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5 CONTEXTUALIZAÇÃO ARQUEOLÓGICA DE ALGUNS SÍTIOS DA

5.1 ASPECTOS ECONÔMICOS DE ALGUNS SÍTIOS LITORÂNEOS

5.1.2 Sítios Cumbe 07 e Cumbe 19

Outra área da zona costeira cearense que é bastante rica em sítios similares ao Serrote de Jericoacoara é o distrito do Cumbe, localizado no município de Aracati. Os sítios arqueológicos dessa área totalizam 65 e foram descobertos no ano de 2008, durante a primeira fase de pesquisa arqueológica no âmbito do licenciamento ambiental das eólicas Enacel, Bons Ventos e Canoa Quebrada. Tais sítios são caracterizados por grande quantidade de fragmentos cerâmicos, materiais líticos lascados e polidos e restos malacológicos que indicam uma ocupação prolongada de pescadores-marisqueiros, sendo, posteriormente, sobreposta por ceramistas Tapuias e Tupis, nos deslocamentos indígenas dos séculos XVI e XVII e, posteriormente, pelos colonizadores europeus, conforme testemunham fragmentos de faiança inglesa e outros objetos da tralha doméstica dos séculos XVIII e XIX (VIANA, 2008; XAVIER, 2013).

No ano de 2009, um segundo estudo realizado por (MORALES et al., 2008), com o objetivo de liberar a área para a instalação dos parques eólicos, empreendeu o salvamento de alguns sítios arqueológicos; entretanto, o mesmo não foi capaz de mitigar os impactos ao patrimônio arqueológico conforme havia sido previsto anteriormente, e uma série de sítios e elementos culturais foram perdidos no processo de instalação dos parques eólicos. A superestimação da necessidade de instalação do empreendimento em detrimento da preservação dos sítios, além das dimensões do trabalho e do quantitativo de sítios, levou a vários problemas metodológicos, como a imprecisão na coleta dos vestígios, a falta de escavações amplas e ausência de datações do conjunto recuperado, os quais resultaram na perda significativa de parte do patrimônio cultural, impedindo uma maior compreensão desse contexto. A mensuração dos

impactos ao patrimônio arqueológico na área do Cumbe gerou o Termo de Ajustamento de Conduta IPHAN-CE/Bons Ventos nº 01/2013, no qual uma das medidas compensatórias estabeleceu a realização de uma pesquisa mais detalhada em pelo menos dois sítios representativos da área arqueológica do Cumbe. Assim, os sítios Cumbe 07 e 19 tornaram-se objeto de pesquisa no ano de 2014, realizada por (GASPAR et al., 2016).

O sítio Cumbe 07 cobre uma área de 3.200 m² e está localizado num corredor eólico no sentido leste-oeste entre dunas fixas e semifixas, no qual se distribuem os vestígios arqueológicos, e que se estende parcialmente até a face barlavento de uma duna barcanóide (GASPAR et al., 2016). A concentração de vestígios se distribui por uma área a cerca de 200 metros de uma lagoa interdunar e a 400 m de um curso tributário do rio Jaguaribe, o maior rio do estado, cuja foz está a cerca de 4,5 km do sítio.

As concentrações de vestígios do sítio Cumbe 07 ocorrem em três corredores eólicos semiparalelos formados pelos ventos de leste, os quais se denominaram setores 1, 2 e 3. Ambos os setores apresentam vegetação esparsa como gramíneas e arbustos, mostrando que a duna apresenta zonas em processo de edifização.

Nesse sítio foram realizadas duas intervenções arqueológicas escavadas por níveis artificiais de 20 cm de espessura nos setores 1, 2 e 3. No primeiro setor, empreenderam-se uma sondagem de 1 m² e uma trincheira em de 2 por 6 m subdividida por quadrículas de 1m². No segundo setor, realizou-se uma sondagem de 4 m²; e no terceiro, foram escavadas duas áreas de 4 por 8 m e de 4 por 4 m, subdivididas por quadrículas de 4 m², sendo, que apenas algumas quadrículas foram escavadas. As escavações atingiram profundidades entre 50 cm e 1 m e só se verificou a presença de vestígios na sondagem do setor 1, os quais se resumiram a fragmentos de carvões concentrados nos primeiros 10 cm escavados.

O sítio Cumbe 19 cobre uma área de 3.200m² (24M 636389/9502666) na face barlavento de uma duna barcanóide de segunda geração e em processo de edafização, situada entre dunas semifixas, a cerca de 4,6 km do oceano e a 1,6 km do rio Jaguaribe (GASPAR et al., 2016). As fontes hídricas são as lagoas interdunares intermitentes e o curso tributário do rio Jaguaribe, estando próximo do mangue do Cumbe e a cerca de 5 km da foz do rio Jaguaribe.

A duna barcanóide do Cumbe 19 apresenta duas faixas de concentração de vestígios que foram denominados áreas 1 e 2. Na área 1, foram realizadas duas intervenções arqueológicas; uma sondagem de 1 m² e uma trincheira em I de 1 por 5 m subdividida em cinco quadrículas

de 1 m² (A, B, C, D e E). Em ambas as intervenções, não se identificaram vestígios em profundidade, apenas material lítico e cerâmico e restos malacológicos em superfície (GASPAR et al., 2016).

Na área 2 do Cumbe 19, foram empreendidas duas intervenções, uma sondagem de 1 m² e uma trincheira de 1 por 3m subdividida em quadrículas de 1 m² (A, B e C). A escavação atingiu pouca profundidade e não apresentou vestígios (GASPAR et al., 2016) além da superfície, na qual jaziam materiais líticos e cerâmicos e restos malacológicos.

Em ambos os sítios Cumbe 07 e 19, a amostra faunística é composta por restos de moluscos, das classes Gastropoda e Bivalvia, além de pequenos fragmentos de crustáceos. Essas categorias ocorrem em ambientes marinhos, estuarinos, lacustres, fluviais, mangues ou em faixas de terra.

Dentre os táxons identificados nessa amostra, predomina a ostra Crassostrea

rhizophorae, cujo habitat é marinho ou o do tipo manguezal, ocorrendo nos substratos duros a

cerca de 50 m de profundidade, ou ainda, aderidas às raízes de Rhizophora mangle (GASPAR

et al., 2016). Em ambos os sítios essa espécie representa 80% da amostra coletada,

apresentando, em sua maioria, dimensões entre 3 e 10 cm, mostrando que os grupos que ocuparam essa zona eram verdadeiros comedores de ostra.

Os fragmentos de Crassostrea rhizophorae apresentam padrão de conservação razoável, dispondo apenas de pequenas descamações e furos nas conchas. Tais furos são identificados em conjuntos malacológicos de vários sítios litorâneos, entretanto, a sua origem não foi definida com precisão; mas dentre as possibilidades, estão alterações pós-deposicionais (FERNANDES

et al., 2016), patologias, ação humana (GASPAR et al., 2016) ou mesmo a predação animal

(ROCHA-BARREIRA, 2017).

A segunda e terceira espécies mais representativas nos sítios Cumbe 07 e 19 são os aruá do mato (Megalobulimus Sp.) e os gatapu (P. morio), sendo, o primeiro, uma espécie terrestre e o segundo, uma espécie marinha. No caso dos aruá, os mesmos costumam ocorrer em períodos com baixas temperaturas, característica dos períodos chuvosos.

A presença de espécies de gastrópodes marinhos e terrestres nos Cumbe 07 e 19 indica que havia uma tendência de selecionamento que favorecia os moluscos, articulando uma maior importância alimentar desse recurso em relação aos mamíferos, que são praticamente ausentes no registro arqueofaunístico.

Figura 22 - Moluscos dos sítios Cumbe 07 e 19, Aracati-CE.

Fonte: Adaptado dos dados brutos de Gaspar et al., 2016.