• Nenhum resultado encontrado

SEGURANÇA JURÍDICA É VITAL

No documento Em busca de mar calmo (páginas 88-93)

Além de avançar na política integrada de investimentos para a cadeia de atividades que integram a área de logística e transportes, o Governo Federal precisa definir instrumentos legais estáveis para garantir à iniciativa privada a formulação de planos de desenvolvimento de longo prazo.

Nada é mais importante na relação entre o Estado e a iniciativa privada do que a segurança jurídica.

A instabilidade no processo legal, verificada ao longo das últimas décadas, no segmento portuário vem gerando conflitos constantes entre concedente e concessionários. Estes contratempos atrasam o avanço econômico e prejudicam as relações entre produtores e consumidores nos mercados internos e nas relações internacionais do País.

Quando estabeleceu como marco legal a Lei Federal nº 8.630, em 1993, o Governo Federal definiu diretrizes claras para a exploração da atividade portuária e, como se percebe com os indicadores expostos neste estudo conjuntural, obteve avanços expressivos no processo de movi- mentação de cargas para importações e exportações.

Os resultados somente não foram mais promissores face à carência de investimentos na infraestrutura logística aos serviços portuários.

É verdade que os primeiros anos de vigência da Lei Federal nº 8.630 exigiram um processo de adaptação com o mercado, inclusive gerando alguns conflitos normais nas relações entre patrões e empregados, porém, aos poucos, as atividades foram se adequando à realidade e assim começaram a aparecer os resultados favoráveis na evolução da movi- mentação portuária e na redução dos custos de toda a cadeia de serviços.

Era perfeitamente esperado que uma mudança legal com a aplicação em mais de 37 portos brasileiros, entre os quais 18 delegados a Estados e Municípios, provocaria instabilidade administrativa e operacional, inclusive porque naquela ocasião, além das mudanças nas relações de

trabalho, surgiu a figura do Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Entre outras importantes atribuições prevista nesta lei, competia ao CAP funções como: baixar o regulamento de exploração do porto; homologar horário de funcionamento; opinar sobre o orçamento; promo- ver a racionalização e otimização das instalações portuárias; zelar pelo cumprimento das normas de concorrência e homologar tarifas.

Como aquela legislação criou o conceito de porto organizado e estabeleceu critérios para sua definição, surgiu a separação entre as instalações localizadas dentro do perímetro definido como porto organizado e as demais que ficaram de fora desta dimensão.

Os portos organizados são aqueles de caráter público, que podem ser explorados diretamente pela União ou, indiretamente, por intermédio de delegação a Estados, municípios, sociedades de economia mista e também pela própria iniciativa privada, no sistema de concessões.

Já as instalações localizadas fora do chamado porto organizado foram, na época, definidas como Terminais de Uso Privativo, explorados pela iniciativa privada.

A caracterização distinta entre ambas gerou conflitos nos resultados das operações, com reclamações de concorrência desleal, inicialmente partindo dos operadores dos portos organizados, de modo que, em 2008, por intermédio do Decreto nº 6.620, foram fixadas regras limitadoras de operação de cargas pelos terminais de uso privativo, envolvendo a predominância de movimentação de cargas próprias, em relação às cargas de terceiros.

Os instrumentos jurídicos nesta relação entre Estado e a iniciativa privada têm sido muito dinâmicos em reformulação. Logo após a Lei de Modernização dos Portos, surgiu e Lei Federal nº 8.987/95, definindo normas para concessões e permissões, instituindo, assim, um outro balizador que refletiu sobre o processo que se desenhava no âmbito das atividades portuárias.

Poucos anos depois, no entanto, o Governo Federal voltou a alterar a funcionalidade das relações jurídicas neste setor e em atividades correla- tas, então promulga a Lei nº 10.233, em 2001, com o objetivo de reestru- turação dos transportes aquaviário e terrestre.

de Integração de Políticas Transportes (CONIT); pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e pelo Departamento Nacional de Infraestutura de Transportes (DNIT).

Com as atribuições que lhes foram delegadas por lei, a Antaq inicia um novo processo de expedição de normas, editando, em 2002, a Resolução 55, com a finalidade de regulamentar a exploração dos portos públicos na forma de arrendamentos. Depois, em 2005, edita a Resolução 517, desta vez para definir normas de exploração dos Terminais de Uso Privativo.

O amplo elenco de reformulações governamentais é acrescido posteriormente da Lei Federal nº 11.518, de 2007, responsável pela criação da Secretaria Especial de Portos, mais um órgão estatal constituí- do para promover orientações ao desenvolvimento do sistema portuário nacional.

Neste cenário, Antaq e SEP começam a dividir atribuições específicas e correlatas para aplicação de normas à funcionalidade geral dos portos, mas em 2013, com a promulgação da Lei Federal nº 12.815, de 05 de junho de 2013, vários fundamentos jurídicos que estavam em vigor foram revogados, inclusive a Lei Federal nº 8.630/93, instituindo-se uma nova etapa para todos os portos brasileiros, sejam públicos, privativos ou terminais de uso privativo.

O novo marco regulatório, entre vários outros fatores, adota um modelo concentrador de decisões, redefinindo atribuições entre os órgãos que atuam neste setor portuário, assim como põe um fim nas antigas atribuições do Conselho de Autoridade Portuária e também acaba com a diferenciação entre cargas próprias e de terceiros para a exploração dos Terminais de Uso Privativo, que passam a ser denominados de Terminais de Uso Privado.

A Lei 12.815 foi regulamentada pelo Decreto 8.033, de junho de 2013, mas, novamente, este instrumento legal foi alterado pelo Decreto 9.048, de maio de 2017, que estabeleceu normas importantes para o setor portuário, após um longo processo de discussão envolvendo, inclusive, os diversos setores representativos da atividade portuária.

Um grande avanço desta nova regulamentação foi a ampliação do prazo de contratos de concessão e arrendamento de 25 para 35 anos, com a possibilidade de prorrogações por sucessivas vezes, até o limite máxi- mo de 70 anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorroga- ções. Antes, tal prorrogação poderia ocorrer somente uma única vez.

O Decreto 9.048 também detalhou melhor a chamada prorrogação antecipada, prevista na Lei 12.815, de modo a viabilizar a amortização de novos investimentos. Além disso, instituiu a possibilidade de aplicação do limite de 70 anos aos contratos em vigor firmados depois da Lei 8.630, desde que haja a adaptação do contrato de arrendamento à Lei 12.815 e seus regulamentos.

Mesmo sem entrar no mérito específico de cada uma das normas legais editadas no contexto da atividade portuária ao longo destes últimos 25 anos da promulgação da Lei Federal nº 8.630 — que foram alicerçadas em leis, decretos e resoluções de diferentes órgãos públicos —, é indis- pensável observar que a atividade portuária ficou sujeita a um amplo clima de insegurança jurídica no curso deste período.

Como o processo de concessões para exploração de serviços públicos é concebido inclusive sob a premissa de obtenção de resultados projeta- dos para períodos predeterminados na execução de contratos, fica óbvio que a iniciativa privada teve de fazer um esforço adicional para alcançar tais resultados.

Na projeção destas metas contratuais normalmente já existe o clima de incertezas do desenvolvimento da economia em si, notadamente quando se lida com o comércio internacional. Com a ajuda da enorme insegurança jurídica que se estabeleceu na regulamentação da atividade portuária, não é exagero algum alegar que inúmeras empresas portuárias, de fato, enfrentaram e ainda estão sujeitas ao fator de desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados com o poder público.

E é exatamente por esta razão que não se pode desenvolver qualquer atividade pública concedida sem garantias adicionais ao que hoje está estabelecido em lei.

Sabe-se perfeitamente que a mudança de governos de quatro em quatro anos é um dos fatores que interfere, de forma ostensiva, neste

constante processo de edição de leis, decretos e resoluções. Por esta razão, portanto, há de se instituir um critério mais rigoroso para garantir a segurança jurídica.

Por mais plausível que possa ser a justificativa de edição de uma lei para adequação a prognósticos futuros de desenvolvimento, este motivo por si só não pode prosperar sem que hajam outros instrumentos de análise conjuntural de retaguarda.

Assim como um investidor privado, às vezes, está sujeito previamen- te a produzir Relatórios e Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para obter licença para desenvolver determinada atividade de suposto impacto ambiental, as autoridades constituídas também precisam ficar sujeitas a critérios preliminares para a promoção de mudanças legais com previsível impacto em determinadas atividades econômicas.

No modelo atual, basta que a proposta de projeto de lei seja apresenta- da com poucas laudas de justificativa de motivos e, que tenha amparo legal, para ser sujeita à apreciação do plenário do Poder Legislativo.

A efetiva segurança jurídica só será implementada, de verdade, quando projetos de lei de grande alcance socioeconômico sejam obriga- dos, na respectiva apresentação, a ter amparo em amplos estudos prelimi- nares, com informações prós e contra, e debatidos antecipadamente em audiências públicas, envolvendo as partes diretamente interessadas e a sociedade em geral.

Quando a aprovação final ferir princípios ou contratos anteriormente celebrados mediante outra conjuntura, de forma comprovada, há de se ter instrumentos jurídicos mais ágeis para reparação de danos.

O interesse público deve sempre prevalecer ao interesse privado, mas isto não dá o direito a ninguém de prejudicar a outra parte que já havia firmado compromissos balizados em diferente realidade.

No documento Em busca de mar calmo (páginas 88-93)

Documentos relacionados