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CAPÍTULO III – PONDERAÇÕES PRÉVIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE

5. Segurança e privacidade na internet

Quando o assunto é internet, surgem muitos debates sobre a segurança dos bancos de dados e transmissões, bem como os recorrentes abusos à privacidade. Esse tópico tangencia o tema deste trabalho, contudo, sem com ele se confundir.

Não obstante, por ser de grande relevância, convém apresentar resumidamente o conflito entre a privacidade e a sociedade de vigilância131.

A sociedade da vigilância é aquela em que as pessoas têm seus passos observados todo o tempo. Nessa sociedade, o vigiar é legitimado especialmente pela segurança, ao passo que as tecnologias (câmeras,

131 RODOTÀ, Stefano. A vida na Sociedade da Vigilância. A privacidade hoje.

Organização, seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução, Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

coletas de informações pela internet, grampos em telefones celulares) são utilizadas para conter e solucionar crimes e desvios de condutas.

Não se pode ignorar os benefícios dessa política e, mais importante ainda, seria ingênuo pensar que a situação é reversível; que, por respeito à privacidade, a vigilância cessaria completamente132.

O conceito de sociedade de vigilância foi estampado no livro 1984, de George Orwell, porém hoje já ganha as páginas dos jornais como uma realidade atual. Recentemente a questão foi debatida intensamente em função dos escândalos da espionagem feita pelo governo dos EUA.

Ao passo que alguns se preocupam com a espionagem de outros governos (caso do Brasil, que teve presidentes declaradamente espionados), outros se preocupam com a espionagem (vigilância) que foi feita diretamente sobre todas as pessoas133.

Sobre esse caso, é interessante sublinhar um ponto importante que foi pouco debatido na mídia: o fato de que esses programas de espionagem foram criados sob a ótica de “guerra contra o terror”. Essa “desculpa” de “estado permanente de guerra” é a mesma utilizada na obra

132 Como exemplo do debate sobre os benefícios da sociedade de vigilância, vide matéria:

Análise: “Os prós e contras de uma sociedade de vigilância”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/07/1312981-analise-os-pros-e-contras-de-uma- sociedade-de-vigilancia.shtml>. Acesso em: out. 2014.

Sobre a irreversibilidade da vigilância, cito a recente matéria: “Vigilância deve ser aceita pela sociedade, diz Tony Blair”. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/vigilancia-deve-ser-aceita-pela-sociedade-diz- tony-blair,ef4dd37191eb2410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html>. Acesso em: out. 2014.

133 Sobre a vigilância do governo sobre as pessoas, preocupou-se a nossa atual presidente,

que pediu agilidade do debate na ONU, por entender “que a privacidade na internet faz parte dos direitos humanos e sua defesa tem que receber um tratamento prioritário nas discussões da ONU” Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas- noticias/efe/2013/11/02/dilma-pede-prioridade-na-onu-para-discussao-sobre-privacidade-na- internet.htm>.

de Orwell para massacrar os defensores da liberdade e da privacidade – que são considerados traidores muito mesquinhos, por colocarem os seus interesses individuais acima do bem maior. Na obra de ficção, fica evidente a falácia; por que na vida real não fica?

De fato, a ideia de uma sociedade onde todos são vigiados saltou das páginas da célebre obra de George Orwell e parece ter vindo para ficar e atormentar todos os que buscam conciliar a privacidade com a sociedade atual, especialmente com o uso em massa de celulares e internet. Não obstante, deve-se tentar conciliar os dois conceitos.

Tradicionalmente, quem vigia é o governo, mas, como a informação é um bem extremamente precioso no mercado, já se observa uma maciça vigilância por órgãos privados, com fins econômicos.

Com efeito, o “big brother” não é o único sedento por informações sobre as pessoas. Entidades privadas também buscam coletar o máximo de informações possíveis para formar suas estratégias de mercado e direcionar propagandas para cada categoria de consumidores. As informações sobre as pessoas compõem bancos de dados de grande valor econômico.

Essas informações são obtidas por meio de cadastros variados, em lojas, bancos, entidades de classe, sindicato e até órgãos públicos, como o Tribunal Superior Eleitoral, que firmou convênio para fornecer os dados dos eleitores ao SERASA em troca da expedição de certificados digitais134. Também são fornecidas por terceiros, como no caso de

empresas que fornecem os dados do devedor inadimplente aos bancos de

134 “TSE firma acordo para repassar dados de eleitores à Serasa”. Disponível em:

<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/08/tse-firma-acordo-para-repassar-dados-de- eleitores-serasa.html>. Acesso em: out. 2014.

dados dos órgãos de proteção ao crédito. No mais, as informações também podem ser coletadas pelo uso da internet, através dos “cookies” ou invasão de computadores ou banco de dados alheios.

Cumpre anotar que essa coleta de dados no uso da internet virtual pelos “cookies” é a fonte de renda dos provedores de aplicações que oferecem os seus serviços de forma supostamente gratuita. Daí resulta o raciocínio de que se você não paga pelo serviço, é porque, para o provedor, você é o produto.

De uma forma ou de outra, informações pessoais são captadas, utilizadas, e até vendidas, para atender a interesses muito diversos dos interesses da pessoa à qual aquela informação se refere.

Um fato interessante, indicativo de futuro ainda “mais vigiado”, é a criação de novos mecanismos de computadores portáteis, em especial o “google glasses”135. Com a possibilidade de gravar e armazenar na

“nuvem”136 todas as cenas que a pessoa vê e vive diariamente, a

sociedade da vigilância de Orwell parece um saudoso passado distante, quando ainda era possível algum debate sobre a privacidade.

De outro lado, não se pode olvidar os benefícios trazidos por essa inovação tecnológica, que vão muito além do mero divertimento do

135O “google glasses” é considerado um acessório para ampliação da realidade que permite

ao usuário estar sempre conectado à rede mundial de computadores e usar facilmente diversos aplicativos. O aparelho está prestes a ser lançado, mas ainda está em fase de testes, com alguns usuários selecionados para usá-los e reportar as suas experiências. “O Google Glass é um dispositivo semelhante a um par de óculos, que, fixados em um dos olhos, disponibiliza uma pequena tela acima do campo de visão. A pequena tela apresenta ao seu utilizador mapas, opções de música, previsão do tempo, rotas de mapas, e, além disso, também é possível efetuar chamadas de vídeo ou tirar fotos de algo que se esteja a ver e compartilhar imediatamente através da Internet”. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Project_Glass>. Acesso em: out. 2014.

136 Servidor, nos termos definidos no segundo capítulo, que mantém b anco de dados para

usuário. Por exemplo, o aparelho pode permitir uma operação médica simultânea por diversos cirurgiões, com a visão ampliada, pode ajudar pessoas com Alzheimer a relembrarem o nome de parentes e amigos, dentre outras coisas, pode permitir a tradução imediata de conversa em língua estrangeira (diminuindo consideravelmente as fronteiras linguísticas).

Um episódio interessante e recente aconteceu em Seattle, nos EUA. Um restaurante pediu insistentemente para um cliente retirar o seu “google glasses” e, como ele se negou, teve de deixar o estabelecimento137. Irritado, o cliente protestou na internet, por meio de um

comentário no “facebook”, recebendo a seguinte resposta do restaurante: Nós pedimos que nossos clientes não usem o Google Glasses dentro do restaurante. Pedimos também que você não videotape qualquer pessoa usando qualquer outro tipo de tecnologia. Se você usar o Google Glasses, filmar ou fotografar pessoas sem permissão, você será solicitado a parar ou sair. E, se for pedido para sair, pelo amor de Deus, não comece a gritar sobre seus "direitos". Cale a boca e saia antes de piorar as coisas.138

Sobre a situação, muitos foram favoráveis ao restaurante, com o argumento de que a privacidade dos demais clientes deveria ser resguardada. Outros se posicionaram a favor do usuário do aparelho, afirmando que a sua liberdade deveria prevalecer. Também no âmbito da internet, é intenso o conflito entre liberdade e privacidade.

Com os dispositivos móveis com conexão à internet (smartphones, tablets, etc.), já é possível a coleta impressionante de

137 Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/google-glass/47697-cliente-e-obrigado-a-

deixar-restaurante-por-causa-do-seu-google-glass.htm>.

138 Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/eletronicos/eua-consumidor-e-expulso-de-

restaurante-por-usar-google-glass,fd250f45ad2b2410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. No original: <https://www.facebook.com/LostLakeCafe>. Acesso em: out. 2014.

dados sobre a pessoa, como, por exemplo, onde ela está e, obviamente, tudo o que ela disponibilizou na internet.

Pois bem, esse é o conflito gerado pela sociedade da vigilância. A privacidade que serve para proteger a personalidade abre espaço para uma exposição cada vez maior.

E qual é a solução? Fechar a pessoa em uma redoma impenetrável é desvantajoso para a própria pessoa. Deve-se conciliar o direito à privacidade com a sociedade de vigilância, munindo esse direito de novas ferramentas aptas a resguardá-lo.

Convém, agora, analisar resumidamente o instituto da privacidade e explicitar alguns princípios consagrados para o uso de dados pessoais.

Quanto à classificação do instituto, o direito à privacidade insere - se dentro dos direitos da personalidade. Tais direitos têm sua base na dignidade da pessoa humana, que, em nosso ordenamento jurídico, é princípio constitucional (artigo 1º, III, da Constituição Federal).

Não obstante, o direito à privacidade encontra previsão específica no artigo 5º da Constituição Federal, que prevê em seu inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (destaque nosso).

Especificando o grau de proteção, o Código Civil possui a seguinte disposição: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

A primeira conceituação do direito à privacidade é atribuída aos norte-americanos Louis Brandeis e Samuel Warren139, que definiram o

direito à privacidade como “the right to be let alone” (o direito de ser deixado sozinho; em paz).

Nesse primeiro momento, a privacidade foi vista com um viés individualista, notadamente liberal e burguês140. Digno de nota é o trecho

final do artigo de Brandeis e Warren:

A lei comum sempre reconheceu a casa de um homem como o seu castelo, inexpugnável, muitas vezes, até mesmo para seus próprios oficiais envolvidos na execução do seu comando. Deverá os tribunais fecharem a porta da frente com a autoridade constituída, e abrir amplamente a porta dos fundos para o ocioso

ou lasciva curiosidade?141

Debatendo essa primeira conceituação, anote-se a assertiva de Francisco Eduardo Loureiro:

O objeto da proteção, resumido na expressão ‘estar só’, compreendia pensamentos, emoções e sentimentos do indivíduo, sob qualquer forma de expressão (cartas, desenhos, conversas, comportamentos, fatos da vida pessoal e doméstica). Assemelhava-se ao direito à reputação, mas dele se distinguia, porque levava em conta a autoestima, mesmo contra a imputação de fatos verdadeiros e independentemente do intuito malicioso do invasor.142

Esse direito visa proteger os aspectos da vida da pessoa que ela não deseja que terceiros tomem conhecimento. Nas palavras de Carlos

139 WARREN e BRANDEIS. The Right to Privacy, originalmente publicado na Harvard Law

Review, vol. IV, 15 de dezembro de 1890, n. 51890. Artigo disponível em: <http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html >. Acesso em: set. 2014.

140 Nessa linha, SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2013. p. 135.

141 Idem. Ibidem. Tradução livre.

142 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Direito ao Sossego. In LOTUFO, Renan (Coord.).

Alberto Bittar: “Consubstancia-se em mecanismos de defesa da personalidade humana contra injunções, indiscrições ou intromissões alheias”143.

Podemos notar que o modelo de proteção era semelhante ao da propriedade. A proteção era negativa: havia um dever geral de não les ar a vida privada da pessoa.

Entretanto, o conceito inicial de privacidade como o de não ser perturbado foi abrindo espaço para outra concepção. O cenário inicial “começa a se alterar a partir da década de 1960”144 com o desenvolvimento

tecnológico, que facilitou muito a intrusão na vida das pessoas, culminando no que se denomina sociedade de vigilância.

Deveríamos concluir que com o avanço tecnológico a privacidade diminuiu?

O risco, aqui, é exigir que as pessoas - sobretudo as famosas - presumam que são objeto permanente da vigilância alheia, tendo em vista que as novas tecnologias permitem um grau de intrusão

cada vez maior.145

De fato, o ideal é a solução não passar por uma diminuição da proteção, mas que ocorra a adequação do instituto à nova realidade social.

Nas palavras de Stefano Rodotà:

143 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 5. ed. atualizada por Eduardo

Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2001. p. 106.

144 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p.

135.

145 LEWICKI, Bruno. Realidade refletida: privacidade e imagem na sociedade vigiada. In

TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates

jurídicos e utopias contemporâneas – estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 106.

De sua tradicional definição como o ‘direito a ser deixado só’ passa-se, justamente pela influência da tecnologia dos computadores, àquela que constituirá um constante ponto de referência na discussão: ‘direito a controlar o uso que os outros façam das informações que me digam respeito’. Em fase mais recente surge um outro tipo de definição, segundo a qual a privacidade se consubstancia no ‘direito do indivíduo de escolher

aquilo que está disposto a revelar aos outros’.146

Sobre a finalidade do direito à privacidade, elucidativo é o apontamento de Roxana Cardoso Brasileiro Borges, que merece transcrição verbis:

O direito à privacidade tem como objeto permitir à pessoa excluir do conhecimento de terceiros seus sentimentos, orientações ou comportamentos culturais, religiosos, sexuais, domésticos, suas preferências em geral, características e apelidos conhecidos apenas pelos que participam de sua vida privada, ou seja, seu círculo familiar mais próximo e seus amigos, evitando, também, a divulgação dessas informações. Enfim, o direito à privacidade

protege o modo de ser da pessoa do conhecimento alheio (…).147

Como se pode notar, a opção cabe à pessoa. Cunhou-se a concepção de direito à autodeterminação informativa: o de ter o controle sobre quais informações a pessoa deseja fornecer e a quem ela deseja fornecer148.

Com efeito, realmente parece que o conceito de privacidade como o mero direito de ser deixado só não é o mais adequado sob a perspectiva da sociedade de vigilância.

146 RODOTÀ, Stefano. A vida na Sociedade da Vigilância. A privacidade hoje, cit., p. 74 e

75.

147 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Dos Direitos da Personalidade. In LOTUFO,

Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 270.

148 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo Código Civil

Brasileiro: uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antônio

A autodeterminação informativa seria uma nova interpretação da privacidade na sociedade da vigilância, ancorada (a interpretação) na concepção de direito geral da personalidade. O foco passa a ser o consentimento da pessoa em compartilhar informações pessoais, bem como qual o uso lícito dessas informações.

Via de regra, o consentimento da pessoa é necessário, porque é dela a escolha de manter ou não certa informação pessoal na sua esfera de privacidade. Todavia, existem exceções a essa regra; Isso porque o direito à privacidade não é absoluto e pode ser afastado quando houver um conflito de direitos, como no caso de interesse público, direito à informação, estado de perigo, para manter a ordem pública, etc.

Pode existir um número interminável de conflitos e infinitos exemplos podem surgir no futuro. O conflito deve ser resolvido no caso concreto, sublinhando que a interpretação deve ser feita levando-se em conta os mais elevados princípios éticos, para além de interesses meramente econômicos ou por curiosidade149.

Fixada a questão de que o direito à privacidade não é absoluto, forçoso debater os parâmetros do consentimento, que deve ser prévio à coleta ou uso da informação, esclarecido e específico.

Nessa linha, é apresentar um exemplo atual que nos permitirá analisar o consentimento, bem como nos guiará ao tema seguinte: banco de dados.

149 Sobre o conflito do direito à privacidade com outros interesses, digno de nota o fato de,

em investigações policiais, o FBI achar razoável invadir computadores de usuários e ligar a câmera do computador sem a pessoa saber. Vide:

<http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/12/09/fbi-pode-ligar-camera-do- computador-sem-usuario-perceber-diz-ex-diretor.htm>. Acesso em: set. 2014.

O aplicativo Lulu foi lançado em fevereiro de 2013 nos EUA e, no Brasil, dia 20 de novembro de 2013. Ele é restrito para o público feminino e ao baixá-lo a usuária permite que toda a sua lista de amigos constante do “facebook” seja agregada ao banco de dados do programa.

Feito isso, anonimamente, as usuárias podem avaliar sumariamente qualquer homem constante no banco de dados, com pontuação ou através de frases curtas que indicam uma característica positiva ou negativa do homem. Além disso, o programa permite que a usuária realize pesquisa sobre qualquer homem já inserido no sistema, para ter uma ideia de sua reputação entre o público feminino.

Logo nos primeiros dias depois de lançado o aplicativo no Brasil surgiram muitos debates sobre o programa. Em 26 de novembro de 2013, seis dias depois de lançado, já foi ajuizada a primeira ação civil visando a reparação de danos morais contra o “Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. Rede Social” (que cedeu os dados) e a “Luluvise Incorporation” (que utiliza os dados)150.

Compreensivelmente, muitos homens não gostaram de ser avaliados publicamente, ressaltando que até os comentários tidos como positivos chocavam o público masculino, como as frases “#CaiDeBoca”, “#SafadoNaMedidaCerta”, etc. Não podemos olvidar que qualquer pessoa do sexo feminino poderia consultar essas avalições, como a esposa, filha, mãe, irmã, colega de trabalho, funcionárias subalternas, a chefe, etc. No s

comentários negativos, como, por exemplo, “#maisbaratoquepãonachapa”, “#lento” e “#bebezão”151, a ofensividade fica bem mais evidente.

Notadamente a honra e imagem da pessoa pode ser conspurcada, tanto que, dias depois de lançado o aplicativo, foi criado um site www.lulufake.com.br, que vende avaliações no “lulu” sob a legenda de “quanto vale a sua reputação? Melhore a sua reputação no Lulu”. Segundo noticiado, esse serviço conseguiu mais de dois mil clientes em cinco dias, com faturamento de mais de R$ 1.000.000,00152.

Sem dúvida, muitas ações chegarão ao judiciário, contra as empresas, requerendo a condenação em danos morais e até para que informem a identidade das usuárias que realizaram os comentários, para que se possa ingressar com uma ação penal pelo crime de injúria ou difamação.

Nessa toada, anote-se que em ação civil coletiva ajuizada pelo Ministério Público Federal153, em sede de agravo de instrumento154, o

Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou a exclusão dos perfis criados sem o consentimento da pessoa e a vedação da possibilidade de avaliação anônima.

Os principais argumentos do provedor de aplicações “facebook” e do programa “Lulu” para negar a violação do direito à privacidade são os de que, quando a pessoa ingressa na rede social do “facebook”, ela

151 Disponível em: <http://vidaeestilo.terra.com.br/homem/comportamento/um -grande-

banheiro-feminino-diz-homem-sobre-aplicativo-

lulu,65cdee6b10a92410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em: ago. 2014.

152 Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/apps/47904-servico-de-avaliacoes-

artificiais-do-lulu-tem-2-mil-clientes-em-5-dias.htm>. Acesso em: ago. 2014.

153 Processo número 0047035-30.2013.8.07.0001 (TJ-DF). 154 Agravo número 0031665-14.2013.807.0000.

consente com o uso de suas informações pessoais pelo “facebook” e aplicativos, bem como, posteriormente, ela pode pedir para retirar o seu perfil do programa.

A toda evidência, tais argumentos são inválidos, porque, para que o direito à privacidade seja respeitado em sua inteireza, o consentimento deve ser prévio, esclarecido, expresso e específico.

Para que atinja a sua finalidade, o consentimento deve ser prévio, por razões óbvias. Evidentemente que, depois de feita a coleta da informação pessoal ou o seu uso não admitido, a privacidade já foi violada, somente variando o grau de ofensividade da violação.

Permitir que a pessoa escolha retomar a informação para a sua