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Os saberes do professor-formador: quais são, de onde vêm e como são construídos

CAPÍTULO 2 A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE DOCENTE INCLUSIVA NO

2.3 Os saberes do professor-formador: quais são, de onde vêm e como são construídos

professor, quais seus saberes, de onde esses saberes nascem e outras questões pertinentes à constituição da profissionalização do professor e de um possível repertório que estes devem possuir. Entretanto, para a nossa discussão destacaremos as abordagens que mais se aproximam de nossa concepção de saberes docentes, no intuito de compreendermos como a

identidade do aluno docente é construída no contexto de interação com os saberes docentes do professor-formador.

Na concepção de Gauthier (1998), o trabalho do professor é o de um profissional que, “munido de saberes e confrontado a uma situação complexa que resiste a simples aplicação dos saberes para resolver a situação deve deliberar, julgar e decidir com relação à ação a ser adotada, ao gesto a ser feito ou à palavra a ser pronunciada antes, durante e após o ato pedagógico” (p. 331). O autor compreende o saber como o resultado de uma produção social, sujeito às revisões e às reavaliações, e validado de acordo com a natureza da relação do sujeito com a sua realidade. Porém, não se reduz ao sujeito, mas é fruto de uma interação entre sujeitos, de uma interação lingüística inserida num contexto e que terá valor, na medida em que permite manter em aberto o processo de reflexão e questionamento. Nessa concepção, os saberes docentes são construídos e aplicados na prática docente mediante condições históricas e sociais do exercício da profissão, assim como resultam da experiência vivida e das influências culturais do professor.

A abordagem teórica adotada por Tardif (2005) considera que o saber do professor é um saber social que pode ser adquirido no contexto de uma socialização profissional; isto significa que as relações dos professores com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas, mas são mediadas pelo trabalho, portanto, afirma que

[...] o saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de sua carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua “consciência prática” (p. 14).

Aponta também para o fato de que o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve no próprio exercício do trabalho conhecimentos e um saber- fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e provavelmente de natureza

diferentes. Sua prática integra diferentes saberes, denominados pelo autor de saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes da experiência. O autor esclarece ainda que a relação dos docentes com esses saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos, mas, para ele ensinar, precisa mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e para o trabalho. Ele descreve esses saberes da seguinte forma:

Os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica) são definidos como o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades de ciências da educação), pois é no decorrer de sua formação que os professores entram em contato com as ciências da educação. Os saberes pedagógicos articulam-se com as ciências da educação, apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa, reflexões que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representações e de orientação da atividade educativa.

Os saberes disciplinares (por exemplo, matemática, história, literatura, etc.) integram- se à prática docente através da formação (inicial e contínua) dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pelas universidades. São saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento e emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.

Os saberes curriculares correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados. Apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares que os professores devem aprender a aplicar.

Os saberes experenciais são saberes práticos (e não da prática) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua

profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Algumas das principais características desse saber são: é um saber ligado às funções dos professores; é um saber interativo, mobilizado e modelado no âmbito das interações entre o professor e os outros atores educativos; é um saber sincrético e plural que repousa sobre vários conhecimentos; é um saber heterogêneo, adquirido a partir de fontes diversas, em lugares variados, em momentos diferentes (história de vida, carreira, experiência de trabalho); é um saber existencial, pois está ligado à história de vida do professor; é um saber temporal, evolutivo e dinâmico que se transforma e se constrói no âmbito de uma carreira; é um saber social e construído pelo ator em interação com diversas fontes sociais de conhecimentos.

Tardif (2005) apresenta um quadro onde se propõe identificar e classificar os saberes dos professores, destacando as fontes sociais de aquisição e os modos de integração no trabalho docente:

Tabela n. 01 - Os saberes dos professores

Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no trabalho docente

Saberes pessoais dos professores

A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato, etc.

Pela história de vida e pela socialização primária

Saberes provenientes da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós- secundários não

especializados, etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios e fichas, etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional.

Fonte: TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2005. p.63.

O que se percebe a partir do quadro apresentado, segundo Tardif (2005), é que os diversos saberes dos professores estão longe de serem todos produzidos diretamente por eles, que vários deles são de certa forma exteriores ao ofício de ensinar, pois provêm de lugares sociais anteriores à carreira propriamente dita, podendo ser provenientes da família do professor, da escola que o formou e de sua experiência cultural; outros procedem das universidades; outros são oriundos das instituições ou dos estabelecimentos de ensino; outros provêm dos pares, dos cursos de reciclagem, etc. Dessa forma, o autor evidencia que “(...) o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc” (p. 64).

Compreendendo a docência como qualquer trabalho humano, Tardif e Lessard (2005) esclarecem que ela pode ser analisada inicialmente como uma atividade, tendo em vista que trabalhar é agir num determinado contexto em função de um objetivo, atuando sobre um material qualquer para transformá-lo através do uso de utensílios e técnicas. Nesse sentido, afirmam que como todos os trabalhos na sociedade atual, a docência se desenvolve num espaço já organizado, visa objetivos particulares e põe em ação conhecimentos e tecnologias de trabalho próprias, ela se encaminha a um objeto de trabalho que produz conseqüências para os trabalhadores, portanto, se realiza segundo um certo processo do qual provêm determinados resultados. Segundo eles, a própria natureza do “objeto humano” modifica profundamente a natureza do trabalho e a atividade humana do trabalhador, tendo em vista que “ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos” (p. 31).

Segundo Freire (1996), no ato de ensinar e ser educador há saberes necessários contidos na especificidade humana da atuação educativa. Assim, a prática docente está permeada por diversos saberes oriundos das relações construídas em seu próprio ofício de

ensinar e aprender, o que está continuamente se transformando na reflexão crítica sobre a sua prática. O autor afirma que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p. 25), caracterizando a dimensão interativa da docência, que requer do professor a compreensão da prática pedagógica como um processo dialógico, mediatizador. Freire (1996) afirma a concepção de educador crítico, considerando os professores como criadores, investigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes, cabendo-lhe a função de “não apenas ensinar os conteúdos, mas ensinar a pensar certo” (p. 29).

A especificidade do trabalho docente é anunciada por Codo (1999) quando ele afirma ser necessário considerar que o saber e o saber fazer estão nas mãos do professor e se constituem na condição principal de sua atividade de trabalho. Isso nos leva a considerar que o professor-formador mobiliza saberes, provenientes de diversas fontes e que tem uma relação direta com a transformação do seu objeto de trabalho, o aluno. Coloca-se, portanto, os saberes docentes desse professor como eixo central na discussão sobre a construção da identidade do aluno-docente, tendo em vista que os saberes mobilizados pelos mesmos poderá contribuir para a construção de uma identidade inclusiva ou excludente.

Entretanto, é inquestionável que esses saberes mobilizados pelo professor-formador apresentam múltiplos significados conforme as concepções que o mesmo tem de educação, de homem e de mundo. Assim, se queremos saber que tipo de identidade tem sido construída nos cursos de formação através dos saberes docentes do professor-formador, é importante antes de tudo compreender como se constrói uma identidade inclusiva, ou seja, que saberes poderiam garantir a formação dessa identidade.