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Saúde mental dos trabalhadores de enfermagem de saúde mental

3.2 SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM

3.2.2 Saúde mental dos trabalhadores de enfermagem de saúde mental

A saúde mental dos trabalhadores de instituições psiquiátricas, de acordo com Ramminger (2005), passa a ser pensada na II Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 1992. Para a autora, esta conferencia foi a primeira a abordar temas sobre os trabalhadores de saúde mental. No relatório dessa conferência, pode-se encontrar capítulos como: “Dos trabalhadores da saúde, organização do trabalho e pesquisa; direitos trabalhistas; direitos civis etc...”. (BRASIL, 2002 p. 46).

Sobre a organização do trabalho, o relatório da conferência, em seu capítulo 7, dispõe sobre “programas de educação em saúde mental para os trabalhadores do SUS” propondo “mudanças nas agências formadoras de trabalhadores de saúde, introduzindo temas de saúde mental e saúde coletiva nos diversos cursos, e estágios acadêmicos nas redes pública e privada de saúde”. (BRASIL, 1992). Para que houvesse um aprimoramento contínuo dos trabalhadores de saúde mental, o relatório propõe “um espaço para a atualização, dentro da carga horária do trabalhador, no sentido de manter contato dos profissionais com as suas entidades, rompendo assim com a alienação”.(p. 20/21).

Ainda no capítulo VII do relatório, sobre a organização do trabalho em saúde mental, é possível encontrar alguns pontos que enfatizam esse novo olhar, ou cuidado, com os profissionais de saúde mental:

Propiciar que as associações populares e profissionais lutem juntas por condições e organização de trabalho adequadas e coerentes com as mudanças na atenção à saúde mental, e direcionadas à construção da cidadania dos pacientes e dos profissionais; melhorar as condições de trabalho, possibilitando o exercício ético da profissão; criar e implantar imediatamente o Plano de Cargos, Carreira e Salários em todos os níveis (União, estados e municípios), de caráter abrangente e multiprofissional, garantindo-se a isonomia salarial e de carga horária; garantir a participação paritária e representativa dos profissionais de saúde na elaboração do Plano de Cargos, Carreira e Salários nos níveis federal, estadual e municipal; criar o regime jurídico único, respeitando as autonomias e o já definido na Constituição Federal. (BRASÍLIA, 1992, p. 21).

De acordo com Ramminger (2005), os profissionais da saúde mental são muitas vezes institucionalizados no seu modo de viver e trabalhar. Em relação a isto, no capitulo 10 do relatório da II Conferência Nacional de Saúde Mental, o qual dispõe sobre os direitos dos trabalhadores de saúde mental, é possível encontrar a elaboração de alguns itens significativos referentes à saúde mental do trabalhador de saúde mental:

diminuição do tempo de exposição dos trabalhadores às condições de fadiga e tensão psíquica, através da diminuição das jornadas de trabalho e do aumento do período de tempo livre (folgas e férias), de acordo com a natureza das atividades; períodos de descanso durante a jornada cotidiana, destinados também a permitir a preservação da atividade mental autônoma; tais intervalos deverão ser em número e duração suficientes para tais finalidades, em conformidade com as necessidades determinadas pela carga de trabalho exigida em cada posto, evitando as patologias do tipo Lesões por Esforços Repetidos (LER); em se tratando de atividades reconhecidas como especialmente desgastantes do ponto de vista psíquico, diversificar estas atividades; para a prevenção da fadiga mental será obrigatória, sempre que solicitada pelos trabalhadores a formação de grupos de avaliação dos condicionantes de fadiga e de tensão psíquica;a duração normal do trabalho, para os empregados que trabalham em regime de turnos alternados e para os que trabalham em horário fixo noturno, não poderá exceder 35 horas semanais. (BRASIL, 1992, p. 27).

É possível perceber que na II conferência houve uma preocupação com a saúde mental dos trabalhadores de saúde. Quando é afirmado, por exemplo, que será diminuído o tempo de exposição dos trabalhadores às condições de fadiga e tensão psíquica, logo se pressupõe que o trabalho em saúde mental é gerador de fadiga e tensão psíquica. Da mesma forma quando é pontuado que o trabalhador de saúde mental devera ter horário de descanso durante o turno de trabalho para a “preservação da atividade mental autônoma”, parece que esta querendo se dizer que o trabalho em saúde mental influencia na atividade psíquica do trabalhador. Sendo assim, considera-se relevante investigar se há tensão psíquica provocada pelo trabalho, como os trabalhadores de enfermagem percebem isso? Que estratégias eles utilizam para lidar com essa tensão?

Além disso, o Relatório sugere, como rede de apoio, a criação de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, para auxiliar o trabalhador de saúde mental em momentos onde o trabalho passa a ser alienante e causador de sofrimento psíquico. Recomenda também que a doença mental necessita ser considerada como doença do trabalho, sempre que houver comprovação de que o trabalho contribuiu para o processo de desencadeamento de transtornos mentais. (BRASIL, 1992).

Podemos concluir, a partir do exposto acima, que a saúde dos trabalhadores de saúde mental até o momento da II Conferência Nacional de Saúde Mental, não era um tema

mencionado. Ramminger (2005) afirma que na I Conferência Nacional de Saúde Mental, o tema sobre esses trabalhadores não chegou a fazer parte dos assuntos em discussão. Porém a autora ressalta que posteriormente, na III Conferência Nacional de Saúde Mental, que ocorreu em 2001, o tema foi efetivamente abordado, principalmente no que se refere a “trabalhador da saúde, na saúde mental”.

Na III Conferência Nacional de Saúde Mental, cujo tema era “Cuidar sim, excluir não”, dentre vários temas abordados, aparece uma preocupação com a saúde do trabalhador da saúde. (BRASIL, 2002). No que se refere à saúde do trabalhador, foram abordados temas como a política de recursos humanos, que além de capacitar os profissionais de saúde mental deve também garantir uma qualificação continua desses trabalhadores; remuneração adequada ao serviço prestado e superação da gestão verticalizada; questões de segurança sobre a saúde e saúde mental dos trabalhadores com ênfase na preocupação especifica com a saúde mental dos trabalhadores de saúde mental. (RAMMINGER, 2005; BRASÍLIA, 2002).

Mas porque se passou a pensar na saúde mental dos trabalhadores da saúde? Para Alves (2005, p. 59) o “contato contínuo com fenômenos amplos e complexos como a dor psíquica, constitui um aspecto diferenciador da pratica dos profissionais de saúde mental” podendo gerar, por consequência, o sofrimento. O autor, citando Schmidt (2003), fala sobre a diversidade de pessoas atendidas pelos trabalhadores de saúde. Cada pessoa atendida trás consigo uma gama de experiências e condições de vida que demandam intervenções intensas. Essas demandas, de certo modo, acabam repercutindo nos cuidadores, fazendo-os experiênciar sentimentos de limitações e fragilidades, provocando assim, sofrimento e dor.

Em pesquisa realizada por Silva e Menezes (2008), com agentes comunitários de saúde, os autores apontam que 24,1% dos entrevistados apresentaram síndrome do esgotamento profissional ou Síndrome de Burnout, sendo que a prevalência de transtornos mentais comuns foi de 43,3%. Os autores ainda ressaltam que diante deste numero elevado é necessário haver estratégias de intervenção no cotidiano desses trabalhadores, de modo a prevenir o adoecimento, assim como as investigações sobre o esgotamento de profissionais de saúde decorrentes do trabalho merece novas investigações.

Lautert e Trindade (2010) também pesquisaram a Síndrome de Burnout em equipes de atenção básica de Santa Maria. A pesquisa contou com 86 participantes que incluía: médico, agentes comunitários de saúde, técnicos em enfermagem, enfermeiro, odontólogo e auxiliar de odontólogo. As autoras apontam que dentre estes 86 sujeitos, 6

foram identificados com a síndrome de burnout propriamente dita: 1 médico; 2 técnicos em enfermagem e 3 agentes comunitários de saúde. As autoras chamam a atenção para a faixa etária dos sujeitos, onde os 6 pertenciam a faixa etária jovem, que ia de 20 a 40 anos. As autoras pontuam que a prevalência de tal síndrome em trabalhadores jovens “é atribuída a pouca experiência, a qual acarreta insegurança e choque com a realidade, quando percebe que o trabalho não realizará suas ansiedades e desejos”. (p. 05).

Recorrendo ao “Manual de procedimentos para os serviços de saúde para as doenças relacionadas ao trabalho”, encontramos um capítulo que trata somente dos Transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho – capítulo 10. (BRASIL, 2001). O manual aponta para características que fazem o sujeito adoecer em virtude da tarefa que executa e do ambiente de trabalho em que está inserido, abrangendo de um modo geral todas as classes de trabalhadores e não só os da saúde, como vem sido discutido até então nesta pesquisa. Porém algumas considerações podem auxiliar a elucidar a compreensão acerca das variáveis que envolvem o adoecer no trabalho.

Sobre o motivos que levam o trabalhador a adoecer, o manual aponta que:

Os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho resultam, não de fatores isolados, mas de contextos de trabalho em interação com o corpo e aparato psíquico dos trabalhadores. As ações implicadas no ato de trabalhar podem atingir o corpo dos trabalhadores, produzindo disfunções e lesões biológicas, mas também reações psíquicas às situações de trabalho patogênicas, além de poderem desencadear processos psicopatológicos especificamente relacionados às condições do trabalho desempenhado pelo trabalhador.(BRASIL, 2001 p. 161).

Em virtude da importância que o trabalho tem na vida das pessoas, já que é por meio deste que as pessoas garantem sua sobrevivência e ocupam assim um papel dentro da sociedade, qualquer ameaça referente a este tende a gerar sofrimento psíquico. Além do papel social, o trabalho também exerce uma função afetiva na vida das pessoas, podendo ser também uma fonte de prazer, bem-estar e saúde. (BRASIL, 2001).

Apesar de os benefícios gerados pelo trabalho, este também pode se tornar aversivo para a saúde do trabalhador, sendo um fator desencadeante de sofrimento. O trabalho pode se tornar aversivo para o trabalhador, causando sofrimento psíquico, quando ocorrem mudanças repentinas na rotina do trabalho, tais como: acidentes de trabalho, mudanças na posição hierárquica, dificuldades no processo de comunicação dentro do ambiente de trabalho, jornadas de trabalho longas e com pouca pausa, ritmos intensos, entre outros. (BRASIL, 2001).

O manual traz ainda algumas psicopatologias referentes ao trabalho e destaca a sindrome de bournout. Como características de tal síndrome, o manual aponta para “a exaustão emocional, despersonalização e autodepreciação. Esta síndrome está correlacionada diretamente a profissões que exigem cuidados e assistências a pessoas, principalmente em situações criticas, onde há um grande investimento afetivo e pessoal por parte do profissional. (BRASIL, 2001). Desta forma podemos dizer que a enfermagem é uma das profissões sujeitas ao acometimento de tal síndrome, visto que esta lida diretamente com o cuidado do outro, havendo assim um investimento afetivo por parte do profissional.

O manual não chega a classificar os tipos de profissões que mais sofrem por lidarem diretamente com os problemas humanos. Contudo retornando a saúde mental do trabalhador de saúde mental, tema desta pesquisa, Alves (2005) contribui com o que foi exposto pelo manual, enfatizando o profissional da saúde mental, dizendo que:

O profissional de saúde, mais especificamente no campo da saúde mental, carrega implícito em seu papel a responsabilidade de promover o bem-estar do paciente, mantendo a calma, controle e coerência em suas ações. Tais fatores levam-no a defrontar-se o tempo todo com a polaridade: expectativa versus limitação, Além de favorecer um intenso gasto de energia, na busca pela manutenção de estereótipos e representações, reforçando a imagem de uma espécie de semideus, forte e imune. (ALVES, 2005 p. 60).

Com relação ao sofrimento e psicopatologias relacionadas ao trabalho, Ramminger (2005) ressalta que é sempre uma tarefa muito difícil estabelecer vínculo entre o adoecer do trabalhador com seu local de trabalho, já que, quase sempre, se considera o processo de adoecer individual. Neste sentido, a autora, citando Tittoni (1997), descreve dois pólos que demarcam a relação entre saúde mental e trabalho. Um deles classifica o adoecimento psíquico do trabalhador como reflexos do próprio indivíduo, sendo o trabalho apenas um desencadeador de algo que o sujeito já possuía; o outro aponta o trabalho como um fator constitutivo de doença e saúde mental.

Em relação ao trabalho, Silva e Menezes (2008) apontam que os profissionais de saúde estão entre os mais afetados por transtornos mentais comuns. Em pesquisa realizada pelos autores com agentes comunitários de saúde, a fim de identificar burnout esses trabalhadores, os autores descobriram que 70,9% dos participantes apresentaram exaustão emocional, 34% despersonalização e 47, 5% apresentaram decepção relacionadas ao trabalho. Dentro destes participantes, 24, 1% apresentaram efetivamente a síndrome do esgotamento profissional ou síndrome de bournaut.

A síndrome de burnout, descrita por Freudenberger em 1980, que também é conhecida no Brasil como síndrome do esgotamento profissional. (RAMMINGER, 2005). É uma doença gerada pelo alto nível de estresse produzido pelo trabalho, acometendo principalmente profissionais de alto rendimento, alta responsabilidade e competitividade. (BITTENCOURT, 2011). Dentre várias profissões, o autor aponta para os profissionais da área da saúde por ser uma categoria de cuidado a vida do outro, gerando assim uma grande responsabilidade por parte do profissional com o paciente.

Sobre os profissionais da saúde, Hanzelmann e Passos (2010) caracterizam o ambiente de trabalho da enfermagem como desencadeador de estresse. As autoras apontam ainda que o contato direto com pessoas lesionadas e doentes exige dos profissionais de saúde uma adaptação e estratégias defensivas para o desempenho das tarefas, e quando essas estratégias defensivas não são bem adaptadas, isso pode influenciar na saúde física e mental dos trabalhadores, gerando sofrimento.

O sofrimento do individuo traz consequências sobre seu estado de saúde e igualmente sobre seu desempenho, pois passam a exigir alterações e/ou disfunções pessoais e organizacionais, com repercussões econômicas e sociais. Ou seja, influencia diretamente sobre o modo de produzir do trabalhador, o que pode ocasionar o chamado distresse, fase negativa do estresse, que causa uma desregulação do organismo, propiciando o aparecimento de fadiga, irritabilidade, falta de concentração, depressão, pessimismo, incomunicabilidade, baixa produtividade e falta de criatividade. (HANZELMANN e PASSOS, 2010 p. 07).

Sobre estratégias defensivas, Dejours (1999) afirma que o sofrimento do trabalhador surge quando este não encontra mais chances de negociação com a organização de trabalho, sendo a doença o resultado desta luta. Desta forma, as estratégias defensivas podem ser úteis quando possibilitam que o trabalhador suporte a angústia e continue trabalhando. Porém, essas estratégias possuem uma via de mão dupla, pois, da mesma forma que podem atenuar o sofrimento, podem também fazer com que os trabalhadores deixem de sentir o sofrimento, podendo chegar a um outro ponto que é a alienação.

Desta forma consideramos relevante a compreensão sobre estratégias defensivas como define Dejours. Será que esse tipo de estratégia são utilizadas pelos trabalhadores de enfermagem? Podemos dizer que estratégias defensivas, estratégias de enfrentamento e mecanismos de defesa são sinônimos? Como estas estratégias são utilizadas pelos trabalhadores de enfermagem? Para obter essas respostas exploraremos o tema no subcapítulo a seguir.

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