe-boi com marca de corte

B – Osso de peixe-boi com marca de corte

C – Ossos carbonizados de tartaruga marinha

Fonte: Adaptado de Fernandes et al., 2016.