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Salete Maria da Silva e a transgressão da ordem pré-estabelecida

3 UM PASSO À FRENTE: O UNIVERSO FEMININO NO TEXTO CORDELÍSTICO TRADICIONAL

4 TRAVESSIA E BUSCA DO EQUILÍBRIO: TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS DO CORDEL EM SUA RELAÇÃO COM A MULHER

4.2 Salete Maria da Silva e a transgressão da ordem pré-estabelecida

Trabalhos como os de jovens cordelistas que serão apresentadas a posteriori neste trabalho e de outras autoras iniciantes desenvolvem-se na esteira de iniciativas pioneiras como a de Salete Maria da Silva, membro-fundadora da Sociedade dos Cordelistas Mauditos.

Salete tem seu trabalho publicado prioritariamente em formato eletrônico, no site Cordelirando (http://cordelirando.blogspot.com). A autora mostra, através de sua iniciativa, uma noção bastante importante para esta tese: a ideia de que o texto de cordel é livre, não necessita de suportes físicos para assim se caracterizar. O texto poético sobrepuja o que há de material nesse processo, ultrapassa tudo desde que possua qualidade. Os purismos quanto à forma não podem ultrapassar a importância do conteúdo, especialmente quando nos referimos a assuntos marginais e periféricos. A discussão sobre se o texto cordelístico deveria ficar restrita ao suporte do folheto nos parece, em grande medida, ultrapassada, visto que

Com a multiplicação de formatos e conteúdos de comunicação digital, os grupos marginalizados dos processos hegemônicos vislumbraram possibilidades de posicionamento e divulgação de sua produção. Muitas manifestações populares — antigas ou recentes – se reestruturam para se adequar às novas linguagens. Um contexto globalizado de informações rápidas e em grande quantidade exige uma inserção ampla e geral de todos. (....)

A comunicação digital amplia as possibilidades de comunicação com “o” mundo, propõe conexões planetárias e aproximações de universos culturais dantes inimagináveis. Uma realidade virtual paralela que relaciona as culturas vividas com a cibercultura. Propõe uma relação diferenciada com o consumidor e com os produtores de conteúdos. (SCHIMIDT, 2015, p. 56-57)

Desse modo, parece ser inevitável deter o avanço da tecnologia sobre os meios de produção cultural, observando-se que os benefícios se mostram muito maiores que os problemas advindos de uma suposta perda de identidade cultural, o

que não se afigura pertinente. Textos de cordel também são publicados em livros, nem por isso deixam de pertencerem ao gênero. É relevante que mais pessoas tenham acesso à literatura de cordel, estando ela em qual suporte for mais acessível, desde folhetos, livros impressos, e-books, ou sites da Internet.

Segundo a própria Salete, em entrevista concedida a esta pesquisa17, seu

blog foi criado e alimentado por sua companheira, Sammyra Santana, de Juazeiro do Norte. Esta teve a ideia de criação do site diante do fato de que muitas pessoas pediam um folheto para uma pesquisa e acontecia de não haver mais nenhum disponível, já que ela costumava doar todos que estivessem em seu poder:

Houve tempo de eu não ter mais nem um exemplar, como agora por exemplo, de muitos folhetos meus. Mas após Sammyra criar o blog, o Cordelirando, todo mundo pode ir visitar lá, open access, sem frescura. [...] O meio digital ajuda muito, socializa, democratiza o acesso a tudo e com o folheto não é diferente. Penso que o ambiente virtual acolhe bem todas as manifestações artísticas e culturais. Este diálogo com a tal “modernidade” é importante, afinal, poetas sempre se apresentaram nos salões, no rádio e na tv, quando tinham oportunidade, então, com o advento da internet é só mais um espaço, de longo alcance por sinal. O blog Cordelirando é muito visitado, sabia?. E eu fico contente que muitas pesquisadoras, ativistas e amantes da literatura de cordel possam conhecer nosso trabalho, possam fazer uso dele. [...] o cordel precisa circular nesta plataforma, sim, ainda mais os meus, que eu peço para ser colocado na íntegra porque faz parte de uma política de disseminação de ideias emancipacionistas. Quero que eles cheguem o mais longe possível, que viajem, que seus conteúdos sejam objeto de reflexão, de intervenção social...e assim tem sido. Santa internet, fez o milagre da multiplicação dos meus cordéis! (SILVA. Entrevista concedida em 2019, grifo nosso).

O trecho em destaque na fala da cordelista reforça o viés positivo que deve ser destacado na utilização da tecnologia conjugada à literatura. Por muitos, vista como inimiga que viria a desvirtuar os padrões já estabelecidos quer fossem dos livros, ou da própria estrutura dos folhetos de cordel, gerando, por consequência, a própria destruição desses suportes em sua forma inicial, torna-se óbvio que não há como detê-la em tempos pós-modernos. É mais conveniente (e realista), portanto, entender que as novas tecnologias aparecem como aliadas, oferecendo

uma importante ferramenta para o estudo da literatura e para a análise dos estudos literários em si, como é o caso, por exemplo, da existência de sítios ou páginas web de autores, de movimentos de criação literária, de teoria e

17 A entrevista completa, realizada através da troca de e-mails com a cordelista durante o período de

crítica literária e de literatura comparada. Tudo isto obriga à reflexão, partindo de pressupostos digitais, sobre a produção literária, sobre a recepção midiática e multimedial, sobre a leitura e a interpretação literária, sobre os direitos de autor, sobre as novas formas de edição, sobre a renovação da empresa editorial, sobre as novas configurações da obra literária, sobre o acesso à literatura, sobre a função social da literatura na sociedade, etc. (SILVA, 2011, on-line).

O que se afigura, assim, é uma reflexão mais complexa sobre as transformações no universo da leitura que as novas possibilidades de publicação abrigam, que não se restringem somente aos sites. O advento de aparelhos de leitura digitais (e-readers), não só dos livros digitais (e-books) vem transformando a relação das pessoas com o ato de ler. Se antes esses textos precisavam ser lidos em dispositivos que, mesmo podendo ser móveis, como tablets e notebooks, causavam uma série de desconfortos no ato da leitura, como cansaço visual e dificuldade de visualização por conta do excesso de luz, ou mesmo problemas de ordem prática, como baterias descarregadas com facilidade ou o desconforto de carregar um peso maior que o desejado, o advento dos aparelhos de leitura digital trouxe uma solução para quase todas as dificuldades apresentadas antes (óbvio, a ausência do cheirinho de livro novo é algo que ainda incomoda os amantes de livros: quem sabe, um dia, a tecnologia possa resolver essa questão!).

Com um aparelho para leitura digital moderno, é possível ter em mãos um dispositivo extremamente fino e leve, com uma tela antirreflexiva (que não gera incômodo à visão, mesmo em ambientes com muita claridade), uma bateria que chega a durar meses sem necessidade de ser recarregada, luz interna para permitir uma confortável leitura mesmo em um ambiente escuro e até mesmo a capacidade de ser à prova d’água. Além de todas essas vantagens, permite o armazenamento de centenas de textos em sua memória interna, e a compra desse material através de sites rápidos e descomplicados, que descarregam o livro desejado (mesmo que não esteja disponível na localidade em que a pessoa mora) em questão de segundos. Vantagens como a última mencionada, sem dúvidas, facilitam o acesso de pessoas que estejam fora dos centros difusores de publicações a terem oportunidade de contato com obras que, de outra forma, seriam algo muito difícil de conseguir.

Olhando sob a ótica do autor, esse tipo de inovação também desenvolve uma nova relação com sua produção e o modo como se relaciona com seus leitores. É possível divulgar sua obra, ofertar seu material pelo preço que desejar (até mesmo

de graça!), realizando um interessante furo à engessada estrutura do mercado editorial, que pode complicar bastante as intenções do aspirante a escritor especialmente no caso brasileiro. Sendo assim, percebe-se que não é possível “negar as alterações culturais sob a ação da tecnologia. Mas também é inegável que o avanço tecnológico ocorre impelido pelas necessidades de adaptabilidade sociais aos novos quadros de sobrevivência.” (SCHIMIDT, 2015, p. 41). Em uma simples pesquisa ao site Amazon utilizando o verbete “cordel”, foi possível encontrar dezessete páginas de artigos à venda, distribuídos entre textos teóricos sobre o tema e vários folhetos disponíveis apenas em formato digital. São os novos tempos preconizados por Bauman (2012, p. 45), quando este afirma que a “marca da modernidade é a ampliação do volume e do alcance da mobilidade”.

As transformações parecem ser algo inexorável, entretanto, para instituições oficiais, esse reconhecimento ainda segue em ritmo mais lento: como exemplo disso, temos que nenhuma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) rege especificamente como fazer referências de livros digitais publicados especialmente nesse formato (e não simplesmente digitalizados), observando-se que, quando há a necessidade de se mencionar a página de onde foi retirada alguma citação, não há como fazê-lo nesse tipo de formato, que não fornece o número de páginas, mas o que denomina como “posições”. Duas sugestões são apresentadas: adaptação de outra regra ao caso em questão, ou a leitura de um livro em meio físico para que se encontre a página que se pretende mencionar (algo que nos parece completamente fora de questão quando pensamos que o meio eletrônico propicia justamente o deslocamento dos suportes).

Mencionamos que o mercado editorial é “engessado” no Brasil. Se isso ocorre quanto à publicação de livros, podemos ter uma noção do que ocorre quanto ao universo cordelístico. Desde muito tempo, os folhetos eram prioritariamente vendidos através principalmente do esforço do autor do folheto ou da figura do seu editor-proprietário. A situação não se apresenta muito diferente na contemporaneidade, com poucas editoras atuando nesse mercado hoje, tais como a Tupynanquim (com sede no Ceará) e a Luzeiro (com sede em São Paulo). Daí, mais uma vez, a relevância das novas tecnologias para essa realidade.

Ao avaliar esse mercado, Salete Maria da Silva afirma nunca ter sido convidada para publicar nada por nenhuma editora, exceto a Tupynanquim — cujo

trabalho diz admirar —, quando ela ainda morava em Juazeiro do Norte, mas nunca chegou a publicar. Sobre o assunto, complementa a autora:

Meus folhetos eu mesma custeio. E ultimamente quase não tenho publicado impresso, embora eu ame muito o folheto em papel, para levar no bolso, na bolsa, para ler e para ter em casa. Quando eu publicava um folheto por mês eu o fazia em uma gráfica que começou como uma empresa de fundo de quintal, lá em Juazeiro do Norte, a gráfica Líderes, de seu Cícero, que até fiado já fez cordel pra mim. Sou muito agradecida. Já publiquei folheto pela Gráfica Lira Nordestina também, sob os cuidados de Zé Lourenço. Mas esse tal de mercado editorial mesmo, eu não sei como funciona. E olhe que mesmo com tanta gente pesquisando minha obra, nunca uma grande editora me contactou para propor uma antologia ou para algum evento ou lançamento, estas coisas de mercado editorial. Tem tantos folhetos que já perdi foi a conta. E o único trabalho em formato de livro que reúne alguns folhetos meus, foi de iniciativa de uma professora aposentada da UFBA, Joaquina Leite, que selecionou alguns textos meus, digo, folhetos, e lá os lançou numa coletânea chamada “Outras rimas, outras pessoas: cordéis sobre os invisíveis”, publicado em 2012, na Bahia. Outra iniciativa linda de viver foi um kit contendo cinco folhetos meus dentro de uma bolsinha bordada com fuxico e contendo um cd com minha obra, além de um texto da organizadora. Esta foi uma iniciativa da pesquisadora Gal Meirelles, que os publicou, após a cantora Socorro Lira musicar o folheto da beata. Foi um produto maravilhoso, com apoio do Ministério da Cultura, de um edital que vencemos, o edital Patativa do Assaré. O lançamento deste material se deu no teatro dos Correios em Salvador. Pronto foi só isso mesmo. No mais, meus folhetos tem sido publicados no blog. Mas eu adoraria poder ter uma antologia com todos ou ao menos com os mais representativos folhetos meus, algo com uma encadernação bem luxuosa, para colecionadora nenhuma botar defeito, hehehehe. Pensei em fazer isto este ano, pois completei 25 anos de cordelírio feminista e libertário em março, mas não rolou. Faltou grana. Enfim, o mercado editorial de cordel no Brasil não é um conhecido meu. Uma vez eu vi que a editora Hedra, ou Hesdras, não sei direito o nome, fez uma coletânea com vários autores de cordéis, e com pesquisadores renomados comentando folhetos destes poetas. Só tinha homens autores de cordel, para variar, né? (SILVA. Entrevista concedida em 2019).

Podemos destacar alguns pontos, em especial, na fala da cordelista a respeito da questão sobre a convivência entre a publicação em meio físico e meio digital, assim como quanto ao mercado editorial de em geral: a primeira delas se refere ao fato de um sentimento comum entre escritores/leitores de que o digital não consegue substituir o objeto físico — sua fala relatando o quanto ama o folheto em papel, para ler, para ter; ou como adoraria poder ter uma antologia com alguns de seus folhetos mais representativos em uma “encadernação bem luxuosa, para colecionadora nenhuma botar defeito” reforçam o valor do que pode ser tocado, sentido. Isso nos leva à consideração de que a praticidade da tecnologia ainda não consegue (e talvez nunca consiga) substituir a afetividade presente no apelo tátil que um livro ou um folheto de cordel provoca. A outra observação se refere à

consciência que a cordelista tem a respeito do próprio valor, quando observa que, mesmo sendo bastante pesquisada, nunca foi procurada pelas editoras para propor uma antologia, por exemplo. Em reforço a isso, a observação sobre a coletânea da Editora Hedra com vários autores de cordel, sendo todos eles homens, é algo que reforça o isolamento das mulheres cordelistas.

Algumas outras iniciativas no sentido de utilizar a Internet como meio de propagação do cordel através de uma perspectiva em que a mulher seja priorizada, podem ser destacadas, como veremos mais à frente ao analisar o inovador caso da publicação da trilogia de folhetos da autora Bia Lopes. Neste momento, apresentamos também o site Cordel de Saia18, que se define, já em sua página

inicial como

um blog direcionado à cultura popular, onde a mulher terá vez, mas não será um espaço estritamente feminino. Aqui receberemos democraticamente, homens e mulheres amantes e praticantes deste contagiante mundo encantado da Literatura de cordel. O blog tem também a função de divulgar eventos relacionados ao mundo do cordel. (CORDEL DE SAIA, [201-], on-line).

Encabeçada por Rosário Pinto e Dalinha Catunda, a página mantém-se atualizada com a divulgação de notícias relevantes ao mundo do cordel. Ciente da importância das novas ferramentas tecnológicas para a divulgação do texto cordelístico, a poetisa Dalinha verseja em seu próprio blog “Cantinho da Dalinha”19:

Escutei cordel em feiras E rodas de cantoria. Em encontros com poeta Onde reinava alegria. Agora mais abrangente Continua imponente Disseminando magia A internet chegando, Vestiu de asas o cordel, Que voou pra todo canto, Como um alado corcel, Com toda desenvoltura, Aproveitou a abertura Para firmar seu papel. Um dia virou folheto O que era apenas oral. Chegou à televisão, A revista, ao jornal.

18 http://cordeldesaia.blogspot.com/

E na internet brilha Seguindo a nova trilha Neste mundo virtual. Na internet impera, A real democracia, Lê-se o contemporâneo, E o antigo se aprecia Com a multiplicidade O cordel vira verdade Que na rede contagia. [...]

A internet chegou Para o cordel socorrer E zombar de quem dizia Que o cordel ia morrer. Acompanhando o progresso Um cordel sem retrocesso

É o que de fato se ver. (CATUNDA, 2011, on-line).

Nesse texto, intitulado Cordel no embalo das redes, pode-se perceber a preocupação da poetisa em assinalar a evolução de alguns dos suportes através dos quais o cordel tem se apresentado: a oralidade, o folheto, o jornal, a revista, a televisão e, agora, a Internet, sendo esta apontada como quem gera a multiplicidade dos textos, assim como Salete Maria havia indicado — a responsável pela multiplicação dos seus folhetos. Essa diversidade, que não se restringe apenas ao alcance dos textos, revela também a possibilidade da inserção de diversas temáticas e de variadas autorias. Assim, a cordelista concede, a esse suporte, o elevado papel de socorro do cordel, um gênero que poderia estar destinado à morte, embora seja possível fazer a ressalva de que as iniciativas para sua revitalização e permanências não se encontram centradas apenas nesse universo.

Os três últimos versos do texto reforçam a ideia de que o cordel, hoje, acompanha as evoluções da sociedade. Através da antítese progresso X retrocesso, fica clara a intenção de se apontar essa passagem como algo positivo, a despeito do que possam achar alguns entusiastas no purismo quanto ao gênero, os quais podem encarar o espaço do cordel como algo instituído dentro de formatações e temáticas tidas como “populares”. O raciocínio desenvolvido nos versos de Dalinha corroboram, portanto, o posicionamento exposto nesta tese: de observar que, independente dos meios em que se apresente, a poesia do cordel se reinventa, atravessa para chegar ao outro lado, que não é oposto, mas outra face da mesma

moeda. Esse caminho pode ser percorrido quantas vezes o instinto poético assim o quiser. Não se consegue manter a arte em uma redoma.

Por isso mesmo, e partindo desse princípio, destacam-se os versos de Dalinha no folheto As herdeiras de Maria, em que faz referência a Maria das Neves Pimentel, a pioneira apresentada na seção anterior para prosseguir apresentando o que ocorre no cenário atual das cordelistas.

Quando a mulher resolveu Escrever o seu cordel, Ainda meio acanhada... Não quis botar no papel, Seu santo nome de pia, Porém foi uma Maria, A primeira do painel. Era Altino Alagoano Que assinava a autoria. A do primeiro folheto, Que a mulher se atrevia A escrever sem assinar Para o marido alcunhar

Com nome de Fantasia. (CATUNDA, 2017, on-line).

A apresentação de Maria das Neves e sua jornada para a publicação de cordéis é logo seguida da alusão ao processo de empoderamento das mulheres no cordel: de apenas musas para autoras:

Já cansada de engolir, O que tinha na garganta, Cansada de ser a musa, Às vezes puta ou santa, Cansada de ser podada, Encara nova jornada,

Assume seu verso e canta. (CATUNDA, 2017, on-line).

Os versos apontam para uma transformação da qual a poética de Salete Maria da Silva é exemplo. Apresentamos, na primeira seção desta análise, uma análise do cordel O que é ser mulher?, de sua autoria, ao tratar de questões identitárias. Trazemos, neste momento, a apresentação de outros textos relevantes da autora quanto ao debate sobre a condição feminina. O primeiro deles, Mulher também faz cordel (2008) — já mencionado na segunda seção, fazendo referência à evolução das mulheres como cordelistas — aparece aqui na perspectiva da contemporaneidade e representando o elevado número de autoras que vem se destacando nessa prática.

Figura 13 – Capa do folheto Mulher também faz cordel, de Salete Maria da Silva

Fonte: Silva (2008).

A capa do folheto apresentado deixa antever várias mulheres dispostas verticalmente pela imagem, com uma figura de óculos segurando um objeto que pode tanto ser um folheto quanto um livro, enquanto as outras, com as faces sem definição, compõem o quadro. Essas mulheres podem ser outras autoras, assim como também apenas leitoras, e formam um cenário que propicia a reflexão da importante temática da Estética da Recepção, uma teoria que preconiza que uma obra só se concretiza no ato da leitura.

Partindo do princípio que a identidade de gênero é um constructo que possibilita a representação e a caracterização do sujeito dentro da trama social, é possível entender que a modalidade de leitura, realizada pelo sujeito, apresenta diferentes peculiaridades caso seja esse sujeito masculino ou feminino, com reflexos em sua representação e caracterização. (ZINANI, 2012, p. 146).

As mulheres da capa, enquanto também leitoras, representam o principal público-leitor dos cordéis com temáticas feministas, um tipo de texto que, conforme já foi exposto, é um exemplo de prática promotora da sororidade. A essas leitoras, Jonathan Culler, em seu Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós estruturalismo (1997), reserva um tópico na primeira seção da pesquisa, o qual se

intitula “Lendo como Mulher”, na qual destaca as contribuições da Crítica Literária Feminista sobre a recepção do texto literário pelas mulheres. Afirma o autor que a experiência acaba levando as mulheres a “avaliar as obras de forma diferente de seus correlatos masculinos, que podem se fixar em problemas que as mulheres