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2 A EXPERIÊNCIA FEMININA NO RECOLHIMENTO DO MARANHÃO

2.4 Sociabilidade (des)construída: limites e possibilidades

2.4.4 Sair do Recolhimento

A vivência no interior do Recolhimento era interrompida e a sociabilidade era

80Arquivo da Arquidiocese de São Luís. Autos de ereção de cemitério (1813-1877). Cx. 195, doc. 6323, 1831. 81Emanação fétida oriunda de animais ou plantas em decomposição (FERREIRA, 2004, p. 497).

alterada quando uma recolhida fazia um pedido de saída temporária ou permanente ao Bispo e recebia uma decisão favorável.

O argumento mais usado foi sempre a doença, justificativa recorrente na maioria das petições de licença encontradas nas documentações do Recolhimento de N. Sra. da Anunciação e Remédios no período em estudo. Foi quase sempre um argumento infalível para a recolhida se ver livre da reclusão.

Para as recolhidas mantidas pela Casa ou pelos cofres do Governo Provincial (pensionistas da Província ou educandas do Asilo de Santa Tereza, que foram transferidas para o Recolhimento em 1870), a saída exigia certas comprovações ou justificativas. Em caso de doença, a recolhida ou seu responsável legal deveriam enviar para o Bispo o pedido de licença esclarecendo a situação, o tempo que julgava necessário à recuperação, em companhia de quem iria ficar durante esse tempo, além de outras informações que julgassem necessárias ao deferimento do pedido, por exemplo, um laudo médico. Ciente do pedido, o Bispo requeria um parecer à regente sobre a gravidade da doença e o estado de saúde da referida requerente. Na maioria das vezes ele seguia as recomendações da regente, já que esta conhecia a situação de saúde de todas as recolhidas, o que a tornava apta a confirmar ou negar o conteúdo do pedido de licença.

Em 1874, a regente Francisca Romana de Siqueira ao se referir a um pedido de licença assim se manifestou: “Em cumprimento ao respeitável despacho de Vª Exª Rmª exarado na petição de Dona Maria Garcia, educanda alimentada pelo Recolhimento [...] tenho a honra de informar que sendo reais os sofrimentos da suplicante me parece no caso de ser atendida”. Mas, em outra semelhante oportunidade esclarece que “a educanda do Asilo Rosa Catarina de Sá não se acha doente como diz a petição” 82.

Nos casos de doença a saída era temporária e mesmo que fosse prorrogada por mais seis meses, como foi o caso de dona Mariana Azevedo do Sacramento83, irmã de véu do Recolhimento, tinha que haver a previsão da data de retorno. Nesse contexto, cabe-nos citar o ocorrido com Teresa dos Anjos de Araujo Porciúncula que saiu da Instituição para tratar da saúde em companhia de sua família no interior da Província e não mais retornou. A regente foi informada por José Olímpio de Morais, morador na vila de São Bento, que pretendia casar-se com a citada recolhida, motivo pelo qual ela não mais retornaria ao

82 Correspondências do Recolhimento de N. Sra. da Anunciação e Remédios enviadas ao Bispo (1869-1872). Cx.

216, doc. 201 e 190, 1874, 1º pacote.

83 Correspondências recebidas pelo Bispo da Diocese do Maranhão enviada do Recolhimento de N. Sra. da

Estabelecimento84.

A saída da Instituição pelas recolhidas que pagavam pensão (pensionistas particulares) era mais fácil. Era necessário apenas que seu tutor legal encaminhasse um pedido formal, por escrito, ao Bispo. Este, por sua vez, encaminhava o requerimento à regente para que esta emitisse o parecer e informasse se as pensões e outras despesas estavam devidamente pagas. Não se fazia necessário que houvesse um motivo específico para a solicitação e, sendo satisfatória a resposta da regente, o Bispo determinava a entrega da recolhida a quem de direito. Também poderia ocorrer a entrega espontânea da recolhida, desde que esta estivesse em débito com a Instituição, como ocorreu com Selina Amâncio Viana que foi entregue a sua mãe, depois de passar dez meses no Recolhimento, porque seu pai deixou pago apenas 120$000 réis de mesada que satisfazia a pensão mensal de12$000 réis85.

No caso das educandas do Asilo Santa Tereza, a saída acontecia em três situações: durante as férias86, quando casavam87, ou completavam 17 anos, idade prevista no Estatuto do asilo para a entrega destas aos seus responsáveis legais.

Entretanto, muitas asiladas permaneceram no Estabelecimento por tempo indeterminado, ou por não terem conseguido pretendente, ou porque os familiares por elas não se interessaram ou ainda por morte de seus protetores. Foi o caso de Rita Joaquina Tavares que, com o falecimento de José Manoel Barbosa, provedor de uma pensão de dez mil réis para que permanecesse na Instituição, ficou desamparada tendo em vista que tinha apenas duas tias que também viviam no Recolhimento e eram por aquela Casa sustentadas88.

O retorno ao mundo secular, por qualquer motivo e mesmo que de forma temporária, significava a possibilidade de retomar a vida normal, reconstruir as relações anteriormente vividas ou até ampliá-las, considerando que dentro do Recolhimento as internas aprendiam a ler e escrever, fato que, à época, significava um privilégio e um elemento de diferenciação social. Por outro lado, como demonstramos, mesmo que houvesse frequentes

84 Id. ibid. 85

Arquivo da Arquidiocese do Maranhão. Relação de papéis avulsos: Requerimentos diversos (1799-1895). Cx. 212, doc. 21, 1877.

86 Pelo que podemos observar na documentação analisada, as internas do Asilo estavam no Recolhimento na

condição de educandas. Assim, durante as férias eram frequentes os pedidos de licença feitos pelos responsáveis legais dessas mulheres, para que estas passassem um ou dois meses em sua companhia. Findo esse período, retornavam a Instituição.

87 O Governo da Província, quando criou o Asilo Santa Tereza, determinou a doação de dotes visando estimular

o casamento das asiladas. Adiante falaremos com mais profundidade sobre o referido tema.

88 Correspondências recebidas pelo Bispo da Diocese do Maranhão enviada do Recolhimento de N. Sra. da

saídas do Recolhimento, as longas permanências ou as definitivas não deixaram de acontecer, o que nos leva a entender que as reclusas que estiveram nessa condição devem ter buscado meios de ampliar a sociabilidade construída dentro da Instituição. Todavia, como a documentação a que tivemos acesso é de caráter administrativo, muito das experiências vividas pelas mulheres maranhenses neste espaço de reclusão não foi possível ser rastreado.

CAPÍTULO III