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É inegável que a CF/88 apresenta em seu texto os direitos fundamentais, essenciais para assegurar a dignidade da pessoa humana, tanto que no Título II estão os Direitos e Garantias Fundamentais divididos em cinco capítulos: Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; Direitos Sociais; Nacionalidade; Direitos Políticos; e Partidos Políticos, o que por si só garantem a construção da cidadania.

Desta forma, salienta Carlini (2014, p. 47) que:

A Constituição Federal de 1988, no âmbito do elenco de direitos e garantias individuais e coletivos e de direitos sociais, cumpriu integralmente seu papel, consignando no texto todos os direitos fundamentais para a garantia da dignidade da pessoa humana nas múltiplas variáveis que essa garantia pode assumir em nossos dias.

A dignidade da pessoa humana foi consagrada como fundamento constitucional para igualizar as situações desiguais existentes na sociedade, protegendo aqueles que apresentam necessidades que devem ser efetivadas pelas políticas públicas governamentais, acentuando mais uma vez, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, consoante o art. 196 da CF/88, in verbis:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Evidencia-se que o texto constitucional quer que o acesso seja universal, onde todos possam ser atendidos independentemente da condição social, e que campanhas visando à redução de epidemias ou outras doenças sejam realizadas para assegurar o direito à saúde.

Neste sentido, Carmen Barroso (apud CARLINI, 2014, p. 44), atuando como debatedora na 8ª Conferência Nacional de Saúde, afirmou:

O direito à saúde implica no direito a participar ativamente da formulação de políticas de saúde. E se vamos ultrapassar o nível da retórica vazia, que repete inúmeras boas intenções sem jamais concretizá-las, ou seja, se há realmente a vontade política de democratizar a saúde, esta Conferência não pode terminar sem medidas concretas e imediatas para combater a quase ausência de mulheres na definição de políticas de saúde.

O que se verifica é que o Poder Público até possui boas intenções, porém, na maioria das vezes, não possui recursos para colocá-las em prática, não sabendo como agir com a escassez de bens materiais que o impede de atender todas as políticas públicas nesta área.

Neste contexto surge o art. 6º da CF/88, determinando que:

São direitos sociais a educação, a saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, o transporte, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

É imprescindível que se analise o que significam os direitos sociais no contexto constitucional para melhor entender o direito à saúde, pois todos são titulares de garantias fundamentais, nos quais se incluem os direitos supracitados. “Os direitos fundamentais sociais do art. 6º explicitam o que corresponde à pessoa humana ser e ter para que viva com dignidade em sociedade livre, justa e solidária.” (LEDUR, 2009, p. 83). Os direitos prestacionais do Estado, ou seja, os denominados direito de segunda geração, são assim conceituados por Carlini (2014, p. 109):

Os direitos de promoção do Estado são os chamados direitos humanos de segunda geração, ou seja, os direitos sociais, econômicos e culturais para os quais o Estado deve alocar recursos financeiros de modo a propiciar o acesso de todos os cidadãos, de forma contínua e na quantidade necessária para que o respeito à vida digna se concretize.

Pode-se, pois, afirmar que “os direitos de segunda geração consectários da justiça distributiva [...]” são direitos fundamentais que em regra necessitam da atuação do poder público e de políticas públicas para a sua concretização (PORTO, 2006, p. 58).

Na verdade, os direitos sociais são considerados direitos a prestações que “objetivam proteger não apenas este âmbito individual de autonomia frente ao Estado mas demandam a atuação estatal justamente para que a liberdade seja assegurada por intermédio do Estado.” (FIGUEIREDO, 2007, p. 41).

Certamente que a saúde é parte integrante dos direitos sociais, tanto que a CF/88, no art.196, define a saúde como um direito de todos e enfatiza que o Estado

tem o dever de garantir esse direito por meio de políticas sociais e econômicas, reduzindo os riscos à saúde e agravos que possam surgir (CARLINI, 2014, p. 51).

Diante dessas considerações, é necessário ressaltar que para se alcançar uma vida digna, os direitos fundamentais, incluindo-se os direitos sociais e, mais especificamente, o direito à saúde, devem estar presentes no cotidiano, não apenas como uma mera norma pragmática, mas como uma política determinante para a sua promoção.

Com efeito, afirma Carlini (2014, p. 109) que:

A dificuldade em aplicar o dever de promoção à vida digna em cada caso concreto, com suas especificidades e características próprias, contribui para a formação de uma nova corrente de pensamento na hermenêutica constitucional, que se iniciou pela crítica às normas programáticas, trabalhou no sentido da efetividade dos direitos fundamentais e, como consequência, a efetividade da promoção aos meios indispensáveis a uma vida digna.

O debate em torno dos direitos sociais apresenta uma trajetória histórica a partir dos direitos políticos e das liberdades públicas, pois segundo Tavares 2001 (apud CURY, 2005, p. 12) foi

a partir século XX, do momento em que o sufrágio passou a ser universal e os políticos passaram a perceber que precisavam do voto do trabalhador, começaram a aparecer as concessões sociais, fazendo surgir os direitos

fundamentais de segunda geração, os direitos sociais (grifo nosso). [...]

enquanto os direitos de liberdade procuram libertar o homem da atuação do Estado, os direitos sociais procuram libertar o homem do jugo do próprio homem (TAVARES, 2001). Os direitos sociais, estando, pois, associados ao direito de igualdade, exigem do Estado não uma postura de abstenção, mas uma postura positiva. Começam aqui a nascer as pretensões aos direitos materiais a serem atendidos pelo Estado, como educação, saúde, etc. o Estado tem que agir positivamente.

Cumpre esclarecer que os direitos fundamentais de segunda geração são reconhecidos pelo texto constitucional no seu art. 6º, dirigem-se a todos e apresentam desdobramentos que para a sua materialização necessitam da interferência não só do Estado por meio de políticas públicas, mas pelo Poder Judiciário quando aquele não dá efetividade a um direito tão importante. Com efeito, sustenta Cury (2005, p. 14) que:

Com a introdução dos direitos fundamentais de segunda dimensão, cresceu o juízo de que esses direitos representam de certo modo uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação valorativa que alguns juristas temem possa ressuscitar ou correr o risco de ressuscitar a rejeitada concepção de sistema, à qual os direitos fundamentais seriam irredutíveis.

É inegável que desde o seu preâmbulo, o texto constitucional contém aspectos relacionados com a dimensão social da cidadania,

[...] que garante a participação na riqueza coletiva, os direitos sociais incluem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, ao salário justo, à aposentadoria. A garantia de sua vigência depende da existência de eficiente máquina administrativa do Poder Executivo. (CURY, 2005, p. 19).

O objetivo principal da CF/88 ao adotar o primado do Estado democrático de direito, sem, no entanto, fazer referência ao princípio do Estado Social, traz implícita a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais, haja vista que estes estão interrelacionados. Os direitos sociais visam “[...] reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social.” (CURY, 2005, p. 20).

Evidentemente que os direitos sociais necessitam de concretização por meio dos poderes do Estado, principalmente do legislador, sem, no entanto, esquecer dos Poderes Executivo e do Judiciário, que devem por meio de políticas públicas e decisões judiciais, respectivamente, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, como refere o art. 170, caput, da CF/88, a respeito da Ordem Econômica e Financeira.

Por tudo isso, justifica-se a análise das mudanças e inovações sobre o direito à saúde na CF/88.

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